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A escola portuguesa, mete água com certeza



Segundo as previsões do IPMA, vai continuar de chuva. Durante o mês de dezembro, muitas foram as escolas que meteram água. Em Lisboa, onde choveu abundantemente, mas também um pouco por todo o país. É uma tradição antiga, quase ancestral, mas que continua bem viva. É o nosso fado: uma escola portuguesa mete água com certeza… 

Só para terem uma ideia, deixamos-vos esta notícia do semanário Expresso do dia 13 de dezembro de 2022: 

https://expresso.pt/sociedade/cheias-em-lisboa/2022-12-13-Saldanha-Benfica-Alvalade-Olivais-Parque-das-Nacoes-Oeiras-Loures-Amadora-e-Odivelas-fecham-varias-escolas-5669ca29

 

Ao pensarmos no assunto, somos tentados a acreditar que uma escola meter água, não é uma coisa boa, pois há aulas adiadas e materiais que se estragam. Contudo, quem assim pensa, talvez não esteja a ter uma perspetiva suficientemente ampla deste fenómeno. Assim sendo, deixamos-vos aqui o nosso contributo para uma compreensão mais alargada deste tema.

 

É possível que as autoridades educativas, seja a nível nacional, seja a nível local e em conjunto com o IPMA, tenham uma visão muito mais abrangente do assunto. Provavelmente, o facto de as escolas meterem água, sempre que chove um pouco mais intensamente do que o costume, obedece a uma pensada estratégia política-cultural.

 

São pouco os que estão conscientes das estreitas relações entre o clima e a cultura, no entanto, essas relações são de grande proximidade. Um dos exemplos mais conhecidos deu-se em 1815.

Nesse ano, houve na Indonésia uma gigantesca erupção vulcânica, a do vulcão Tambora. Foi uma das maiores de sempre. A quantidade de fumos e cinzas lançados na atmosfera dispersaram-se por toda a Terra, o que fez com que o ano seguinte ficasse conhecido como “O ano sem verão”.

No ano de 1816, na Europa e nos Estados Unidos, nevou durante o verão nas montanhas, choveu praticamente todos os dias e as temperaturas foram anormalmente baixas.

Portugal também não escapou, no Algarve, por exemplo, "as doenças devidas ao tempo quente e à influência dos gases dos pântanos, como a desinteria e as febres biliosas e intermitentes não surgiram. Ao contrário, as doenças inflamatórias usuais no Inverno, foram frequentes", escreveu um médico de então.

 

Em 1816, o célebre poeta inglês Lord Byron convidou uns amigos para passar férias na sua casa de verão, junto ao lago de Genebra, na Suíça. Entre os amigos, encontrava-se a escritora Mary Shelley e o também escritor e médico John William Polidori. Ao contrário do que previam, o verão não foi solarengo, nem propício a longos passeios pelas verdes montanhas em redor do lago. Muito pelo contrário, esteve sempre a chover, os dias eram escuros e o frio cortante.

Obrigados a permanecer dentro de casa, decidiram escrever contos de terror para se divertirem e passarem o tempo. Mary Shelley inventou nessa ocasião um personagem que ainda hoje conhecemos: Victor Frankenstein. Também nessa ocasião, John William Polidori escreveu uma história na qual criou um ser fictício que viria a ter um grande futuro: o vampiro.

 

Concluímos então, que o clima teve uma influência decisiva na cultura. Se porventura tem feito bom tempo nesse verão de 1816 e nem o Frankenstein, nem os vampiros, tivessem sido inventados, muitos filmes não se teriam realizado, muitos livros ficariam por escrever e muitos sustos não teriam sido apanhados. Isto já para não falar das máscaras de carnaval, pois sem vampiros nem Frankensteins, só havia matrafonas e cabeçudos e não era a mesma coisa.

 


Vejamos um outro muito conhecido exemplo da influência do clima na cultura. Em 1883, uma outra enorme erupção, a do vulcão Krakatoa, lançou cinzas até 80 quilómetros de altitude. As partículas espalharam-se por todo o planeta. Uma das coisas que provocou, foi que durante meses, as nuvens pareciam que tinham fogo, isto porque essas partículas faziam com que a luz solar se dispersasse de uma maneira diferente da habitual.

Há uns anos, uns quantos estudiosos publicaram uma tese sobre o quadro de Edvard Munch, ‘O grito’, afirmando que os céus avermelhados que aparecem nessa obra, são os céus gerados pelo vulcão Krakatoa. Munch apontou num dos seus diários o quanto o impressionaram esses céus “sangrentos”, que então viu surgirem na sua Noruega natal.

 


Mas voltemos às escolas que metem água. Será por acaso que escolas já muito antigas, tal e qual como escolas construídas ou renovadas há poucos meses metem igualmente água? Claro que não. Não é plausível que assim seja. Tudo assenta numa política-cultural pensada a longo prazo.

Com efeito, assim como Mary Shelley ou Edward Munch, também os nossos alunos estão a ser preparados a fim de se deixarem inspirar pelos efeitos causados pelo clima, neste caso não por vulcões, mas sim pela chuva.

As poças de água nas salas e corredores, as infiltrações pelos tectos, o som dos pingos a cair nos alguidares e a manchas de humidade nas paredes, são a matéria prima a partir da qual muitos alunos irão no futuro inventar novos personagens, criar originais melodias e pintar belos quadros.

Para além das magníficas obras que potencialmente surgirão como resultado das escolas meterem água, há também que contar com os positivos efeitos psico-emocionais.

Quem não se recorda de na infância ou na adolescência ter gostado de andar à chuva? Quem não acarinha essas memórias longínquas, em que, com a inconsciência que só a juventude tem, ia pelas ruas com os cabelos soltos à chuva e ao vento e com audácia e sem temor colocava ambos os pés bem dentro de uma poça de água?

 

Hoje em dia, as crianças e jovens já não têm a liberdade de que então se dispunha. Os pais e mães vêm de carro recolhê-los à porta da escola e seguem para casa sem que ninguém se encharque.

A juventude atual foi privada da experiência formativa e emocional que é encharcar-se, mas para isso é que existe a escola. Se a família não proporciona aos alunos a experiência de andarem à chuva, compete às escolas suprir essa lacuna e dar-lhes essa vivência.

A verdade é que as escolas portuguesas, são das que melhor estão preparadas para esse desafio educacional. Com efeito, a nível internacional, serão poucas as que apresentam as infiltrações e os repasses indispensáveis a esse objetivo. Ainda bem que as nossas autoridades educativas estão atentas.

Desse modo, Tal como as gerações que lhes antecederam, também os atuais alunos, hão de em adultos poder dizer: belos tempos esses, em que éramos jovens e cantávamos à chuva.

 



Uma última coisa antes de terminarmos. Para quem gosta de chuva, há um filme perfeito, "Les Parapluies de Cherbourg". Trata-se de uma história de um amor contrariado e conta com a interpretação de uma Catherine Deneuve em estado de graça. 

É uma sugestão que dedicamos a todos os funcionários do IPMA, na esperança que nos anunciem muitos e muitos mais dias de chuva. Não é só bom para a cultura de rabanetes e alfaces, mas é também bom para a Educação e Cultura nacional.

 

https://www.youtube.com/watch?v=0tiKZu3Kto0

 

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