Segundo as previsões do IPMA, vai continuar de chuva. Durante o mês de dezembro, muitas foram as escolas que meteram água. Em Lisboa, onde choveu abundantemente, mas também um pouco por todo o país. É uma tradição antiga, quase ancestral, mas que continua bem viva. É o nosso fado: uma escola portuguesa mete água com certeza…
Só para terem uma ideia, deixamos-vos esta notícia do semanário Expresso do dia 13 de dezembro de 2022:
Ao pensarmos no
assunto, somos tentados a acreditar que uma escola meter água, não é uma coisa
boa, pois há aulas adiadas e materiais que se estragam. Contudo, quem assim
pensa, talvez não esteja a ter uma perspetiva suficientemente ampla deste
fenómeno. Assim sendo, deixamos-vos aqui o nosso contributo para uma
compreensão mais alargada deste tema.
É possível que as
autoridades educativas, seja a nível nacional, seja a nível local e em conjunto
com o IPMA, tenham uma visão muito mais abrangente do assunto. Provavelmente, o
facto de as escolas meterem água, sempre que chove um pouco mais intensamente
do que o costume, obedece a uma pensada estratégia política-cultural.
São pouco os que estão
conscientes das estreitas relações entre o clima e a cultura, no entanto, essas
relações são de grande proximidade. Um dos exemplos mais conhecidos deu-se em
1815.
Nesse ano, houve na
Indonésia uma gigantesca erupção vulcânica, a do vulcão Tambora. Foi uma das
maiores de sempre. A quantidade de fumos e cinzas lançados na atmosfera
dispersaram-se por toda a Terra, o que fez com que o ano seguinte ficasse
conhecido como “O ano sem verão”.
No ano de 1816, na
Europa e nos Estados Unidos, nevou durante o verão nas montanhas, choveu
praticamente todos os dias e as temperaturas foram anormalmente baixas.
Portugal também não
escapou, no Algarve, por exemplo, "as doenças devidas ao tempo quente e à
influência dos gases dos pântanos, como a desinteria e as febres biliosas e
intermitentes não surgiram. Ao contrário, as doenças inflamatórias usuais no
Inverno, foram frequentes", escreveu um médico de então.
Em 1816, o célebre
poeta inglês Lord Byron convidou uns amigos para passar férias na sua casa de
verão, junto ao lago de Genebra, na Suíça. Entre os amigos, encontrava-se a
escritora Mary Shelley e o também escritor e médico John William Polidori. Ao
contrário do que previam, o verão não foi solarengo, nem propício a longos passeios
pelas verdes montanhas em redor do lago. Muito pelo contrário, esteve sempre a
chover, os dias eram escuros e o frio cortante.
Obrigados a permanecer
dentro de casa, decidiram escrever contos de terror para se divertirem e
passarem o tempo. Mary Shelley inventou nessa ocasião um personagem que ainda
hoje conhecemos: Victor Frankenstein. Também nessa ocasião, John William
Polidori escreveu uma história na qual criou um ser fictício que viria a ter um
grande futuro: o vampiro.
Concluímos então, que o clima teve uma influência decisiva na cultura. Se porventura tem feito bom tempo nesse verão de 1816 e nem o Frankenstein, nem os vampiros, tivessem sido inventados, muitos filmes não se teriam realizado, muitos livros ficariam por escrever e muitos sustos não teriam sido apanhados. Isto já para não falar das máscaras de carnaval, pois sem vampiros nem Frankensteins, só havia matrafonas e cabeçudos e não era a mesma coisa.
Vejamos um outro muito
conhecido exemplo da influência do clima na cultura. Em 1883, uma outra enorme
erupção, a do vulcão Krakatoa, lançou cinzas até 80 quilómetros de altitude. As
partículas espalharam-se por todo o planeta. Uma das coisas que provocou, foi
que durante meses, as nuvens pareciam que tinham fogo, isto porque essas
partículas faziam com que a luz solar se dispersasse de uma maneira diferente
da habitual.
Há uns anos, uns
quantos estudiosos publicaram uma tese sobre o quadro de Edvard Munch, ‘O
grito’, afirmando que os céus avermelhados que aparecem nessa obra, são os céus
gerados pelo vulcão Krakatoa. Munch apontou num dos seus diários o quanto o
impressionaram esses céus “sangrentos”, que então viu surgirem na sua Noruega
natal.
Mas voltemos às
escolas que metem água. Será por acaso que escolas já muito antigas, tal e qual
como escolas construídas ou renovadas há poucos meses metem igualmente água?
Claro que não. Não é plausível que assim seja. Tudo assenta numa
política-cultural pensada a longo prazo.
Com efeito, assim como
Mary Shelley ou Edward Munch, também os nossos alunos estão a ser preparados a
fim de se deixarem inspirar pelos efeitos causados pelo clima, neste caso não
por vulcões, mas sim pela chuva.
As poças de água nas salas e corredores, as infiltrações pelos tectos, o som dos pingos a cair nos alguidares e a manchas de humidade nas paredes, são a matéria prima a partir da qual muitos alunos irão no futuro inventar novos personagens, criar originais melodias e pintar belos quadros.
Para além das magníficas obras que potencialmente surgirão como resultado das escolas meterem água, há também que contar com os positivos efeitos psico-emocionais.
Quem não se recorda de
na infância ou na adolescência ter gostado de andar à chuva? Quem não acarinha
essas memórias longínquas, em que, com a inconsciência que só a juventude tem,
ia pelas ruas com os cabelos soltos à chuva e ao vento e com audácia e sem temor
colocava ambos os pés bem dentro de uma poça de água?
Hoje em dia, as
crianças e jovens já não têm a liberdade de que então se dispunha. Os pais e
mães vêm de carro recolhê-los à porta da escola e seguem para casa sem que
ninguém se encharque.
A juventude atual foi
privada da experiência formativa e emocional que é encharcar-se, mas para isso
é que existe a escola. Se a família não proporciona aos alunos a experiência de
andarem à chuva, compete às escolas suprir essa lacuna e dar-lhes essa vivência.
A verdade é que as escolas portuguesas, são das que melhor estão preparadas para esse desafio educacional. Com efeito, a nível internacional, serão poucas as que apresentam as infiltrações e os repasses indispensáveis a esse objetivo. Ainda bem que as nossas autoridades educativas estão atentas.
Desse modo, Tal como
as gerações que lhes antecederam, também os atuais alunos, hão de em adultos
poder dizer: belos tempos esses, em que éramos jovens e cantávamos à chuva.
Uma última coisa antes
de terminarmos. Para quem gosta de chuva, há um filme perfeito, "Les
Parapluies de Cherbourg". Trata-se de uma história de um amor
contrariado e conta com a interpretação de uma Catherine Deneuve em estado de
graça.
É uma sugestão que
dedicamos a todos os funcionários do IPMA, na esperança que nos anunciem muitos
e muitos mais dias de chuva. Não é só bom para a cultura de rabanetes e
alfaces, mas é também bom para a Educação e Cultura nacional.
https://www.youtube.com/watch?v=0tiKZu3Kto0
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