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All included


Fica mal que um aluno lisboeta passe pela escolaridade obrigatória sem nunca ir visitar o Museu Gulbenkian, que um do Porto não tenha passeado por Serralves, um de Coimbra não conheça o Museu Machado de Castro e um de Viseu jamais tenha entrado no Museu Grão Vasco. São tudo coisas que ficam mal e não se recomendam, por consequência, tarde ou cedo, lá se vai cumprir o ritual e fazer a visita de estudo da praxe ao mais afamado museu local.

 

Também fica mal a adultos ilustrados e com estudos, tipo professores, ir fazer um circuito turístico pelas grandes capitais e não visitar um museu. Não se vai a Paris e se regressa, para depois se passar vergonhas e ter de dizer a amigos e conhecidos “não, ao Louvre não fui”.

Ninguém que tenha pelo menos a frequência do ensino superior, já nem dizemos que tenha efetivamente terminado o curso, se atreve a passar por Madrid sem dar uma voltinha pelo Prado, podia lá ser uma coisa dessas.

 

Dito isto, há que concordar que Ir ver obras de arte a um museu, seja numa vista de estudo escolar, seja num tour turístico, é sempre uma atividade um tanto ou quanto melancólica. Um museu é um local onde estão depositados para todo o sempre os grandes feitos artísticos da humanidade, lemos as placas com as datas e os nomes e, em certo sentido, é como se atravessássemos um cemitério.

 

Há um objetivo meritório nessas vistas, contudo, há também a sensação de que se está a cumprir um dever, uma espécie de obrigação histórico-cultural. Sabemos que temos de lá ir, não sabemos é muito bem para quê.

 

Seja em visitas de estudo, seja em visitas turísticas, nós não queremos ir a museus só para aprender alguns factos, datas e nomes, nem sequer para nos cultivarmos, nem tão-pouco para apreciar o ar bafiento do passado, o que queremos é sentir o misterioso e incompreensível vibrar da vida. Por assim ser, vamos dar uma enorme reviravolta nesta conversa e partimos para Havana.

 

Só havia uma cidade e a cidade era Havana. É possível que esta frase se encontre num dos melhores e mais divertidos romances latino-americanos de sempre: Três Tristes Tigres. Também é possível que não. Em qualquer dos casos, La Habana é uma cidade incompreensível. Há muito que a pobreza é muita, a liberdade é pouca, e quem de lá quer e pode fugir, foge. Paradoxalmente, há uma atmosfera de tremenda vitalidade e uma alegria vibrante a cada esquina.

 


 

“Três Tristes Tigres” foi escrito por Guilhermo Cabrera Infante (1929-2005). É uma narrativa polifónica, ou seja, narrada a várias vozes, em que a linguagem é levada até aos seus limites. Retrata uma Havana pré-revolucionária, sendo simultaneamente um diário íntimo.

Os bares da noite havanesa, a música, o álcool, o sexo e a literatura, são o cenário que enquadra conversas de gente que vive presa a uma realidade medíocre e sem futuro, mas que consegue sobreviver graças às ideias, à amizade, ao amor e ao humor.

 

A sinopse poderia ser esta, contudo, daquilo que o livro verdadeiramente nos fala, é de como Havana é em essência incompreensível, de como o é igualmente a escrita e, claro, como também o é a própria vida.

 

À verdadeira literatura, compete refletir o quanto tudo é (em essência) incompreensível. Foi o que fez Guilhermo Cabrera Infante, que descreveu o seu livro do seguinte modo: “Tres tristes tigres está lleno de páginas en blanco, páginas oscuras, tiene estrellas hechas de palabras, el famoso cubo mágico hecho de números, e incluso hay una página que es un espejo”.


As pequenas obras, seja na literatura, na arte, no cinema ou na música, são sempre compreensíveis. Compreende-se a história, os factos, e compreende-se a sua moral e/ou mensagem. Ficamos por aí, o que sabe a pouco.

 

Nas grandes obras, há sempre algo que nos escapa, algo que vibra e é absolutamente incompreensível. Seja na literatura, na arte, no cinema ou na música. O que nos escapa, é precisamente o que faz a grandeza de uma obra. O que nos escapa, só se deixa vislumbrar pela atmosfera que cria em seu redor, e não por nada de concreto ou por algo que possamos nomear ou identificar. O que é incompreensível, só o entrevemos por vagos pressentimentos e por sinais quase imperceptíveis. Se quisermos estar atentos, talvez os consigamos sentir.

 

Podemos saber tudo sobre um autor e todos os factos relativos à sua obra, contudo, aquilo que verdadeiramente importa e vive em qualquer grande obra, é o modo como esta nos consegue mostrar, sem nunca nos demonstrar, o imenso mistério (o incompreensível) que há em todas as coisas.

 

Continuemos em La Habana. Wilfredo Lam (1902-1982) é o grande pintor cubano. Em Londres, a Tate Modern dedicou-lhe uma grande retrospectiva em 2017.

 https://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/wifredo-lam

Em 2015, em Paris, o Centre Pompidou também já o tinha feito.

 https://www.centrepompidou.fr/en/program/calendar/event/cbyd4kE

Em Nova Iorque, há muito que Wilfredo Lam é um “highlight” do Museum of Modern Art, o MOMA. 

https://www.moma.org/artists/3349

Em Lisboa há uma obra sua no CCB.

 

Dito isto, há professoras na América Latina (e não só) que se dedicam a fazer vídeos e outros materiais didáticos para explicar aos niños quem foi Wilfredo Lam. É um esforço meritório, todavia, são muito os factos, muita a história, muita a biografia, mas nada mais. Julguem por vós mesmos:

https://www.youtube.com/watch?v=2PUHkc1WcBo

 

Na nossa perspectiva, o vídeo que acima vos deixámos, nada nos diz sobre o mistério e o que de incompreensível existe na pintura de Wilfredo Lam. É um material didático, útil e informativo, mas não mais do que isso. Nós queríamos mais. Queríamos que quando se falasse de Wilfredo Lam, ou de qualquer outro grande artista, se tentasse falar daquilo que escapa às palavras: do que só se pressente, disso que só se vislumbra e só se consegue entrever.

 

Abaixo, fica uma imagem de uma obra de Wilfredo Lam, isto para que se perceba o quão incompreensível é e o quanto dela nos escapa, mas também, o quão bela e vibrante é e o quanto com ela podemos aprender.


Há muito quem passe uma semana ou duas em Cuba. Um destino tropical, dias de praia "all included" e, lá pelo meio, uma “daytrip” a La Habana para comprar “recuerdos”. Claro que quem assim o faz, jamais terá contato com a atmosfera única de Havana. Não terá a mínima oportunidade de pressentir, vislumbrar ou entrever os seus mistérios. Quando muito, terá um “tour” em que lhe serão apresentados alguns factos, alguma história e um ou outro pormenor pitoresco.

 

Há muito quem promova visitas de estudo a museus para que os meninos fiquem mais cultos e saibam uns quantos factos histórico-culturais. É um objetivo meritório. Nós queremos fazer visitas de estudo a museus para que os alunos sintam a atmosfera viva que se desprende das grandes obras de arte, ou seja, para que compreendam o quão incompreensíveis são.

 

Em La Habana havia um músico, o seu nome era Compay Segundo. Nasceu em 1907. Viveu uma vida inteira num semi-anonimato. Incompreensivelmente, foi só em muito avançada idade, no ano de 1996, que ascendeu ao estrelato internacional, por conta da sua participação no filme “Buena Vista Social Club”.

 

Mais que ninguém, Compay Segundo transportava em si a vibrante atmosfera de La Habana eterna. Uma canção, Dos Gardenias:

 



Compay Segundo nasceu e cresceu em Santiago, capital da histórica província cubana do Oriente. 

Não fomos ao oriente tropical, mas fomos ao museu do oriente em Lisboa.

Guião de visita de estudo ao Museu do Oriente

https://drive.google.com/file/d/1ckY7OabgAgwOEVobmgJjJJkIxiUEB7KI/view?usp=sharing






 

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