Um dia, o corpo morto de Sophia foi transladado para o
Panteão Nacional. Questionada, uma de suas filhas, disse então aos jornais:
“Era mais importante estar nas escolas do que no Panteão”. Sim, nós concordamos
com tais palavras. Era mais importante que Sophia nas escolas estivesse.
Enquanto aguardamos pelo pleno regresso de Sophia aos
currículos escolares, deixamos-vos (a quem nos lê) uma sugestão. Sugerimos um
passeio pela Lisboa de Sophia com término na exposição “Thalassa! Thalassa! O
mar e o Mediterrâneo na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen”.
É certo que Sophia de Mello Breyner era mais dada ao mar do que à cidade. É isso que nos dizem muitos dos seus poemas e o que abaixo se segue muito em particular, “Cidade”:
Cidade,
rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó
vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber
que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas
sem nome e planícies mais vastas
Que
o mais vasto desejo,
E
eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os
muros e as paredes, e não vejo
Nem
o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Não sendo a cidade um espaço que tanto a fascinasse
quanto o mar, ainda assim, havia pontos da cidade em que sentia a alma mais
livre, como por exemplo, o miradouro situado junto ao Largo da Graça, em
Lisboa.
Compreende-se perfeitamente que assim fosse, pois que aí as vistas são vastas e desimpedidas. Avista-se toda a cidade e também o rio. Ao longe, adivinha-se o mar.
Desde o miradouro, em manhãs claras, Lisboa luz nos telhados, ruas e avenidas. O céu tudo envolve num esplendoroso azul, dando-se então uma espécie de aparição: o sem fim do horizonte.
Por tudo isso e muito mais, foi em boa-hora que as
autoridades municipais decidiram rebaptizar o miradouro da Graça com o nome da
poeta e aí colocarem um busto escultórico que a retrata.
Junto ao busto de Sophia, com Lisboa por diante, uma placa com um poema reza assim:
Digo:
Lisboa
Quando
atravesso - vinda do Sul - o Rio
E a
cidade a que chego abre-se como se de seu nome nascesse
Abre-se
e ergue-se em sua extensão noturna
Em
seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas…
Também junto ao Largo da Graça, situa-se um outro espaço mítico da poesia portuguesa, o bar “O Botequim”. Fundado em 1968 pela mais inconformista das poetas, Natália Correia, foi palco de tertúlias durante as décadas de 70 e 80 de grande parte da intelectualidade portuguesa. Entre os clientes habituais, contava-se gente tão ilustre como Ary dos Santos ou José Cardoso Pires.
A poucos metros daí, encontra-se a íngreme Travessa
das Mónicas. Fica aí o antigo Convento das Mónicas, que em 1917, passou a ser
uma cadeia para mulheres e assim se manteve até 1989.
De algum modo, serve de contraponto às vistas desafogadas do miradouro. Se no miradouro o nosso olhar voa livremente, pairando por toda a cidade, nas Mónicas, pressentimos a vida das mulheres encarceradas, que teriam como únicas vistas, os muros e as estreitas janelas gradeadas da sua prisão.
A antiga prisão serve igualmente de contraponto a duas das mulheres mais livres que Portugal alguma vez teve: as poetas Natália Correia e Sophia de Mello Breyner.
É também na Travessa das Mónicas, mais abaixo, no número 57, que fica a casa onde Sophia viveu praticamente toda a sua vida adulta.
Se descermos toda a travessa e voltarmos a esquina,
deparamo-nos com a Rua de São Vicente. Continuando rua afora, avistamos ao
fundo o imponente e austero Mosteiro de São Vicente de Fora.
O Mosteiro guarda imensos segredos da História de Portugal. Entre os quais, o coração e as vísceras de alguns reis, e respetivas consortes, da dinastia dos Bragança, que aí foram colocados em vasos de porcelana chinesa e enterrados no chão de uma das capelas. Local onde ainda hoje se encontram.
Prosseguindo o nosso percurso, chegamos ao Campo de
Santa Clara, onde todas as terças e sábados há Feira da Ladra. O nosso destino
final está a poucos metros, o Panteão Nacional. O real nome do edifico é Igreja
de Santa Engrácia, tendo sido um decreto governamental em meados do século XX,
que o instituiu como panteão.
Foi esta igreja que deu origem à célebre expressão popular “obras de Santa Engrácia”, ou seja, às obras que nunca mais acabam. Isto, por desde o início da sua construção, até à sua conclusão, terem passado vários séculos.
É aqui, na Igreja de Santa Engrácia, que se encontra a exposição “Thalassa! Thalassa! O mar e o Mediterrâneo na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen”.
Quem quiser saber mais, pode o consultar o site:
https://www.culturgest.pt/pt/programacao/thalassa-thalassa/
Vista a exposição e lidos os poemas que dela constam,
imaginamos então que, se vivos fossem, muitas das altas figuras nacionais que
no Panteão eternamente repousam, uma princesa preferida porventura tivessem,
ela seria Sophia.
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