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Fazei-vos ao mar, escolas deste país!

 



Como conseguiu Portugal ser independente? Como conseguirá a escola ser autónoma?

A nossa terra é o mar. Se neste dia em que se comemora a a Restauração da Independência olharmos para os contornos geográficos da Península Ibérica, percebemos que Portugal poderia ter sido apenas mais uma região de Espanha, tal e qual como a Catalunha, o País Basco, a Andaluzia, a Galiza e outras. Se Portugal existe, não é porque a geografia da terra peninsular assim o exigisse, mas sim devido ao mar. Como um poeta uma vez disse, era imprescindível que se inventasse um país que tivesse por horizonte o imenso mar.



Para que um Portugal independente existisse, foi necessário que D. Afonso Henriques tivesse tido a audácia de romper as amarras que o prendiam a sua mãe e, contra todas as probabilidades, reinventasse a geografia peninsular e se aventurasse a criar um reino à beira do mar sem fim.

Também os antigos gregos viviam junto ao mar. Os seus heróis, como Aquiles na Ilíada ou Ulisses na Odisseia, navegavam de ilha em ilha em busca do seu destino. Contudo, o mar grego não era imenso e sem fim conhecido à vista, era antes uma espécie de grande lago: o Mediterrâneo. As terras que o rodeavam eram por demais conhecidas desde os primórdios da história. O Mediterrâneo era um mar plácido e íntimo, ao qual os gregos deram o doce nome de Thalassa.

Thalassa, o mar grego, era esse mesmo Mediterrâneo a que mais tarde os romanos chamariam Mare Nostrum (o nosso mar). Era também o mar dos egípcios, dos fenícios, dos cartagineses, dos turcos e de muitos povos mais. Em síntese, o Mediterrâneo não era um imenso mar desconhecido, pelo contrário, era quente, gentil e próximo, em nada igual ao mar de Portugal: o bravo e extenso Oceano Atlântico.

O auge de Portugal foi quando se fez ao mar. É essa tremenda audácia, a de contra todas as probabilidades não temer e arriscar, o que ainda hoje se comemora no primeiro verso do hino nacional: "heróis do mar, nação valente e imortal".

Após essa aventurosa época em que Portugal reinventou o globo terrestre dando novos mundos ao mundo, a nação acomodou-se, calçou as pantufas, fechou-se e foi lentamente decaindo pelos séculos afora. Em meados do século XX tínhamos um país encerrado em si mesmo e nas suas arcaicas certezas, condenado a não avançar, pobre, resignado e atrasado. Orgulhosamente só, dizia-se então.

A história das nações (e a dos indivíduos) ensina-nos que na falta audácia, ou seja, quando teimosamente nos acomodamos na segurança e no conforto do há muito conhecido, quando não nos reinventamos e tememos aventurarmo-nos no incerto e no desconhecido, o que fatalmente se segue a isso, é uma lenta mas inevitável queda na estagnação e na resignação.

Perdida a audácia, estagnamos e falhamos o nosso destino. A partir daí, apodera-se de nós um sentimento de impotência, e o mais que nos resta é a resignação e os consequentes queixumes e lamúrias pela sina que nos calhou em sorte. "Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado".


Foi nesse fado de resignação e estagnação que Portugal mansamente vegetou durante quase todo o século XX e do qual e só de há poucas décadas para cá, se vai indo libertando. Todavia, essa tristeza vil e apagada, não desapareceu por inteiro. O horror à aventura e à incerteza que é mudar, inovar e reinventar, continua presente na sociedade portuguesa.

Fazer-se ao mar como os antigos navegantes, é algo a que só a pouco e pouco vamos reaprendendo. Há ainda quem por medo queira tão-somente a segurança do habitual. É um temor que cega e não deixa vislumbrar outros e mais vastos horizontes. É um temor que faz com nem sequer se consiga ver o quanto nos últimos tempos temos evoluído enquanto nação.

Vejamos um exemplo.

Segundo todos os estudos internacionais, Portugal é o sexto país mais seguro do mundo, apenas atrás da Islândia, Nova Zelândia, Irlanda, Dinamarca e Áustria. Este facto é algo de absolutamente notável e que noutros lugares seria amplamente celebrado. Contudo, basta ver certos noticiários para se perceber que é exatamente o oposto que sucede. O que nos interessam os estudos internacionais, quando ainda a semana passada o Zé das Couves roubou o colar de estimação da coitada da Dona Hortência?

Para aquele que não quer ver, sejam quais forem as evidências, é tudo uma pouca-vergonha e uma gatunagem que para aí anda, essa é que essa e a ele ninguém o convence do contrário.

Um outro exemplo é a segurança rodoviária. Há duas décadas éramos um dos países europeus com as piores taxas de sinistralidade, atualmente somos dos melhores. Contudo, se formos avaliar o estado da nossa segurança rodoviária através da comunicação social ou de conversas de café, dificilmente perceberíamos o quanto evoluímos.

O derradeiro exemplo é a escola pública. Mais uma vez, todos os estudos internacionais são unânimes em assinalar os enormes progressos que se registaram na escola pública portuguesa. Os elogios concentram-se fundamentalmente na quantidade e qualidade dos planos de inovação pedagógica e nas novas metodologias que a escola pública tem acolhido. Contudo, é precisamente a isso que certos sectores da sociedade portuguesa insistem em chamar “o facilitismo”, argumentando que os alunos ficam mal preparados e coisas do género. Que lhes interessam esses os estudos? Estão agarrados às suas eternas certezas e daí ninguém os tira.

Deixamos-vos um artigo do El País, “La buena escuela portuguesa, Portugal es el único país europeo que mejora continuamente su nivel educativo desde el año 2000”:


https://elpais.com/internacional/2016/12/08/actualidad/1481200752_446018.html

Como conseguiu Portugal ser independente? Como conseguirá a escola ser autónoma? A resposta é a mesma para ambas as questões, não se deixando estagnar nem se resignar. Não se perdendo em queixumes e lamúrias, mas sim fazendo-se ao mar e arriscando reinventar-se. Haverá um ou outro naufrágio, certamente que sim, mas é preferível isso a ficarmos definitivamente atrasados, a ver navios.

Não tenhamos medo, a alma portuguesa é feita de maresia.

Para terminarmos, uma sugestão cultural. 

Se alguém quiser compreender que mar era esse, Thalassa, o dos antigos gregos, e também este nosso mar, o Atlântico, basta para tal dirigir-se ao Panteão Nacional e visitar a exposição “Thalassa! Thalassa!" O mar e o Mediterrâneo na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen”. Aqui fica o link: 

https://www.culturgest.pt/pt/programacao/thalassa-thalassa/

 

 


 


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