Avançar para o conteúdo principal

O excesso de professores atrapalha o país

 


“O excesso de professores atrapalha o país”, foi com esta declaração, que Bolsonaro se dirigiu aos seus apoiantes no Palácio da Alvorada, em Brasília, em setembro de 2021. Custa a compreender, como é que um país onde em muitos locais nem escola há, cuja taxa de analfabetismo é enorme e o abandono escolar precoce recorrente, poderá ter excesso de professores, todavia, a lógica não é certamente o forte de quem proferiu tais declarações.

A construção de Brasília na década 50 do século XX, respondia a um anseio por um país melhor, mais justo e desenvolvido. A nova capital seria a Imagem desse pais. As linhas modernas dos seus edifícios e avenidas correspondiam à concretização dessa utopia. Mas, ao contrário do que sucedeu noutros pontos do globo, nomeadamente nos antigos países do bloco de leste, o futuro utópico que ali se estava a desenhar não pretendia ser rígido e altamente planificado, teria uma outra leveza.

 

Provavelmente por tal razão, foi Oscar Niemeyer, o arquiteto escolhido para desenhar Brasília. A sua arquitetura não privilegia nem os ângulos, nem as linhas retas eficientes e funcionais, mas sim as linhas curvas: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo - o Universo curvo de Einstein”.

 

É por isso muito perturbador ver Brasília e os edifícios de Niemeyer invadidos por uma gente inflexível, que só aceita a sua “verdade” e a de mais ninguém. Uma gente dura, com uma absoluta falta de respeito por uma das grandes criações do espírito humano: a democracia representativa. Mas uma gente também bárbara, ou seja, com uma total falta de sensibilidade para as coisas belas.

 

Di Cavalcanti (1897-1976) foi um dos maiores artistas modernos do Brasil. Há obras suas em todos os grandes museu do mundo, muito naturalmente, uma obra sua estava exposta no Palácio do Planalto em Brasília. Sabe-se lá cedendo a que impulso destruidor, foram vários os invasores que não resistiram a danificá-la. A sua pintura foi golpeada com cinco facadas, conforme o assinalado na imagem abaixo.




Poder-se-ia pensar que os bárbaros odiavam a arte moderna, mas que teriam algum respeito pela história mais longínqua, mas nem isso. Um relógio que pertenceu a Dom João VI, o príncipe regente que trouxe a família real portuguesa para o Brasil em 1808, pai de Dom Pedro I, que proclamou a independência do Brasil e avô de Dom Pedro II, foi destruído.



Não é de agora o ódio dos bárbaros à educação e à cultura, é algo que continuamente reaparece ao longo da história. Exemplos não faltam, mas um dos mais conhecidos aconteceu em Berlim e noutras cidades alemãs, em 10 de maio de 1933. Foi nessa data que os nazis organizaram a célebre queima dos livros. Autores tão importantes como Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud e Erich Maria Remarque, foram algumas das proeminências literárias alemãs perseguidas nessa época.


Mas quem ontem invadiu os edifícios de Brasília, não destruíu apenas obras de arte e conspurcou a arquitetura de Oscar Niemeyer, sujou também um outro símbolo do Brasil, a camisola verde canarinho da sua seleção de futebol. Essa camisola que foi envergada por alguns dos mais virtuosos e delicados artistas do pontapé na bola, foi ontem usada por gente que de virtuoso e delicado nada tem.

 

Um dos grandes romances contemporâneos da língua portuguesa, foi escrito pelo brasileiro Sérgio Rodrigues e intitula-se “O Drible”. Nele narra-se a história de Neto, um homem desencantado, obcecado pelos anos 70 e pela cultura pop. Neto é filho de Murilo, famoso cronista desportivo, que tenta reaproximar-se do filho quando percebe que está às portas da morte. Todas as semanas, Neto vai ao encontro do pai, que tenta preencher o abismo que os separa com as histórias dos míticos jogadores do passado. O desfiar de histórias sobre essa época do futebol, não impede que Neto entreveja um terrível segredo de família.

O momento mais simbólico do romance, é quando reveem um lance de um jogo do Mundial do México em 1970. Nesse lance Pelé fez tudo bem feito e restava-lhe concluir a jogada marcando um golo fácil, todavia, decide adornar o lance com mais um drible, transformando o que era fácil em algo difícil. Falhou o golo: “Pelé desafiou Deus e perdeu. Imagine se não perdesse. Se não perdesse, nunca mais que a humanidade dormia tranquila. Pelé desafiou Deus e perdeu, mas que desafio soberbo. Esse gol que ele não fez não é só o maior momento da história do Pelé, é também o maior momento da história do futebol”.


O que é o populismo? Em linhas gerais, significa propor soluções fáceis para resolver questões de alta complexidade. Aos populistas pouco lhes importa considerações, complicações, nuances e perspetivas, para eles tudo é fácil e nada há que não se resolvesse rapidamente.

 

A lição que todos os populistas deviam aprender é a de que as coisas fáceis são para as pessoas fáceis, talvez vendo esse mítico lance de Pelé no Mundial de 1970 o possam perceber.

 


"Esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal"  

Guião de aprendizagem "Um Imenso Portugal"

https://drive.google.com/file/d/1fvAHAUdBGkHctsojFOJRT9YDmTTYJxbd/view?usp=sharing







Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...