Na Assembleia da República os deputados acusam o governo de ter causado o desnorte e o “abandalhamento” no ensino público. O governo devolve as acusações.
Nos jornais e televisões, os comentadores comentam, havendo também inúmeros debates onde cada um expressa uma opinião diferente da do outro.
Os sindicatos concorrem entre si convocando simultaneamente diversos tipos de greve, umas por distrito, outras ao primeiro tempo letivo e ainda outras por tempo indeterminado. Há reuniões de negociação, após as quais, uns dizem que houve importantes avanços e outros dizem que pouco ou nada se avançou.
Neste entretanto, os professores manifestam-se e aguardam uma resolução para a sua situação.
Por fim, há encarregados de educação que afirmam estar solidários com a luta dos docentes, enquanto outros correm a matricular os seus filhos no ensino privado.
Em síntese, isto é cada um para seu lado, estamos num impasse e a desorientação parece ser geral.
Quem visitar o Museu
de Arte Antiga em Lisboa, terá certamente oportunidade de contemplar a mais
célebre obra de arte ai exposta, “As Tentações de Santo Antão” de Hieronymus
Bosch.
O tríptico de
Bosch é uma das mais enigmáticas obras da História da Arte. Há peixes que voam,
gente com cabeça de porco, figuras demoníacas, monstros, seres híbridos e uma
enorme confusão geral, em que ninguém se entende. Estamos perante uma obra que,
de um modo alegórico, retrata a tumultuosa época em que Bosch viveu, na qual o
mundo andava ao contrário. Ou, como também popularmente se diz, o mundo estava
de pernas para o ar.
Nas situações de
impasse, sejam atuais, sejam de há séculos, ninguém sabe verdadeiramente por
onde vai, instalam-se os conflitos, e a desorientação parece ser geral, o que
tanto sucede a nível coletivo, como a nível individual.
Em 1967, o então
juveníssimo Dustin Hoffman protagonizou um filme intitulado “The Graduate”, o
que traduzido para português daria algo como o licenciado ou o diplomado. O
título oficial do filme em Portugal é “A Primeira Noite”. Não tem absolutamente
nada a ver com o título original, mas pronto, a primeira noite é uma coisa
bonita e, mesmo que não o seja, o que importa é que se deem bem e haja saúde.
Só por
curiosidade, no Brasil, o título oficial do filme é “A Primeira Noite de um
Homem”. Quem quiser, que tire as suas conclusões acerca das diferenças
culturais entre Portugal e o Brasil a partir de como foi traduzido “The
Graduate” em cada um dos lados do Atlântico, nós limitamo-nos a dizer o
seguinte: por este mero exemplo se vê, a falta que nos fazia um acordo
ortográfico.
O filme fala-nos
de um impasse e da desorientação que daí resulta. Dustin Hoffman interpreta um
recém licenciado, Ben, que regressa a casa dos pais na Califórnia, para passar o verão enquanto decide o que há de fazer do seu futuro. Ben só quer passar um
verão tranquilo. Porém, não falta quem constantemente lhe dê conselhos para
seguir este ou aquele rumo. Entre
estes, um dos seus vizinhos, Mr. McGuire:
Mr. McGuire: I want to say one word
to you. Just one word.
Ben: Yes, sir.
Mr. McGuire: Are you listening?
Ben: Yes, I am.
Mr. McGuire: Plastics.
Benjamin: Exactly how do you mean?
Mr. McGuire: There’s a great future
in plastics. Think about it. Will you think about it?
Ben está
hesitante quanto ao seu futuro, contudo, é o seu presente que acaba por se
complicar. Quando não há decisões relativamente ao futuro, é o presente que
acaba por se complicar. É sempre assim. Quer aqui, quer na Califórnia. É ou não
é?
Ben envolve-se
com a vizinha do lado. Uma senhora casada, com o vizinho, claro está, com idade para ser sua mãe e que o conhece desde menino e moço. A senhora chama-se
Mrs. Robinson. Como seria expectável, Ben fica desorientado com a Mrs. Robinson,
o que, apesar das diferenças culturais, cremos ser perfeitamente compreensível,
seja em Portugal, seja no Brasil.
Ben estava tão atarantado com os audazes avanços de Mrs.
Robinson, que nem sabia bem se eram efetivamente avanços, ou se era só a
vizinha do lado a ser simpática:
Ben: Mrs. Robinson, you're
trying to seduce me...
[Mrs.
Robinson laughs seductively]
Ben: ...aren't you?
Quando assistimos ao filme, nós, os espectadores, percebemos
perfeitamente que Mrs. Robinson estava a seduzir Ben. Percebemos também que,
ao contrário do que sucede com a classe docente nacional, com essa sedução Mrs
Robinson não quer recuperar apenas 6 anos, 6 meses e
23 dias, quer muito mais do que isso. Quer recuperar o tempo da sua
juventude.
Tal como Ben, também Mrs. Robinson vive num impasse. Não tem
propriamente uma carreira, o marido é um triste, a filha foi para longe estudar
e o que de melhor pode espera da vida, são as “Cocktail-Parties” com amigos e
conhecidos junto à piscina.
É precisamente numa dessas festas, que decorre a cena de que
anteriormente vos falámos, aquela em que Mr. McGuire diz a Ben que o plástico é
o futuro:
Compreende-se portanto que Mrs. Robison ansiasse por algo mais divertido e excitante do que “long drinks by the swimming pool”. Se houvesse marchas e manifestações, talvez Mrs Robinson fosse para a rua de cabelos soltos ao vento protestar. Todavia, na Califórnia, não havia. Havia o Ben, que também servia.
"Mrs Robinson" é também o título de uma célebre canção de Simon
and Garfunkel. Não é uma coincidência, a canção foi escrita para fazer parte da
banda sonora de “The Graduate”.
A determinada altura, a letra da canção diz assim: “Where
have you gone, Joe DiMaggio? Our nation turns its lonely eyes to you”.
Joe DiMaggio foi um dos maiores jogadores de basebol de
sempre, foi casado com Marilyn Monroe e era uma referência para todos os americanos. Foi um desses poucos homens a quem se aplica o qualificativo “A
Great American Hero”.
À época do filme “The Graduate”, na década de 60, não eram apenas Mrs Robinson e Ben que andavam desorientados, toda a nação americana estava confusa e sem saber por que caminho seguir, por isso olhava para trás com “lonely eyes”, para os tempos em que a estrada era reta, havia valores seguros e heróis como Joe DiMaggio.
Deixamos-vos a canção:
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