Filipe I de
Portugal, ao avistar Lisboa da sua imensa nau, se não o disse, poderia tê-lo dito: “Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa”. Ao pela primeira vez ver Lisboa
imergir do mar, imediatamente Filipe I imaginou fazer dessa cidade à beira
Tejo, a capital do seu imenso império.
Um império que,
para além dos dois reinos da Península Ibérica e de todas as suas possessões nas
Américas, em África e na Ásia, incluía também a Sicília, a Sardenha, Nápoles e
Milão. Filipe I era igualmente senhor de dezassete províncias do que então se
chamava os Países Baixos, ou seja, da Holanda, da Bélgica e do Luxemburgo.
Filipe I era ainda Rei Consorte de Inglaterra e da Irlanda.
Como nenhum
outro, Filipe I teve uma recepção apoteótica ao chegar a Lisboa. A população
aclamou-o, tendo para ele preparadas grandiosas festividades. À sua chegada,
eram milhares as embarcações engalanadas que o aguardavam.
Abaixo uma
pintura da época que retrata o triunfal momento. Terá sido uma das maiores
celebrações do género na Europa. A obra intitula-se “JOYEUSE ENTRÉE”.
Tudo teria sido
diferente, se Filipe I tem concretizado o que pretendia. Mas, como em muitas
outras circunstâncias da vida, há alianças que fracassam, há desejos
frustrados. A união ibérica é um desses casos em que os astros não se alinharam
e tudo falhou.
Em declarações recentes, o grande escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte, diz-nos que Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) cometeu o seu maior erro ao não ter instalado a capital do império na antiga e senhorial Lisboa. Ao invés de se dedicar a cantar fados e a olhar para o Atlântico, acabou por se entrincheirar no centro da península, no seu mosteiro-residência, El Escorial.
Também deste
lado da raia, há quem considere que foi um incomensurável erro histórico, que
Filipe I não tenha levado a sua ideia avante. Durante o seu reinado, era a
altura certa para o fazer. Depois disso, já era tarde, demasiado tarde.
Se Filipe I o tem feito, hoje Portugal não seria um país periférico, Lisboa seria uma cidade importante a uma escala global e a Península Ibérica seria um todo federado. Um todo que acomodaria tranquilamente em si as diversas identidades e nacionalidades dos seus distintos povos, desde Portugal ao País Basco, passando pela Catalunha, a Andaluzia e a Galiza.
Que lindo e poderoso país esse teria sido. Melhor ainda do que a Alemanha, que conseguiu unir, através de uma federação, povos tão diferentes e com uma forma de estar tão própria como as gentes da rígida Prússia, as da divertida Baviera e as da gentil Renânia.
Assim poderia ser hoje a nação ibérica: um estado federado que, entre outros povos, uniria os melancólicos portugueses com os esfuziantes andaluzes e os austeros bascos. Mas assim não foi, e a história não se pode mudar. Pode-se alterar o seu rumo, o seu futuro, mas o que está feito, feito está.
A única coisa
que lamentaríamos, caso tal tivesse sucedido, é que Madrid, tal como atualmente
a conhecemos, nunca teria existido. Disso sim. Disso teríamos pena.
No tempo de
Filipe I, Madrid mais não era que uma aldeia e assim teria ficado. Foi só a
partir do instante em que, por decreto, se tornou capital de um império, que
cresceu e se desenvolveu como poucas outras cidades.
Hoje em dia,
Madrid é uma cidade vibrante, excitante e culta. Possui uma energia que pouco
fica a dever à das grandes urbes mundiais, como por exemplo, Londres, Paris,
Tóquio ou Nova Iorque.
Lisboa é uma bonita cidade, o Porto não lhe fica muito atrás, no Algarve apanha-se sol e no Alentejo e Minho come-se bem e as gentes são simpáticas, mas, dito isto, é uma sorte para nós portugueses, que Madrid fique já aqui à mão de semear.
Quem quer que seja, que queira viver a vida de uma cidade cosmopolita, está a menos de uma hora de avião, ou a umas poucas horas de automóvel, de o poder fazer.
E que fazer em
Madrid? Para quem nunca lá foi, nada melhor do que começar por visitar o Museo
del Prado. Claro que aí se poderiam passar dias a visitar as suas inúmeras
salas, todavia, centremo-nos no essencial. E o essencial é ver “Las Meninas”
de Velázquez. Não há outra pintura em toda a história da arte que nos ensine
tanto a olhar.
Olhamos e vemos à esquerda da pintura Velázquez com um
pincel na mão. Trata-se de um autorretrato. Mas se olharmos com um pouco mais
de atenção, talvez cheguemos à conclusão que é afinal ele, Velázquez, quem olha
para nós. Será que nos retrata? Quem somos, espectadores ou retratados?
Olhamos e vemos ao centro a Infanta Margarida, filha de
Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal) acompanhada pelas suas aias. Será
que é ela quem o pintor pinta na tela, tela essa da qual só vemos o reverso?
Será que se trata do retrato de corte?
Olhamos e vemos, lá ao fundo, ao centro, mesmo por cima da
Infanta, um espelho. Espelho no qual observamos o reflexo de Filipe IV. Pelo
reflexo, percebemos que Filipe IV só pode estar na mesma exata posição de quem
observa o quadro. Estará Filipe IV à nossa beira? Ocuparemos nós o lugar que
outrora ocupou o Imperador? Quem é quem neste jogo pictórico?
E depois, à direita, numa porta, há quem espreite para a cena,
tal e qual como nós o fazemos!
Há ainda pinturas dentro da pintura, assim como há a Infanta e as suas aias que são simultaneamente observadas e observam quem as observa, ou seja, observam-nos, nós, aos visitantes do museu que as observamos.
Em síntese, vale pena ir ao Museo del Prado e deter-se
diante de “Las Meninas” para se ver e se ser visto, para se observar e se ser
observado. É uma experiência imersiva muito superior a muitas que por aí andam.
A sua superioridade consiste em fazer-nos refletir, em pensarmos qual é o
nosso lugar, o mesmo é dizer, em quem somos.
A outra paragem essencial, para quem pela primeira chega a
Madrid, é o Museo Centro de Arte Reina Sofia, e muito concretamente, a sala
onde se encontra a mais célebre das obras de Picasso: “Guernica”.
Guernica é o nome de uma pequena cidade basca, que durante a Guerra Civil de Espanha, em 26 de abril de 1937, foi completamente arrasada pelos bombardeamentos da força aérea nazi, mais concretamente, pela Legião Condor.
Os muitos estudos sociológicos realizados ao longo de décadas, demonstram-nos cientificamente que os habitualmente pacatos e filosóficos alemães, durante o período nazi, foram assolados por uma espécie de transtorno mental coletivo. Contudo, essa situação delirante na qual se encontravam, em nada pode desculpar as atrocidades que entretanto cometeram. Entre essas, encontra-se o bombardeamento aéreo de Guernica. Picasso pintou “Guernica” para que o imperdoável nunca fosse perdoado.
Por agora terminamos, mas pelos próximos dias, havemos de voltar a falar-vos de Madrid, claro que sí.
Guião de aprendizagem " Las Meninas e los Meninos"
https://drive.google.com/file/d/1YRddedFbe33deAj9Winx56YVG00JO3m6/view?usp=sharing
Nota: A imagem de capa é da pintora Amalia Avia e retrata as escadarias de uma estação do metro de Madrid.
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