O que é uma
fotografia? Pode ser muitas coisas, mas uma das coisas que é de certeza
absoluta, é ser a imagem de um momento congelado no tempo. Não é a mesma coisa
que uma memória. As memórias evoluem, mudam, transformam-se, as fotografias
não.
Há vários tipos
de fotografias, as familiares, as publicitárias, as jornalísticas, as
documentais e as artísticas, mas seja qual for caso, as fotografias congelam
sempre um momento no tempo.
Quando olhamos
para uma fotografia antiga de nós mesmos, experimentamos uma estranha sensação
de ambivalência. Vemos que ainda somos, e vemos também que já não somos,
aquele/a que na imagem se encontra retratado/a. Quem é quem quando nos olhamos
numa antiga fotografia?
Em boa verdade,
é precisamente essa estranha sensação de ambivalência, que é a “matéria-prima”
da fotografia. Pode haver quem pense que a fotografia é uma representação
factual da realidade. E de facto é. Mas a sua verdadeira essência, o que a
distingue de tudo o resto, é, paradoxalmente, o que ela contém de
irrepresentável, de não-factual, ou seja, uma estranha sensação de ambivalência
que só conseguimos pressentir e jamais ver.
Numa fotografia,
a realidade representável e o que é absolutamente irrepresentável, olham-se
perguntam-se: quem é quem?
Olhemos para uma
antiga fotografia nossa. Estamos num já distante verão, numa praia, éramos
jovens ou até crianças. Somos quem está retratado nessa fotografia? A resposta
só pode ser ambivalente. Claro que sim. Claro que não.
Olhemos para uma
fotografia da atriz italiana Claudia Cardinale nessas mesmas circunstâncias.
Num verão. Numa praia. Jovem.
Há um imenso
abismo entre o que os contemporâneos desta fotografia nela viam, e o que nós,
os de agora, nela vemos. Os do tempo passado, viam nessa fotografia uma nova
mulher, uma promessa. Alguém a quem ainda tudo estava por acontecer. Nós, os
presentes, vemos nesta fotografia exatamente o oposto, pois sabemos que Claudia
Cardinale é uma mulher que cumpriu o seu destino.
É impossível não
se sentir uma estranha ambivalência perante esta imagem de Claudia Cardinale.
Percebemos que para os seus contemporâneos, era uma imagem que representava a
fogosidade do desejo. Percebemos também que para nós, os atuais, é uma imagem
que representa a nostalgia de um desejo já cumprido. Restos de um fogo já extinto,
cinzas.
A fogosidade de
um desejo. Memórias de um desejo já extinto. A mesma e exata fotografia que
antes retratou um fogo aceso, retrata agora as suas cinzas. Haverá porventura
coisa mais estranha e ambivalente, que uma e a mesmo imagem nos dê a
experimentar sensações tão distintas?
É precisamente
isso o que a fotografia, qualquer fotografia, faz.
Contudo, essa
estranha sensação de ambivalência que a fotografia nos transmite, não se esgota
na constatação que o tempo passa. Há mais.
Observemos por
exemplo a fotografia abaixo de Diane Arbus (1923-1971). Retrata uma qualquer
festa, talvez um carnaval ou um Halloween. Em princípio, nada de estranho há
nela, há festas semelhantes por todo o lado, todavia, basta determos um pouco o
olhar para vermos que tudo nela é ambivalente e estranho. Não sabemos
exatamente o quê, mas pressentimos sem margem para dúvidas que assim é.
Essa estranha
sensação nada tem a ver com a passagem do tempo, é a própria realidade factual,
que quando passada à fotografia, nisso se transforma. Há na fotografia algo que
consegue transformar a mais banal das realidades, numa coisa estranha e
ambivalente.
Quem é quem?
A fotógrafa
norte-americana Wendy Ewald (1951-…) passou uma vida inteira a “ensinar” crianças
a fotografar. Explicava-lhes os procedimentos técnicos básicos, dava-lhes uma
máquina para as mãos e dizia-lhes para retratarem a sua vida, os seus sonhos e
os seus medos.
Os resultados
foram extraordinários, tão estranhos e ambivalentes como qualquer outra
fotografia para a qual se olhe com atenção.
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