Assinalou-se esta semana o Dia Mundial da Poesia. De norte a sul e a este, há inúmeros acontecimentos poéticos por todo o país. E a oeste também, claro está. Grande parte deles prolongam-se até ao próximo fim de semana.
É o que sucede em
Lisboa, com a Feira do Livro da Poesia. A feira está instalada no Jardim da
Parada em Campo de Ourique, não muito longe da casa onde outrora habitou o
Fernando Pessoa e todos os seus heterónimos. Era uma casa pequena e acanhada, mas cabiam lá todos.
Também em Campo de Ourique, situa-se o antigo Cinema Europa. Também aí há, durante a presente semana, acontecimentos poéticos que estão integrados na Feira do Livro da Poesia.
O Cinema Europa foi inaugurado em 1930 e funcionou até 1981. A partir da década de 80, funcionou como estúdio de televisão. Atualmente é um espaço cultural dividido em três secções, uma biblioteca, uma ludo-biblioteca para crianças e jovens até aos 16 anos e uma sala polivalente. Aposta também na projeção de filmes de animação e no teatro infantil.
Na fachada do antigo
Cinema Europa, há uma escultura em alto-relevo do escultor Euclides Vaz. A
escultura retrato um episódio mitológico celebrado pelos poetas desde a
antiguidade clássica até à atualidade: O Rapto de Europa.
Posto isto, nós por aqui, vamos assinalar a Dia Mundial da Poesia, com uma intersecção entre cinema e poesia. No nosso entender, não há filmes mais poéticos, do que os filmes de cowboys.
Claro que não
falamos dos filmes de cowboys atuais, nada disso, valha-nos Deus. Falamos dos
grandes westerns clássicos como “Rio Bravo (1959)” ou “A Paixão dos Fortes
(1946)”. É dessa poesia que falamos.
A poesia de “Rio Bravo”, onde havia homens sem medo e sem sono. Homens viris que pela noite fora bebiam, fumavam e cantavam. Era assim, sem pieguices, que celebravam a sua amizade e aguardavam pela madrugada: o momento de pegar em armas e matar ou morrer. Eram tempos em que “A man’s gotta to do, what a man’s gotta to do”.
A poesia de “A
Paixão dos Fortes”, quando na cena final, Henry Fonda se despede da sua amada,
uma professora, Clementine. Faz-se ao caminho como o “Lonely cowboy” que é e
sempre será. Quando parte, ouvem-se os últimos acordes de “My Darling
Clementine”.
Mas falamos também da poesia de westerns mais tardios. Aqueles que foram filmados já em finais da década de 60 em Itália, nos estúdios de Roma, na Cinecittà. Westerns que ficaram conhecidos como “Westerns-Spaghetti”.
Entre estes, o
melhor deles, “O Bom, o Mau e o Vilão”, três heterónimos para o que é ser um
cowboy. No papel principal, Clint Eastwood. A banda sonora é do grande Ennio
Moriconne.
Terminamos com uma síntese de tudo isto, ou seja, uma intersecção entre poesia e cowboys.
Deixamo-vos um poema de Bernardo Pinto de Almeida intitulado “Clint Eastwood”:
Já não há westerns meu amor,
as vacas morreram de tédio pelos prados
Tombstone prosperou, tem hoje um shopping centre,
e os índios morreram todos nas reservas.
A cavalaria também já voltou para casa,
e só ficou de pé o sonho do império.
Os cowboys adormeceram encostados à sombra
de uma árvore de carne que entretanto secou,
o sol deixou para sempre de lhes bater nos olhos.
Os mexicanos do outro lado da fronteira
bebem tequillas sem fim nas tardes lentas,
gozam o desemprego enquanto o deserto alastra.
No cemitério, na velha sepultura de Gerónimo,
um abutre empalhado com olhos de diamante
sinaliza um resto que ainda ficou do medo
e do saloon as portas rangem sobre os gonzos
uma gargalhada ácida de bruxa.
O xerife trocou a estrela por dois dólares
a filha do rancheiro abriu um bar de karaoke
as dançarinas alistaram-se na força aérea
e o jogador montou um casino em Reno, Nevada.
Que vens então tu procurar, Clint Eastwood
com as pistolas perras, o cano enferrujado,
essa face de faca, os olhos cheios de ódio,
oblíquo olhar furtivo de miúdo mal-amado?
Já não há westerns. E na vasta pradaria o vento
do progresso tresanda a gadgets e pipocas.
Muito Interessante, parabéns!
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