Aqui há uns
dias, assistimos a um episódio que se inicia com uma mãe e a sua filha a
entrarem numa papelaria. A mãe andaria pelos trinta, a filha teria sete ou oito
anos. A filha vê no escaparate um livro do capuchinho vermelho e pede à mãe
para o comprar. A mãe acede prontamente ao pedido da filha. A verba a despender
é mínima e, a avaliar pelo aspeto, nem mãe nem filha aparentam pertencer a uma
família com a menor dificuldade financeira.
Subitamente, já com o dinheiro na mão, a mãe hesita. Durante uns segundos parece meditar e acaba por recuar na sua decisão. Recusa-se a comprar o livro. No rosto da filha há desilusão. Entre os clientes da papelaria, há quem abane a cabeça em sinal de desaprovação. A mãe justifica-se perante os presentes e diz: "Lembrei-me da história, é demasiado violenta."
Lemos alguma imprensa internacional e percebemos que há um profundo mal-estar emocional em muitas escolas de vários países europeus. Os sintomas desse mal-estar emocional, já existiam antes da pandemia, contudo, neste período pós-pandemia em que ainda vivemos, constata-se que esses sintomas se agravaram consideravelmente.
No que diz respeito aos alunos, sobretudo aos adolescentes, esse mal-estar emocional manifesta-se pelo grande aumento de casos de bullying, de lesões auto-infligidas e até de suicídios.
Na vizinha
Espanha, para não irmos mais longe, este tema tornou-se de tal modo presente,
que é recorrentemente notícia de abertura dos noticiários televisivos e faz
cabeçalhos nos principais jornais nacionais.
É certo que nas
escolas, fundamentalmente entre os adolescentes, sempre houve fenómenos de
mal-estar emocional, contudo, há algo que hoje em dia é diferente do que era
no passado.
Atualmente, os efeitos desse mal-estar são mais intensos e perniciosos do que antes, uma vez que se prolongam muito para lá do espaço escolar. As redes sociais fazem com que esse mal-estar seja omnipresente, que não tenha horário. As vítimas dessas situações sentem-se continuamente acossadas, a qualquer hora do dia ou da noite.
Se por um lado é positivo que nos dias de hoje, a sociedade dedique uma muito maior atenção a este tipo de problemas, por outro lado, verifica-se que presentemente há uma muito maior vulnerabilidade por parte dos adolescentes (e não só) perante este tipo de acontecimentos.
Acresce a isto, que muitos dos agressores, são eles próprios acossados um mal-estar emocional. Sendo que a única forma que encontram para lidar com o seu próprio mal-estar, é através da agressividade que exercem sobre os outros.
Outros que são
percepcionados como sendo mais débeis ou de algum modo diferentes. A
“diferença” ou “debilidade” percepcionada, tanto pode ser por se usar óculos,
pela cor do cabelo, pela estatura, pelo peso ou por qualquer outro motivo, para
o caso, pouco importa.
Ao contrário do
que muitos pensam, a solução para este tipo de problemas não se encontra
tão-somente na aplicação de sanções disciplinares. Eventualmente, as sanções
poderão ser necessárias em contextos específicos, todavia, a verdadeira solução
consiste em identificar as causas desse mal-estar emocional que, ainda que de
diferente forma e com consequências distintas, afeta gravemente quer
agressores, quer agredidos.
Como é evidente, vai sempre haver alguém a chamar a um outro alguém "caixa-de-óculo", "gordo", "trinca-espinhas" ou coisas piores. Se porventura não suceder na escola, sucederá na rua, num ginásio, numa festa ou numa rede social. Quem assim agride, fá-lo para se sentir forte, para sentir que é mais e melhor do que aquele a quem agride.
Que alguém
necessite de se afirmar pela agressividade, é já de si um claro sintoma de um
mal-estar emocional. A agressividade é um comportamento hostil que busca apenas
a autoafirmação e/ou a autoproteção de quem a pratica.
Há terapeutas, psicólogos e psiquiatras que saberão como atuar diante de tais situações, o que dizer e o que fazer. Nós não temos tais competências. A única coisa que cremos saber, é que as crianças e adolescentes devem ter consciência que as emoções negativas existem, ou seja, que há por aí lobos maus e alguns deles estão dentro de nós.
Com isto não
estamos a querer dizer que as crianças e adolescentes devem sofrer emoções
negativas, nada disso, estamos simplesmente a dizer que devem ter consciência,
tão cedo quanto possível, que essas emoções existem. Que existem em nós e que
existem nos outros.
Há uma forma de tomar consciência das emoções negativas, sem que tenhamos de as sofrer na pele. Essa forma chama-se arte. O mesmo é dizer, música, pintura, escultura, literatura, dança, cinema ou poesia.
Podemos tomar
consciência dessas emoções negativas ao lermos histórias simples, como por
exemplo, o capuchinho vermelho, mas também ao observarmos obras mais complexas,
como “As Tentações de Santo Antão” de Hieronymus Bosch.
No que
verdadeiramente cremos, é que ao tomarmos contacto com o capuchinho vermelho ou
com as tentações de Santo Antão, aprendemos a lidar com emoções negativos.
Aprendemos que, ao longo da nossa vida, vai haver lobos maus, monstros e
tentações que se vão cruzar no nosso caminho.
Aprendemos que
vai haver quem nos queira fazer mal, e aprendemos que por vezes sentimos a
tentação de fazer mal a alguém. Mas, aprendemos também a lidar com isso, a não
ceder ao mal que nos tenta e a resistir ao mal que nos fazem.
É o que fazemos na disciplina Perfil XXI. Deixamos-vos uma proposta.
https://drive.google.com/file/d/1i_EE26dOA_vN2_CBt61XDzEscXGAu_b6/view?usp=sharing
Tríptico "Inferno e Paraíso"
https://drive.google.com/file/d/1s-0WAHwFeSxd9ryUlvntVQ1MTgLkI2fD/view?usp=sharing
A propósito de tudo isto, sabe-se lá porquê, veio-nos à memória Amy Winehouse. Morreu jovem, foi-se matando. Era um talento imenso, mas estava completamente impreparada para lidar com as suas próprias emoções e tentações e com as dos outros. Perdeu-se.
Aqui vos deixamos uma das suas mais belas canções, “Love is a losing game”:
Comentários
Enviar um comentário