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A vida é um jogo. Os dados estão lançados...



Aqui há uns dias, assistimos a um episódio que se inicia com uma mãe e a sua filha a entrarem numa papelaria. A mãe andaria pelos trinta, a filha teria sete ou oito anos. A filha vê no escaparate um livro do capuchinho vermelho e pede à mãe para o comprar. A mãe acede prontamente ao pedido da filha. A verba a despender é mínima e, a avaliar pelo aspeto, nem mãe nem filha aparentam pertencer a uma família com a menor dificuldade financeira.

Subitamente, já com o dinheiro na mão, a mãe hesita. Durante uns segundos parece meditar e acaba por recuar na sua decisão. Recusa-se a comprar o livro. No rosto da filha há desilusão. Entre os clientes da papelaria, há quem abane a cabeça em sinal de desaprovação. A mãe justifica-se perante os presentes e diz: "Lembrei-me da história, é demasiado violenta."

 

Lemos alguma imprensa internacional e percebemos que há um profundo mal-estar emocional em muitas escolas de vários países europeus. Os sintomas desse mal-estar emocional, já existiam antes da pandemia, contudo, neste período pós-pandemia em que ainda vivemos, constata-se que esses sintomas se agravaram consideravelmente.


No que diz respeito aos alunos, sobretudo aos adolescentes, esse mal-estar emocional manifesta-se pelo grande aumento de casos de bullying, de lesões auto-infligidas e até de suicídios.

Na vizinha Espanha, para não irmos mais longe, este tema tornou-se de tal modo presente, que é recorrentemente notícia de abertura dos noticiários televisivos e faz cabeçalhos nos principais jornais nacionais.

 

https://www.ondacero.es/noticias/sociedad/suicidio-principal-causa-muerte-espana-15-29-anos_2023022863fe11d0b38560000164db2d.html

 

É certo que nas escolas, fundamentalmente entre os adolescentes, sempre houve fenómenos de mal-estar emocional, contudo, há algo que hoje em dia é diferente do que era no passado.

Atualmente, os efeitos desse mal-estar são mais intensos e perniciosos do que antes, uma vez que se prolongam muito para lá do espaço escolar. As redes sociais fazem com que esse mal-estar seja omnipresente, que não tenha horário. As vítimas dessas situações sentem-se continuamente acossadas, a qualquer hora do dia ou da noite.

Se por um lado é positivo que nos dias de hoje, a sociedade dedique uma muito maior atenção a este tipo de problemas, por outro lado, verifica-se que presentemente há uma muito maior vulnerabilidade por parte dos adolescentes (e não só) perante este tipo de acontecimentos.

Acresce a isto, que muitos dos agressores, são eles próprios acossados um mal-estar emocional. Sendo que a única forma que encontram para lidar com o seu próprio mal-estar, é através da agressividade que exercem sobre os outros.

Outros que são percepcionados como sendo mais débeis ou de algum modo diferentes. A “diferença” ou “debilidade” percepcionada, tanto pode ser por se usar óculos, pela cor do cabelo, pela estatura, pelo peso ou por qualquer outro motivo, para o caso, pouco importa.

 

Ao contrário do que muitos pensam, a solução para este tipo de problemas não se encontra tão-somente na aplicação de sanções disciplinares. Eventualmente, as sanções poderão ser necessárias em contextos específicos, todavia, a verdadeira solução consiste em identificar as causas desse mal-estar emocional que, ainda que de diferente forma e com consequências distintas, afeta gravemente quer agressores, quer agredidos.

 

Como é evidente, vai sempre haver alguém a chamar a um outro alguém "caixa-de-óculo", "gordo", "trinca-espinhas" ou coisas piores. Se porventura não suceder na escola, sucederá na rua, num ginásio, numa festa ou numa rede social. Quem assim agride, fá-lo para se sentir forte, para sentir que é mais e melhor do que aquele a quem agride. 

Que alguém necessite de se afirmar pela agressividade, é já de si um claro sintoma de um mal-estar emocional. A agressividade é um comportamento hostil que busca apenas a autoafirmação e/ou a autoproteção de quem a pratica.

 

Há terapeutas, psicólogos e psiquiatras que saberão como atuar diante de tais situações, o que dizer e o que fazer. Nós não temos tais competências. A única coisa que cremos saber, é que as crianças e adolescentes devem ter consciência que as emoções negativas existem, ou seja, que há por aí lobos maus e alguns deles estão dentro de nós.

Com isto não estamos a querer dizer que as crianças e adolescentes devem sofrer emoções negativas, nada disso, estamos simplesmente a dizer que devem ter consciência, tão cedo quanto possível, que essas emoções existem. Que existem em nós e que existem nos outros.

 

Há uma forma de tomar consciência das emoções negativas, sem que tenhamos de as sofrer na pele. Essa forma chama-se arte. O mesmo é dizer, música, pintura, escultura, literatura, dança, cinema ou poesia.

Podemos tomar consciência dessas emoções negativas ao lermos histórias simples, como por exemplo, o capuchinho vermelho, mas também ao observarmos obras mais complexas, como “As Tentações de Santo Antão” de Hieronymus Bosch.


No que verdadeiramente cremos, é que ao tomarmos contacto com o capuchinho vermelho ou com as tentações de Santo Antão, aprendemos a lidar com emoções negativos. Aprendemos que, ao longo da nossa vida, vai haver lobos maus, monstros e tentações que se vão cruzar no nosso caminho.

Aprendemos que vai haver quem nos queira fazer mal, e aprendemos que por vezes sentimos a tentação de fazer mal a alguém. Mas, aprendemos também a lidar com isso, a não ceder ao mal que nos tenta e a resistir ao mal que nos fazem.

Tentamos que os nossos alunos tomem consciência e aprendam a lidar, entre outras coisas, com as suas emoções negativas. Para isso, usamos música, pintura, escultura, literatura, dança, cinema, poesia...

É o que fazemos na disciplina Perfil XXI. Deixamos-vos uma proposta.

Guião de aprendizagem "Tens medo? Usa a cabeça..."

https://drive.google.com/file/d/1dGSuWAza-8slkTuYuzpp3NM5mAYybekD/view?usp=sharing 

Ficha de exploração "Tens medo? Usa a cabeça..."

https://drive.google.com/file/d/1i_EE26dOA_vN2_CBt61XDzEscXGAu_b6/view?usp=sharing

Tríptico "Inferno e Paraíso"

https://drive.google.com/file/d/1s-0WAHwFeSxd9ryUlvntVQ1MTgLkI2fD/view?usp=sharing

A propósito de tudo isto, sabe-se lá porquê, veio-nos à memória Amy Winehouse. Morreu jovem, foi-se matando. Era um talento imenso, mas estava completamente impreparada para lidar com as suas próprias emoções e tentações e com as dos outros. Perdeu-se.

Aqui vos deixamos uma das suas mais belas canções, “Love is a losing game”:




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