Talvez não haja
no mundo país algum em que a atenção aos pormenores seja tão intensa como em
Itália. É precisamente isso, o que distingue os italianos do resto do mundo.
Com efeito, a atenção aos pormenores explica muitas coisas acerca de Itália, desde a elegância no vestir até à tipicidade única da sua gastronomia popular, passando pela sua beleza urbana, pela arte e, inclusivamente, por certas características no modo como as equipas italianas jogam futebol.
A esse
propósito, lembrámo-nos da seguinte história. Há uns anos, em 2016, numa escola
no centro de Itália, Matteo, um “ragazzo” de oito anos, escreveu um texto no
qual descreveu uma flor como sendo “petaloso”, ou seja, cheia de pétalas.
Em italiano,
pétala é uma palavra do género masculino, daí o “petaloso”. Como em português,
pétala é uma palavra do género feminino, nós vamos traduzi-la por “petalosa”.
A palavra não existia, nem em italiano, nem em nenhuma outra língua. Nenhum dicionário a acolhia. Contudo, a professora de Matteo não o corrigiu. Ao invés raciocinou do seguinte modo, “petalosa” era uma palavra bem formada, tinha gramaticalmente razão de ser (petalo+oso em italiano, pétala+osa em português) e, para além do mais, era bem bonita. Concluiu então, que o seu aluno, não somente não se tinha enganado, mas tinha sim acabado de inventar uma nova palavra.
Matteo, ajudado pela sua professora, escreveu à Accademia dell Crusca, a instituição que regula a língua italiana e se situa na belíssima cidade de Florença. Pediu-lhes um parecer linguístico sobre a palavra que tinha inventado: “petalosa”. Respondeu-lhe uma conceituada filóloga, que lhe disse assim: “É uma palavra bela e clara. Está bem formada e poderia ser utilizada no idioma italiano”.
Disse-lhe ainda,
que antes dessa nova palavra poder constar do dicionário, teria de haver muita
gente a usá-la e a compreender o seu significado. A professora do Matteo
divulgou a carta da filóloga nas redes sociais, dando a conhecer a todos a
história de Matteo. As redes fizeram o resto, a história tornou-se viral a
nível mundial.
A partir desse
momento, muitas foram as coisas às quais foi aplicado a palavra “petalosa”, que passou a ser um adjetivo de uso comum por toda a Itália.
O que esta
história nos demonstra, é que o “bambino” Matteo esteve atento aos pormenores
da flor que pretendia descrever, nomeadamente, ao facto de essa flor ter
inúmeras pétalas e de estas serem particularmente coloridas e vistosas.
Esteve tão
atento a esses pormenores, que para os descrever, não lhe bastavam as palavras
até aí existentes, necessitou de criar uma nova, que pudesse significar esses
mesmos pormenores: a variedade, a cor e a beleza das pétalas.
Foi também em Itália, mais uma vez na belíssima cidade de Florença, que entre 1501 e 1504, Michelangelo esculpiu uma das suas mais célebres obras: David. Logo desde esse instante, a escultura de David foi imediatamente considerada como uma imensa obra-prima. São muitos os que ao longo dos séculos e até ao dia de hoje, dela disseram ser a mais bela escultura de sempre.
Entre as suas muitas virtudes, uma das que maior admiração e espanto causa, é o modo como o mármore parece ganhar vida. Pormenores como as veias, os músculos, a testa franzida ou o olhar, entre muitos outros, dão a ver a extraordinária arte de Michelangelo, que observando um tosco bloco de pedra, nele conseguiu vislumbrar um corpo humano de divinas proporções.
Para quem não
saiba ou já se tenha esquecido, recorde-se que David é um personagem bíblico,
um escolhido de Deus. David foi aquele que sozinho derrotou o exército do
temível Golias, o maior dos filisteus.
Por tudo isto, é
absolutamente incompreensível que a diretora de uma escola na Flórida, nos EUA,
tenha sido afastada das suas funções por ter mostrado a alunos do 6° ano uma
imagem da estátua de David.
A escola é
conhecida pelo seu pendor cristão e conservador e alguns encarregados de
educação queixaram-se às autoridades escolares por considerarem que a escultura
de Michelangelo é “material pornográfico”!
Quem quer que
tenha observado a escultura de Michelangelo, adivinha imediatamente que a
alegação dos puritanos encarregados de educação norte-americanos, se baseia num
pormenor.
Não são as
veias, nem o rosto, nem o olhar, nem o torso, nem os músculos das pernas ou dos
braços, nem sequer os pés, que fizeram com que os referidos encarregados de
educação considerassem o David como “material pornográfico”, foi antes, claro
está, um outro pormenor exclusivo da anatomia masculina. Já adivinham qual...
E com isto
concluímos. Nada mais temos para dizer, a não ser citarmos um ancestral
provérbio alemão que reza assim: “Der Teufel steckt Im Detail”, o que traduzido
para português seria qualquer coisa como “O diabo está nos pormenores”.
Guião de aprendizagem "Caminhos, autorretratos e outros labirintos
https://drive.google.com/file/d/1ecMShAoP5g6-_Lm_QUgHfNcjQ1X0O_Rz/view?usp=sharing
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