Se a fotografia
não tivesse sido inventada, alguém teria de a inventar, pois que sem ela, as
nossas vidas seriam certamente bem mais tristes e pobres do que são. Muitas
vezes, do muito que nos sucedeu, aquilo que verdadeiramente nos resta, nem são
tanto as memórias, mas sobretudo umas quantas fotos.
E não é pouco,
essas fotos que nos restam, pois elas são momentos das nossas vidas resgatados
ao rio do tempo e ao seu contínuo fluir, que consigo tudo leva e arrasta.
O tempo
escorre-nos velozmente por entre os dedos das mãos, ainda agora éramos crianças
e brincávamos no recreio da escola e de repente, não mais do que de repente,
passaram-se décadas, quase sem que déssemos por isso.
Olhamos para o
nosso passado, e como numa velha canção francesa, questionamo-nos sobre “Que
reste-t-il de nos amours? Que reste-t-il de ces beaux jours?”.
E também, tal e
qual como nessa mesma canção, concluímos que, o que agora nos resta desses
amores e desses dias belos, é apenas “Une photo, vieille photo de ma jeunesse.”
O que nos resta
agora das doces cartas que então escrevíamos? Que é feito das mensagens que
trocávamos e dos “rendez-vous” que no gentil mês de abril marcávamos?
Uma lembrança,
não mais que uma vaga e ténue lembrança, que mesmo vaga e ténue sendo, ainda assim,
continuamente nos envolve e acompanha.
Uma lembrança do
tempo em que pelas ruas caminhávamos livres com os cabelos soltos ao vento.
Memórias de uma época em que havia sonhos e beijos roubados. O que nos resta
agora de tudo isso? “Une photo, vieille photo de ma jeunesse.”
Antes havia
palavras ternas, quase murmuradas. Carícias puras, juras num bosque. Flores
encontradas entre as páginas de um livro. Flores cujo perfume quase sentimos.
Tudo desapareceu. Porquê?
O que nos desapareceu, foi aquilo a que com o tempo fomos virando as costas. E o que nos resta agora? Quando muito, “Une photo, vieille photo de ma jeunesse.”
Temos vindo a
falar-vos de fotografias que retratam os nossos momentos memoráveis de outrora.
Fotos marcantes, daquelas que se guardam religiosamente em álbuns, se mandam
emoldurar para colocar na estante da sala ou se escondem no fundo de uma gaveta
da qual só nós temos a chave. Fotos intencionalmente tiradas para durar, para
mais tarde recordar.
Queremos de seguida falar-vos de um outro tipo de fotos, dessas que foram tiradas quase só por graça, assim sem mais nem menos, sem nenhuma intenção em especial, apenas porque naquele instante nos apeteceu.
Queremos
falar-vos de fotografias instantâneas: de Polaroids.
Mas ainda antes
disso, aqui fica a velha canção francesa de que anteriormente vos falámos, “Que
reste-il de nos amours”:
Se já ouviram a canção, passemos então às Polaroids.
As Polaroids,
como todas as fotos instantâneas, não são propriamente tiradas com o objetivo
de ficarem para a posteridade. Embora possa haver umas quantas no fundo de
algumas gavetas, não estão lá guardadas à chave, antes parece que por lá
ficaram perdidas ou esquecidas.
Não é comum que às Polaroids, alguém as encaderne cuidadosamente num álbum ou as mande emoldurar. As Polaroids não foram feitas para durar, são feitas de um impulso, nascem de um instante.
Ninguém faz uma
pose formal para uma Polaroid. Ninguém a faz, porque toda a gente sabe, que
numa Polaroid não fica retratada a nossa imagem oficial. Uma Polaroid não se
destina a ser a nossa foto oficial nem de família, nem profissional, nem de
nada. Uma Polaroid é só um fugaz instante.
Embora uma Polaroid possa vir a ser uma memória, nunca o será da mesma forma que o são as nossas fotos feitas para mais tarde recordar. As Polaroids são afins ao Jazz, a sua musicalidade vive muito do improviso e do imprevisto: de um ângulo inesperado, de um gesto súbito, de um repentino esgar, de uma sombra surpreendente ou de um inusitado raio de luz.
Uma Polaroid
pode até estar escura, desfocada ou tremida, que não faz mal, capta na mesma a
essência de um instante.
Contrariamente a outras fotografias, a Polaroid não ambiciona falar-nos de um tempo passado ou retratar uma época que já lá vai. A Polaroid é muito mais modesta do que isso. Não nos fala nem de um tempo nem de uma época, fala-nos simplesmente de instantes. De instantes do presente ou de instantes do passado, mas em qualquer dos casos, sempre de instantes.
A canção que
mais convém à Polaroid, é aquela que um dia foi composta por Tom Jobim e se
intitula “Fotografia”. Canção que nos fala de grandes amores instantâneos e
fugazes.
Amores que nunca
duram o suficiente para acabarem numa foto emoldurada colocada em lugar de
destaque na estante doméstica, pois que só se deixam retratar em breves
instantes, desses que apenas uma Polaroid consegue captar.
Instantes em que, como cantava Jobim, o sol já vai caindo, e em que eu, você, nós dois, sozinhos neste bar à meia-luz e de repente, não mais que de repente, parece que esse bar já vai fechar. Você tem de ir embora e a tarde se desfaz. Escureceu.
Muito mais
tarde, essa mesma canção seria gravada por Nara Leão como parte integrante do
LP “Dez anos depois”:
A quase todas as
escolas, todos os anos vem um fotógrafo. Chega, escolhe o melhor local, coloca
um bonito pano de fundo e os alunos lá vão em fila, um a um, tirar a sua
fotografia. No dia da foto, vêm esmeradamente penteados e vestidos. Uma vez
concluída a foto individual, toda a turma alinha a preceito e tiram a foto de
conjunto.
Quando já muito
adultos forem, provavelmente, sempre que se recordarem dos tempos de escola, as
primeiras imagens a que associarão esses tempos, será as dessas fotos. Com o
passar dos anos, vão ser essas fotos, a recordação "oficial" dos tempos em que em
crianças andavam na escola.
Experimentámos
uma coisa diferente. Serem os alunos a fotografarem-se a si, aos seus colegas,
aos professores e auxiliares. Fotografaram as aulas, os recreios, os almoços e
outras atividades.
Pusemos-lhes uma Instax nas mãos, pedimos-lhes que olhassem para a escola e para quem nela trabalha e estuda e a partir daí estiveram por sua conta.
Não cremos que as fotos Polaroids que daí surgiram vão ter uma longa vida e ficar para a posteridade, a única coisa que sabemos, é que esses instantes já ninguém lhes os tira.
Colaborou
connosco neste projeto a galeria “A Narrativa” cujo site aqui fica:
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