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O que fazer nesta Páscoa? Ir à missa, comer cabrito ou ler a Playboy.



A Páscoa em Espanha, e muito concretamente pelas terras da Andaluzia, é a maior festa do ano. Já em Portugal, para quem não é religioso, a época da Páscoa é uma coisa meio desengraçada.

Ao contrário do que sucede noutras festividades, na Páscoa não há subsídios de Natal, nem presentes, nem luzes nas ruas, nem réveillons, nem arraiais, nem nada. Só há amêndoas, que é um doce vagamente insípido, e cabrito assado que é um petisco um tanto ou quanto para o gorduroso e enjoativo.

 

Coelhinhos de chocolate, também não é coisa com a qual um adulto, sem um histórico de comportamentos pervertidos clinicamente diagnosticadas, se possa entusiasmar por aí além. Ainda se fossem coelhinhas, podia ser que a conversa fosse outra, agora assim, pfff…

Em síntese, tudo por junto, a Páscoa portuguesa é um bocadinho a atirar para o entediante.

 

Talvez tenha sido por ter consciência do quão desenxabida é a Páscoa e das graves consequências que isso provoca, que alguém com responsabilidades governativas se propôs tomar uma medida concreta, de modo a levantar o ânimo à malta durante este período.

Trata-se de uma medida arrojada e inovadora, que certamente irá fazer escola e conquistar seguidores. Só que, infelizmente, não foi em Portugal que tal sucedeu, foi sim em França.

Em França, a Páscoa não é a grande festa que é em Espanha, é mais ou menos tão desengraçada como em Portugal. Consequentemente, urgia fazer algo. E fez-se. É pena que os nossos governantes não estejam tão atentos como os franceses ao tédio pascal e não tomem também medidas para o mitigar e levantarem o ânimo dos seus concidadãos.

 

Apesar de presentemente os nossos governantes estarem atolados em problemas, ainda assim, não estarão tão atolados como os governantes franceses. Mesmo nessa difícil situação, com uma enorme contestação social, greves e manifestações quase diárias, houve um membro do governo gaulês, a Ministra da Economia Social e Solidária e Vida Associativa, que quis trazer alguma animação ao povo nesta época festiva meio desengraçada. Para tal, decidiu tomar uma medida audaciosa, mas cuja eficácia é inegável, a saber, posar para a revista Playboy.

Abaixo deixamos-vos a capa dessa edição da conceituada revista. Capa que não mostrando muito, promove claramente algo que tanta falta faz, ou seja, um maior interesse dos cidadãos por saber mais sobre aqueles que os governam.

Nesse contexto, as páginas centrais da revista são muito esclarecedoras acerca das posições da ministra, nomeadamente, no que concerne à economia social e à solidariedade. São posições muito reveladoras, as que a ministra aí assume. 

Há também uma foto que é bastante eloquente relativamente à posição da ministra sobre a vida associativa. Vale a pena perceber com atenção os pormenores de tudo o que a ministra nos quer revelar sobre esse tema.

Com governantes assim, que não se limitam a pregar, mas que efetivamente praticam uma política de transparência, certamente que as democracias ocidentais ganhariam um novo vigor e não permaneceriam quase impotentes perante todos os perigos que atualmente as ameaçam.

 


Se em França o tédio pascal ficou em parte resolvido com as medidas da ministra, que certamente levantaram alguns ânimos, em Portugal o problema mantém-se. É um problema tanto mais grave, pois que durante este período, muitos cafés e restaurantes metem férias, não há espetáculos, não há futebol, os museus abrem a meio gás, as escolas estão de interrupção letiva e o comércio quase não funciona. O que pode então o povo português fazer para se entreter?

 

Na verdade, a única coisa decente a fazer é rumar a terras de Espanha, mais especificamente, à Andaluzia, às cidades de Sevilha, de Granada, de Málaga ou de Cádiz. É aí que está a festa.

Mesmo para quem não é religioso, é uma visão divina observar as imensas procissões com seus andores barrocos ricamente ornamentados, que ao saírem das igrejas para percorrerem as engalanadas ruas das cidades, provocam lágrimas, suspiros e comoções extremas nas gentes que esperam horas só para os ver e os entusiasticamente aplaudir.

Em Sevilha, quando sai o andor com a Virgem de La Macarena, a agitação cresce, a cidade entra em ebulição e à sua passagem, por todo o lado se ouvem piropos dirigidos à Virgem: “Guapa”, “Hermosa” e “Ay, qué linda”.

 

No entanto, o encanto da Páscoa andaluz, é que o sagrado e o profano se misturam e confundem. A festa faz-se não apenas de procissões e virgens nos altares e andores, mas também de música, de dança, de guitarradas e de comes e bebes pela noite dentro, madrugada fora.

 


Como em Portugal não há “guapas” virgens a percorrer as ruas, nem ministras na capa da Playboy, fica-se sem se saber o que fazer.


Perante este problema, muitos portugueses decidem fazer de conta que já é verão e vai daí, vão em massa para as praias do Algarve ou para Carcavelos, conforme as posses e os gostos.

Se o clima estiver de feição, a coisa não lhes corre mal, exceto pelo facto da água do mar ainda estar gelada como tudo e a ilusão de verão se desfazer de cada vez que se vai ao banho. Mas não faz mal, assim como assim, diz que a água gelada faz bem aos ossos e à circulação do sangue, portanto, é ver as coisas pelo melhor dos lados. A bem dizer, o que é preciso é que haja saúde.

 

Há outros portugueses que perante o problema de não saberem que fazer durante a Páscoa, decidem fazer de conta que ainda é inverno. Consequentemente, esgotam a capacidade hoteleira da Serra da Estrela e vão à procura de neve. Claro que nesta altura do ano já não há neve nenhuma, mas há frequentemente chuva e fortes ventos, o que não sendo bem a mesma coisa, também tem a sua graça.

Em qualquer dos casos, há sempre a possibilidade de fazer longos passeios a pé e respirar o ar frio e cortante da serra e de caminho ver os grandes calhaus que por lá há. Às vezes também se encontra pastores, mesmo daqueles típicos, com cajado, ovelhas e tudo. É bem giro.

 

Há ainda outros portugueses, que não vão a lado nenhum. Fazem de conta que a época pascal é igual ao resto do ano e deixam-se estar sossegados em casa a ver televisão. E que interessante é a programação pascal. Na sexta-feira santa há filmes já muito requentados. Não são propriamente clássicos, mas antigos são de certeza absoluta.

Ao fim de semana há os habituais programas de variedades, que vão de terra em terra e em que ora se ouve música popular da pior, ora se assiste a extensas e divertidas entrevistas com os produtores locais de queijos, doces, vinhos ou enchidos. As dos enchidos são as mais fascinantes.

No fim há um concurso, ligam para casa de uma pessoa qualquer e se esta atender o telefone e disser não sei o quê, ganha um magnífico prémio, que corresponde a um pouco mais que um ordenado médio. Talvez nesta Páscoa o prémio seja melhorzinho, é estarmos atentos.

 

Queremos terminar esta nossa reflexão sobre o período pascal com algo chocante. Há uns anos, precisamente durante a Páscoa, o bispo católico da catedral de Gap e Embrun, localidade situada nos Alpes franceses, Monsenhor Jean Michel Di Falco, decidiu colocar na sua igreja uma obra de arte contemporânea, uma escultura do britânico Paul Fryer intitulada Pietá. 

O que essa escultura tem de particular, é “atualizar” a paixão de Cristo que, ao invés de sofrer pregado na cruz, sofre numa cadeira eléctrica. O que o bispo e o artista a todos quiseram dizer, foi que talvez já estejamos demasiado habituados às imagens tradicionais da crucificação, que talvez já lhes sejamos indiferentes. 

O que o bispo quis dizer, é que talvez já tenhamos perdido a noção do que é a Páscoa e quis por isso reavivar o seu profundo significado humano, ou seja, o de ter compaixão pelo sofrimento.

 



 

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