Avançar para o conteúdo principal

Há árvores com raízes quadradas? E gente quadrada? Também há?

 



Se formos passear pelos jardins da Gulbenkian, certamente que não encontraremos árvores com raízes quadradas. O que não significa que não encontremos outras coisas difíceis e complicadas. Por exemplo, coisas multidisciplinares.

“Um programa multidisciplinar de vanguarda”, é esta uma das frases que define desde a sua fundação a missão do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (CAM). Uma missão de grande ambição e que se cumpre remando contra a corrente, pois que as coisas multidisciplinares não são lá muito do agrado de parte das gentes da nossa terra, que é mais pão, pão, queijo, queijo.

Quantas pessoas conhecerão os nossos leitores, que só de ouvirem a palavra multidisciplinar, nem que seja ao de longe, ficam imediatamente com os pelos eriçados e com os cabelos em pé? Algumas? Muitas? Nenhuma? Nenhuma não acreditamos…

Abaixo, uma imagem de uma obra multidisciplinar de Ana Hatherly, ali algures entre as disciplinas de desenho e de escrita. Pertence à coleção do CAM.


Como se ser multidisciplinar já não fosse o bastante, o programa do CAM anuncia-se ainda por cima como sendo de vanguarda. Ou seja, como sendo uma coisa mesmo diferente e disruptiva, dessas que arrasam com a paciência das pessoas mais quadradas e menos dadas a modernices, que é o caso de parte das gentes da nossa terra, que gosta cá pouco de originalidades e novidades.

Quantas pessoas conhecerão os nossos leitores, que só de ouvirem falar em vanguardas, originalidades e novidades ficam logo com cara de quem viu o senhorio? Algumas? Muitas? Nenhuma? Nenhuma não acreditamos…

 

Houve muito quem aquando da inauguração do CAM (há quarenta anos), tivesse pensado que a Gulbenkian é um sítio tão jeitoso, com jardins tão lindos, que não havia necessidade absolutamente nenhuma de pôr lá um mamarracho com coisas dentro a que chamam arte, mas que são coisas que não lembram nem ao menino Jesus!

 

Nos primeiros tempos do Centro de Arte Moderna, houve muitos quadrados a quem a novidade caiu mal e indispôs. Com o passar do tempo, até mesmo esses se conformaram. Mais não fosse, agradou-lhes que no Centro de Arte Moderna houvesse um confortável restaurante self-service, pois que dava jeito para beber uma bica a meio da manhã e para comer uma bucha durante o passeio dominical pelo jardim.

 

Como a própria Gulbenkian nos anuncia, a crença orientadora do CAM é a de que a arte deve fazer parte da vida diária e ser experienciada o mais frequentemente possível. Deve ser vivida tal e qual como um passeio no parque que ajuda a descontrair. Contudo, não se fica por aqui, anuncia-nos ainda que a arte deve levar-nos a refletir de um modo diferente sobre o mundo e a sua complexidade.

Significa isto, que o CAM não existe apenas para proporcionar agradáveis excursões e passeios dominicais aos seus visitantes, existe também para, através da arte moderna e contemporânea, os levar a refletir e a aperceberem-se da complexidade do mundo.

 

Na imagem abaixo, a obra de Noé Sendas de 2003, “The rest is silence”, faz parte da coleção do CAM.




Calouste Gulbenkian legou a Portugal uma coleção de arte cujas peças atravessam 5000 anos de história da humanidade. Para as expor, foi construído um museu, que dentro do seu género é um dos melhores que existe. Certamente que o é em Portugal, pois cá pouco mais há, mas também o é a nível internacional.

A Fundação Gulbenkian podia ter-se ficado por aí, em termos de mostrar e dar a ver arte. O museu só por si, já era uma grande coisa. Mas não, quis ir mais longe, quis constituir uma coleção de arte moderna e contemporânea. À época como agora, é raríssimo que em Portugal alguém queira ir mais longe, normalmente ficamos já por aqui, que por aqui é que se está bem.

 

O Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian foi inaugurado no dia 20 de julho de 1983. Comemora-se portanto este ano o 40.º aniversário deste espaço, facto que é assinalado com uma exposição intitulada Histórias de uma Coleção, na qual se exibem algumas das obras mais marcantes da coleção do CAM, como por exemplo, as de Amadeo Souza-Cardoso, de José de Almada Negreiros e de Maria Helena Vieira da Silva.

 

https://sicnoticias.pt/programas/todas-as-artes/2023-05-14-Mais-de-60-anos-de-historia-na-colecao-de-arte-da-Gulbenkian-3d0cd21a

 

Portugal tinha um museu dedicado à arte moderna e contemporânea desde 1911, o Museu do Chiado. Tinha mas não tinha, pois ao longo da sua história, e fundamentalmente durante o regime salazarista, este museu nunca se dedicou verdadeiramente às artes do seu tempo. Para além disso, teve anos praticamente ao abandono, tendo chegado a um elevado grau de degradação, vindo depois a sofrer um incêndio que o manteve encerrado por largo tempo.

Em conclusão, por acasos da história e, sobretudo, por algumas das características mais tristes da condição portuguesa, na prática Portugal nunca teve nenhum espaço museológico dedicado às artes modernas e contemporâneas, isto, até ao aparecimento do Centro de Arte Moderna.

 

Ao longo dos anos que passaram desde a sua inauguração até hoje, o Centro de Arte Moderna tem sido um pilar na divulgação das formas de expressão artística do nosso tempo, não só das artes plásticas, mas igualmente do teatro e da dança.

Atualmente o edifício do Centro de Arte Moderna está encerrado devido a obras de remodelação e expansão, projetados pelo arquiteto japonês Kengo Kuma. Reabrirá no início de 2024, neste entretanto, como já foi referido, a sua coleção pode ser vista no edifício-sede da Gulbenkian na exposição Histórias de uma Coleção.

 

Nós queremos visitar esta exposição com os alunos e começamos desde já a prepará-los para o que vão ver. Sobretudo a prepará-los para, através de obras de arte moderna e contemporânea, refletirem e se aperceberem da complexidade do mundo. Em resumo, não queremos que sejam quadrados, queremos que vejam coisas multidisciplinares de vanguarda, daquelas que abanam as ideias e dão voltas à cabeça.


Abaixo, uma fotografia da coleção do CAM, é de Fernando Lemos e de 1949.


Para lhes começar a abanar as ideias e lhes dar a volta à cabeça, construímos um guião. Um guião também ele multidisciplinar.


Guião de aprendizagem “Há árvores com raízes quadradas”

https://drive.google.com/file/d/1IMnxgWtsNRMJfmRpguad1RPFrg1vRTMN/view?usp=sharing

Ficha de exploração “Há árvores com raízes quadradas”

https://drive.google.com/file/d/1l5UsvifEElOjrAchAe45e1PPLrehYbH3/view?usp=sharing



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...