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Mais vale ser rico e com saúde, do que pobre e doente



Nós não somos marxistas, mas gostamos de brincar ao marxismo. É uma coisa gira de se fazer. Atualmente, parece até ser de mau tom falar de política, pode dar discussão, ficar o caldo entornado e estragar o jantar. Mas isso a nós não nos interessa para nada. Se falamos de política, falamos de política e pronto.

Quem quiser, que não nos leia. Assim como assim, há muito quem nos leia, mesmo sendo as nossas publicações neste blog constantemente bloqueadas pelas redes sociais e outras plataformas digitais. É o que é.

 

“Quanto menos comeres, beberes, comprares livros, fores ao teatro ou a bailes, ou ao café, e quanto menos pensares, amares, teorizares, cantares, pintares, esgrimires, etc, mais serás capaz de economizar…”

 

Quem escreveu a passagem que acima traduzimos, foi Karl Marx (1818 — 1883), filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e teórico revolucionário alemão. Depois da queda da URSS e de muitos outros regimes comunistas, já ninguém liga coisíssima nenhuma às teses marxistas, pois a história provou o quão erradas estavam. 


Dito isto, e mesmo tendo sido as ideias de Marx amplamente desmentidas pela realidade, ainda assim, nos seus escritos, há momentos diante das quais vale pena determo-nos para pensar.


Por exemplo, vale a pena pararmos para pensar, acerca das ideias de Marx sobre a alienação. Muito genericamente, para Marx, a alienação é o processo pelo qual os Homens perdem a consciência de quem são.

Ainda segundo Marx, quem somos está intimamente entrelaçado com o que fazemos, ou seja, em que trabalhamos. Entramos num processo de alienação, quando passamos a maior parte do nosso tempo a trabalhar por um salário, sem que saibamos nitidamente os porquês (para além do dinheirinho ao fim do mês) daquilo que fazemos. 

Se não sabemos os porquês do que fazemos, certamente que não teremos também plena consciência de quem somos. Não ter plena consciência de quem se é, é entrarmos num processo de alienação.

Ainda que eventualmente assim não o pensemos, a verdade é que os porquês do nosso trabalho, não se esgotam no que recebemos ao fim do mês. “Vendemos” à entidade empregadora o nosso tempo e esforço, em troca de uma remuneração. Todavia, se efetuarmos o nosso trabalho sem plena consciência dos outros porquês (para além do já referido ordenado) daquilo que fazemos, acabamos por trabalhar de um modo automático, ausente e mecânico, ou seja, alienado.



Neste contexto, não é de estranhar que haja tanta gente cansada, farta e deprimida com o trabalho que efetua. Efetivamente, o dinheiro dá jeito para pagar as despesas e se ir vivendo ou sobrevivendo, mas isso não substituiu de modo algum, o ter-se plena consciência de quem se é e do(s) porquê(s) daquilo que se faz.

Até aqueles que dispõem de rios de dinheiro, caso não saibam quem são, nem por que fazem o que fazem, mais não são que seres alienados, ainda que, alienados endinheirados.

 

Mais uma vez segundo Marx, quando se trabalha automaticamente, de modo ausente, como uma mera peça da maquinaria, deixa-se de se saber quem se é. Razão pela qual, para aliviar a incómoda sensação de alienação que quotidianamente cresce em nós, procuramos “SER” não pelo que verdadeiramente somos e fazemos, mas antes pelo que compramos e possuímos.

Os seres alienados transformam-se assim em consumidores, ou seja, procuram obter a sensação que são alguém, através da satisfação obtida pelo consumo de determinados bens, produtos e mercadorias.

No fundo, as teses marxistas relativamente à alienação são muito simples. Fazemos-vos uma síntese:

  1. Passa-se a semana a trabalhar sem se querer saber de outro(s) porquê(s) para o fazermos, que não seja o salário mensal.
  2. Trabalha-se apenas porque se necessita, o que faz com que vivamos a maior parte do tempo (7 ou 8 horas por dia, fora deslocações) ausentes e resignados.
  3. Vamos trabalhar, mas é como se esse tempo não valesse, razão pela qual, estamos constantemente a suspirar pelos fins de semana e feriados, pelas férias, e até pela aposentação.
  4. Vivemos grande parte do nosso tempo (as horas de trabalho), como seres alienados. Estamos lá, mas ao mesmo tempo não estamos lá. Estamos lá, mas ausentes, ou seja, estamos lá a ansiar pelo tempo em que lá não estaremos.
  5. O mal-estar resultante desse “não estarmos” onde estamos, dessa ausência, corrói-nos por dentro e começamos a sentir o nosso “SER” a desvanecer-se, a alienar-se.
  6. Como “remédio” contra o desvanecimento e a alienação de quem somos, consumimos bens e serviços: “weekend-breaks”, automóveis, roupas, férias em resorts, relógios, telemóveis, gadgets, eletrodomésticos e tudo o que de mais há para nos livrar das nossas ansiedades.

Como consequência de tudo isto, idolatram-se certos objetos (automóveis de luxo, malas, jóias…), não sendo o mais importante o que se sente, o que se faz, o que se pensa e aquilo de que se tem consciência, mas sim o que se pode comprar.

O dinheiro é o grande fetiche desta cultura, pois cria a ilusão de que através dele se pode possuir tudo o que se deseja, ou seja, a ilusão de que se pode “SER” aquilo que se é, consumindo bens e mercadorias.



Cada um saberá as linhas com que se cose, contudo, basta olhar em nosso redor para verificar que há muito quem, com o objetivo de adquirir um determinado bem ou mercadoria, se sacrifique imenso para poupar ou para pagar um crédito a um banco.

Quantos não passam necessidades com o intuito de adquirirem viaturas e casas muito acima dos seus rendimentos, ou até para passar férias em destinos exóticos?

São escolhas legítimas, isso é certo, mas ainda assim, não será completamente descabido pensar que tais escolhas radicam numa certa sensação de alienação, no querer “SER”-se não pelo que se é, mas sim pelo que se adquire.

 

Para concretizar essas legítimas escolhas, ou bem que se é endinheirado, o que não é caso da larguíssima maioria das pessoas, ou bem que tem de se fazer sacrifícios e poupar. Seja poupar para pagar a pronto e em dinheiro vivo, seja poupar para pagar ao banco as prestações mensais. Não se sendo endinheirado, não há como não poupar, facto que nos leva a uma outra citação de Marx: “Quanto menos fores, quanto menos expressares a tua vida, tanto mais terás, tanto maior será a tua vida alienada e maior é a poupança feita pelo teu ser alienado.”

 

E o que dizia Marx acerca da educação? Na perspetiva marxista, são inúmeros os interesses políticos, sociais e económicos que coordenam toda a ação pedagógica para que educação seja um sinónimo de acomodação.

 

Como vos dissemos no início deste texto, nós não somos marxistas, mas gostamos de brincar ao marxismo. Assim sendo, terminamos como uma outra citação de Marx:

“….caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, filosofar depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou filósofo.”

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