Ele há tantas coisas para aprender! Mas havendo tantas, há umas mais significativas e essenciais do que outras. Por exemplo, apesar de ser giro de se saber quais são as capitais do Botswana, do Sri Lanka e do Liechtenstein, ou que o artista Yves Klein inventou um novo tipo de azul, ainda assim, não raras vezes, dá mais jeito saber-se mudar um pneu ou estrelar um ovo.
Abaixo uma imagem da pintura de António Areal de 1967, “A história dramática de um ovo”. Faz parte da coleção de arte moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.
O que se passa
com as capitais do Botswana, do Sri Lanka, do Liechtenstein e com o azul Klein,
os pneus e os ovos, é igualzinho ao que se passa com as matérias escolares. É
giro saber-se quantos são sete vezes nove, mas em princípio, dá mais jeito
saber-se pensar. Não sabemos se apanharam a analogia.
Quem sabe
pensar, mesmo que eventualmente não saiba de cor quantos são sete vezes nove,
se se puser a usar a cabeça, tarde ou cedo vai lá chegar. O mesmo já não sucede
com quem só sabe as coisas de cor, pois se a esses em vez de sete vezes nove, lhe
perguntarmos quantos são sessenta e três a dividir por sete, o mais certo é
termos de esperar sentados pela resposta.
Apostamos que
ninguém estava à espera desta analogia entre capitais, azul Klein, pneus, ovos,
tabuadas e pensar, certo?
Claro que o
exemplo que usámos, sete vezes nove, é um tanto ou quanto caricatural, pois
toda a gente sabe quantos são sete vezes nove, até os alunos do Instituto
Superior Técnico. Todavia, mesmo sendo um exemplo caricatural, cremos que, pelo
menos analogicamente, demonstra o nosso ponto de vista.
Já agora, a
expressão que acima usámos, “até os alunos do Técnico”, é também ela caricatural.
Com certeza que os leitores já o tinham adivinhado, pois há na verdade muitos
alunos do Instituto Superior Técnico que sabem efetivamente quantos são sete
vezes nove. Há alguns que até sabem quantos são sessenta e três a dividir por
sete. Isto calculamos nós, pois de facto não temos a certeza absoluta que assim
seja.
Estamos outra
vez a ser caricaturais, como certamente já todos voltaram a adivinhar.
Em qualquer dos casos, deixamo-vos um vídeo em que se fazem algumas perguntas básicas a alunos do Instituto Superior Técnico. É certo que nenhuma dessas perguntas é quantos são sete vezes nove ou sessenta e três a dividir por sete, mas mesmo assim sendo, estranhamente (ou talvez não), a maior parte deles não sabe responder corretamente a quase nenhuma delas. É ver:
A nota média de entrada no Instituto Superior Técnico é bastante elevada, o que significa que os alunos que o frequentam se fartaram de estudar e obtiveram excelentes resultados nos testes e nos exames. Não são nenhuns baldas nem nada disso, são gente inteligente que se aplicou e se esforçou. Razão pela qual, não é de estranhar que pouco ou nada saibam.
São inteligentes, aplicaram-se, esforçaram-se e estudaram, mas pouco ou nada sabem?! Compreendemos a estranheza de quem nos lê. Parece paradoxal, mas não é.
Vamos fazer uma
generalização abusiva, logo, caricatural. Os alunos do Instituto Superior
Técnico, pouco ou nada sabem por terem passado a vida a empinar a “matéria” a
fim de a despejarem em testes e exames.
“Matéria” essa, que logo após a conclusão do teste ou do exame foi esquecida para todo o sempre. A não ser que posteriormente volte a ser necessária, nesse caso, toca a estudá-la outra vez até ficar novamente na ponta da lingua.
Como se tudo
isto não bastasse, tendo esses alunos passado praticamente todo o seu tempo de
vida com a cabeça enfiada na “matéria”, têm um conhecimento muito vago e difuso
de tudo o resto na vida que não seja essa mesma “matéria”. Era de esperar, pois
a bem dizer, o tempo não é elástico nem dá para tudo.
Voltamos a
repetir que todas estas nossas afirmações são caricaturais e baseiam-se
unicamente no vídeo que acima vos apresentámos. Na realidade baseiam-se em
vários outros vídeos do mesmo teor que pululam pela internet. Aparentemente, há
muito quem goste de caricaturar os alunos do Instituto Superior Técnico e os
seus extensos conhecimentos da “matéria”. Deve ser inveja, é o que é!
Durante décadas, muitas senhoras com a mais liberal profissão do mundo, escolheram as imediações do Instituto Superior Técnico para a exercer. Sabiam que aí havia uma vasta clientela para os seus serviços, que provavelmente não existiria junto a outras instituições de ensino superior.
As gentes de artes e letras, de direito, ou até mesmo de agronomia, era mais sabida e conhecia mais da vida, não estudava tanto e por consequência, não era tão propensa a ir nas cantigas das liberais senhoras.
Se porventura a
Faculdade de Economia quisesse apresentar uma situação real do funcionamento da
economia de mercado e de como a lei da oferta e da procura funciona, estamos em
crer que as senhoras nas imediações do Técnico seriam um exemplo perfeito. Um
autêntico “case-study” de como o empreendedorismo cria postos de trabalho e
contribuiu para o crescimento do PIB nacional.
Mas deixemo-nos
de mais brincadeiras, já chega, sejamos agora sérios. O certo é que o Instituto
Superior Técnico deu grandes homens e mulheres ao país. Entre estes, gostamos
especialmente do Professor Jorge Calado, que escreveu obras como por exemplo “A
Arte da Ciência" e "Arte, Ciência, Técnica e Sociedade".
Jorge Calado é
crítico cultural do semanário "Expresso" desde 1986, e nós lemos
atentamente os seus artigos, nos quais reflete de um modo ágil e brilhante
sobre temas como arte, fotografia, música, ciência e tecnologia.
Muitos dos seus artigos são sobre concertos e exposições que acontecem em Londres ou em Nova Iorque. O que é bom, pois assim todos os seus leitores, mesmo os que não têm oportunidade de viajar para esses lugares, conhecem um pouco mais do que se passa lá fora. Podem portanto respirar outros ares, que não tão-somente o ar bafiento que por vezes se instala na nossa amada pátria.
Gostamos tanto da escrita do Professor Jorge Calado porque esta se caracteriza por uma abordagem transdisciplinar. É atravessada por distintos saberes que se entrelaçam e se entrecruzam, produzindo assim um verdadeiro conhecimento. Um conhecimento que promove aprendizagens essenciais e significativas, ou seja, aprendizagens que nada têm que ver com as “matérias” de usar e deitar fora.
Um dos seus
últimos livros intitula-se “Bohemia, Life and Death in the Chelsea Hotel”. É um
livro com imagens da fotógrafa Rita Barros.
Está-se mesmo a
ver que nos fala de ciência e tecnologia. E sim, se soubermos ver, é disso que
nos fala. Mas fala-nos também de arte e de cultura e, fundamentalmente, da
vida.
O Chelsea Hotel
em Nova Iorque tem sido desde há décadas um símbolo de liberdade e de
criatividade desinibida, chamemos-lhe assim. Por lá passaram muitos dos grandes
artistas e músicos norte-americanos e não só. Houve escândalos, deboches,
álcool, drogas, mortes e tudo o mais.
Em síntese, é o
lugar perfeito para se falar da vida de um modo transversal, o mesmo é dizer,
de tudo aquilo que a atravessa: a poesia, o rock & roll, a ciência, o
vício, o amor, a traição, a arte, a amizade, a noite, a madrugada, a natureza,
a engenharia, a química, a grande cidade e, claro está, a morte. A edição, como
já certamente adivinharam, é do Instituto Superior Técnico.
No nosso
entender, sendo que nós não percebemos absolutamente nada de engenharia, um bom
engenheiro não é aquele que apenas sabe fazer os cálculos certos para projetar
pontes seguras e sólidas. Um bom engenheiro é aquele que sabe projetar pontes,
que para além de seguras e sólidas, são também belas.
Pontes que inspiram artistas como Georgia O’ Keeffe, que pintou inúmeras vezes a bela ponte que atravessa o Rio Hudson e liga Brooklin a Manhattan.
Toda esta conversa que até agora fizemos, só quer dizer uma coisa, há aprendizagens essenciais e significativas para a vida inteira, como por exemplo saber pensar, estrelar um ovo ou mudar um pneu. Há aprendizagens que são giras, como por exemplo, saber quais são as capitais do Botswana, do Sri Lanka ou do Liechtenstein e o azul Klein. E há ainda outras aprendizagens que são especificas, ou seja, importantes para se exercer uma profissão ou um ofício, seja a de engenheiro, seja uma qualquer atividade mais liberal.
Todas são importantes, mas umas são mais importantes do que outras. E nada disto é estanque e está escrito na pedra, por vezes saber qual é a capital do Liechtenstein ou o que é o azul Klein pode ser uma aprendizagem essencial e significativa, tal como estrelar um ovo pode ser uma aprendizagem específica para se exercer uma profissão, por exemplo, a de cozinheiro.
Do que não há
dúvida nenhuma, é que aprender a pensar é essencial e significativo, seja em
que circunstância for.
Para terminarmos, uma canção. Uma canção sobre aprendizagens: "Learnin' the Blues"
“Learnin’ the blues” é aprender a
melancolia. É aprender a estar em cafés com mesas vazias, em pistas de
dança desertas e a ouvir repetidamente as mesmas canções. É também aprender a
acender cigarro atrás de cigarro e a passar noites sem dormir.
Talvez tudo isto sejam aprendizagens que não valham a pena, pois para além do mais, é tudo coisas que só fazem é mal à saúde. Ainda assim, fica a canção na voz de Frank Sinatra. Mesmo que não queiramos aprender a melancolia, nunca é demais estarmos preparados para tal eventualidade, assim como assim, o saber não ocupa lugar:
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