Algures em
meados da década de 70, quando ainda éramos pequenos, o tanto que nós
gostávamos do futuro. Púnhamo-nos em frente ao aparelho de TV e víamos séries
como o “Espaço 1999” ou “O Caminho das Estrelas”.
De cada vez que víamos o genérico de “O Caminho das Estrelas” e ouvíamos o monólogo introdutório, até sentíamos arrepios na espinha e ficávamos com pele de galinha:
“Space: the final frontier. These are the voyages of the starship Enterprise. Its five-year mission: to explore strange new worlds; to seek out new life and new civilizations; to boldly go where no man has gone before!”
Vale a pena
recordar esses tempos passados e o monólogo introdutório, que nos fazia sonhar
com o futuro, em frente à TV:
Ir aonde nenhum
Homem jamais tinha ido. Viajar numa nave espacial. Explorar estranhos mundos.
Encontrar novas civilizações e outras formas de vida… a que mais poderíamos nós
ambicionar para a nossa vida futura? Nada. Isso chegava-nos e bastava-nos.
Éramos crianças
e olhávamos para os nossos pais e avós sentindo pena deles, por serem já
pessoas do passado. Pessoas que se limitavam a ter uma casa, um carro, um
emprego, uma família e a repetir continuamente o mesmo dia-a-dia.
Connosco nada
disso iria ser assim. O futuro era nosso, pela frente tínhamos universos
inteiros para explorar e galáxias a conhecer. O futuro prometia-nos que a cada
amanhecer descobriríamos uma nova estrela.
Mais tarde, uma
vez chegados perto do fim da adolescência, já sabíamos que algumas dessas
promessas tinham sido quebradas. Feitas as contas, o futuro não iria ser assim
tão fantástico e aventuroso como o tínhamos imaginado em crianças, quando o
víamos na TV.
Afinal, o futuro
ia ser uma coisa mais modesta, mais em conta. Ainda assim, seria certamente
infinitamente melhor de que o passado. Tudo assim o indicava: os computadores
começaram a vulgarizar-se, apareceram os cartões multibanco, os microondas, as
antenas parabólicas, os Walkman’s, os CD’s e em breve chegariam também os
primeiros telemóveis.
A tecnologia
estava em alta. Não tão em alta como anos antes tínhamos sonhado ao ver TV, mas
em qualquer dos casos, em alta. Em síntese, o futuro parecia ser francamente
promissor.
Dado o contexto, reinava o optimismo. A abertura do Shopping das Amoreiras em Lisboa, era um dos principais sintomas disso mesmo. Não mais lojas de bairro e coisas antigas e mal amanhadas, agora era a sério. O futuro tinha chegado, podia-se comprar coisas modernas, como as que havia lá fora, e havia até hamburgers americanos, daqueles iguais aos dos filmes de Hollywood.
A arquitetura de Tomás Taveira era a cereja no topo do bolo disso tudo, e um dos símbolos máximos desse optimismo, ou seja, dessa modernidade futurista em que estávamos a entrar. Havia cores vibrantes e altas torres com vidros espelhados, era o que se quisesse, parecia que estávamos na lua, o futuro era agora.
Repentinamente,
não éramos apenas modernos, éramos mais do que isso, éramos já pós-modernos. E
o melhor era que o shopping não ficava em Londres, Paris ou Nova Iorque, ficava
ali em Campo de Ourique, mesmo pertinho de casa, tão à mão de semear.
Tomás Taveira
não só contribuiu para nossa pós-modernidade arquitectónica, mas deu também,
ainda que involuntariamente, um decisivo contributo para a divulgação de novas
tecnologias, como por exemplo, as câmeras e os aparelhos leitores de vídeo,
ambas novidades tecnológicas surgidas igualmente nessa época.
Os aparelhos leitores de vídeo foram uma loucura. Subitamente, havia lojas de aluguer de filmes em cassetes Beta e VHS de norte a sul do país. A partir daí, as salas de cinema nunca mais tiveram a quantidade de gente que tinham tido até então. Muitas fecharam nesse momento, para não mais reabrirem.
Por falar em
filmes, foi precisamente nesses anos que tivemos um choque psico-emocional
relativamente ao que o futuro nos reservava. A novela de Philip K. Dick “Do
Androids Dream of Electric Sheep?” foi adaptada ao cinema. O filme chamava-se
“Blade Runner”.
A história do filme passava-se no futuro, ou melhor, no que então era o futuro: o longínquo ano de 2019. A ação decorria numa Los Angeles distópica, em que os “replicants”, ou seja, humanos sintéticos construídos através de processos de bioengenharia, se tinham revoltado.
O protagonista principal, interpretado por Harrison Ford, estava encarregue de os eliminar e restabelecer a ordem. Todavia, não era fácil saber quem era realmente humano, e quem era um “replicant”, tal era a semelhança entre ambos.
Pior do que
isso, era fácil desenvolvermos sentimentos por um “replicant”, neste caso, por
uma. Foi o que sucedeu a Harrison Ford, que se apaixonou por Rachel, uma
“replicant”, que ele tinha como missão eliminar. Coitado do homem, ficou com
“mixed-feelings”.
“Mixed-feeling” também era uma coisa meio futurista. Antes as pessoas faziam o que tinham a fazer. Uma vez entrados na vida adulta, era só andar para a frente e não pensar muito no assunto. Agora não, tinham-se dúvidas, hesitava-se, matutava-se e por vezes mudava-se de rumo.
Como já se
percebeu, o futuro sombrio que “Blade Runner” nos apresentava, nada tinha que
ver com as inocentes aventuras de ficção científica que em crianças víamos na
TV.
Tínhamos perdido a inocência e, estranhamente (ou se calhar não), dávamos por nós, também a apaixonar-nos por Rachel. Compreendíamos que agiríamos exatamente como Harrison Ford agiu, ou seja, abandonaríamos a missão que nos foi confiada e, ainda que cheios de dúvidas e de “mixed-feelings”, fugiríamos com Rachel, a “replicant”, para um local distante, para um sítio onde o futuro não existisse.
Em resumo, o que
“Blade Runner” nos veio mostrar, era que o futuro com qual em crianças tanto
tínhamos sonhado jamais viria a existir, e, que se calhar, não era por aí que
vinha grande mal ao mundo.
Ao olharmos para
Rachel, ocorria-nos a ideia exatamente contrária à que tínhamos tido em
crianças, ou seja, que talvez afinal o futuro não fosse lá essas coisas. Talvez
fosse muito melhor fugir com Rachel para um lugar sem futuro.
O futuro de “Blade Runner” era todo ele noturno, feito de dias chuvosos e de luzes de néon que, ao invés de vibrarem e serem exuberantes, tornavam a atmosfera ainda mais sufocante, sombria e melancólica.
A música da
banda sonora de “Blade Runner”, dá-nos a ouvir tudo isso, ou seja, esse
desvanecer-se do optimismo. Pensar no futuro, era agora uma espécie de pensar
num “Bonjour Tristesse”. É ouvir:
Já agora, para
quem eventualmente não tenha percebido a referência, “Bonjour Tristesse” é um
melancólico romance escrito por Françoise Sagan em 1954. O Arquiteto Siza
Vieira, que em muitos e variados sentidos, é o exato oposto do Arquiteto Tomás
Taveira, em 1984, projetou um prédio em Berlim que baptizou com o nome de
“Bonjour Tristesse”. Berlim… fica tão longe de casa, tão longe do Shopping das
Amoreiras.
Atualmente já ninguém sonha com o futuro. As séries e os filmes apresentam-nos um futuro quase apocalíptico. Os sonhos tornaram-se pesadelos, catástrofes ecológicas, guerras, migrações em massa, tensões sociais, falta de água e máquinas a substituírem os humanos. Com tais “promessas” de futuro, pouco admira que muitos se voltem para o passado.
Ninguém sabe se
o futuro vai ser assim tão apocalíptico, provavelmente não o será. A capacidade
do ser humano se reinventar e encontrar soluções é uma constante ao longo da
história da humanidade.
Ainda há pouco
vencemos uma pandemia que noutros épocas se teria prolongado no tempo e teria
sido bem mais terrível do que efetivamente foi. Só por esse exemplo, é possível
perceber que se calhar não vai ser o pesadelo que diariamente nos anunciam.
Certo que não
será tão magnífico como o imaginávamos em crianças em frente ao aparelho de TV,
mas também não será tão mau como nos querem fazer crer.
Em crianças,
assistíamos ao lançamento de foguetões e a missões espaciais. Não ao vivo,
claro está, mas pela TV. À época, tudo isso era um acontecimento, razão pela
qual, tinha direito a transmissão televisiva em direto. Nessas ocasiões,
sabíamos imediatamente que algo tinha corrido mal, quando ouvíamos a frase
“Houston we have a problem.”
Houston era onde
se situava a base da NASA, e tal frase era proferida por um astronauta quando,
por alguma razão, o foguetão estava a dar de si. Ou era a bateria que se tinha
ido abaixo, ou eram os piscas que não funcionavam, ou era porque lhe faltava o
óleo ou era por outra razão qualquer. O certo, certo, era que “Houston we have
a problem”, nunca era sinal de coisa boa. Muito pelo contrário, era até sinal
de mau-agoiro.
Esta semana
foram aplicadas Provas de Aferição a muitos alunos em ambiente digital. Houve
passwords trocadas, sistemas on-line que não funcionavam, computadores que iam
abaixo e tudo o mais. Chegados a uma idade já um tanto ou quanto avançada,
estamos perfeitamente conscientes que o futuro não é o que tínhamos imaginado
em crianças enquanto víamos TV, mas o que nunca imaginámos, é que fosse uma
coisa tão mal-enjorcada e feita às três pancadas. Disso não estávamos mesmo à
espera...
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