É possível ir para o emprego todos dias durante anos
sem se fazer literalmente nada? Pelos vistos é e está a tornar-se uma situação
mais comum do que imaginávamos. O site noticioso norte-americano Vox publicou
recentemente um artigo que demonstra, que nas grandes corporações empresariais
há atualmente um número considerável de funcionários que conseguem passar anos
nada fazendo, sem que ninguém dê por isso. É um sintoma que cada vez queremos
saber menos uns dos outros.
No dito artigo entrevistam-se funcionários que,
mantendo um rigoroso anonimato, confessam passar as horas de expediente a
fumar, a passear, indo tomar café, vendo filmes e séries, escutando música e,
inclusivamente, dormitando.
Há uns que se escondem por entre escritórios e corredores, mas há outros que se deixam ver. Para estes últimos, o importante é manter sempre um ar extremamente atarefado, como esclareceu um desses funcionários. A ironia da situação, é que não fazendo absolutamente nada, muitos são visto pelos seus colegas como sendo “High Performers”.
Abaixo fica o artigo para quando tiverem um tempinho para o ler:
https://www.vox.com/money/23733244/bullshit-jobs-work-employment-lazy-jobless-employed-nothing-to-do
Nas grandes corporações empresariais norte-americanas, o ambiente profissional é altamente exigente e valoriza-se enormemente o espírito de equipa e o cumprimento de objetivos comuns. Já todos vimos nos filmes de Hollywood, que certas práticas empresariais para reforçar o espírito de equipa, quase chegam a parecer rituais religiosos. Na América o “Team Building” é uma coisa à séria. Ainda assim, pelos vistos há muito quem se borrife nos objetivos comuns e na equipa e se vá safando sozinho conforme pode.
Em boa verdade, já é raríssimo que duas pessoas se
entendam entre si, quanto mais três, dez, vinte, cem ou mil. Vem tudo isto a
propósito da crescente importância que atualmente se pretende dar ao trabalho
colaborativo nas escolas.
Que nas escolas as pessoas cooperem umas com as
outras, é o expectável, uma vez que estamos todos no mesmo barco e temos de ser
uns para os outros. Contudo, colaborar é algo maior, muito mais vasto e intenso
do que somente cooperar. Pode acontecer que se colabore, mas é algo da ordem do
raro e não do comum e do expectável.
Para além de tudo o mais, colaborar é uma coisa
difícil, todos nós o sabemos. É preciso não só que estejamos todos no mesmo
barco a remar para o mesmo lado, mas também que queiramos ir todos para o mesmo
lugar.
Podemos ir no mesmo barco a remar para o mesmo lado,
mas irmos contrariados e remamos só porque tem de ser, pois logo à primeira
oportunidade saltamos fora e seguimos um outro rumo.
Em certa medida, o trabalho colaborativo é algo quase
da ordem da utopia. Quando e em que situação na vida é queremos ir todos na
mesma direção à procura de um mesmo lugar? Quase nunca. Às vezes queremos ir
dois, três, sete ou dez, a maior parte das vezes a cada cabeça sua sentença.
Não há muitas investigações sobre este tema, mas as que existem indicam-nos que genericamente há bastante cooperação entre os docentes, mas quase nenhuma colaboração. Não surpreende. Abaixo, deixamos-vos um link com uma investigação de um estudo de caso acerca do trabalho colaborativo entre docentes:
https://core.ac.uk/download/pdf/62690751.pdf
Colaborar vem do latim “laborare”, o que significa
trabalhar em conjunto. Cooperar vem do latim “operare”, o que significa
trabalhar conjuntamente. Enquanto “operare” é relativamente simples, requer
tão-somente que todos cumpram a sua parte e que não se atrapalhem uns aos
outros, “laborare” implica pensar, refletir e sentir. Em síntese, implica
sintonia entre as partes.
A colaboração requer uma imensa dose de partilha e de interação, muito maior do que exige a cooperação. Enquanto esta última consiste na simples (ou por vezes não assim tão simples) realização em conjunto de diferentes tarefas parciais de um todo, a colaboração exige que todos conjuntamente realizem o todo.
Digamos assim: na cooperação pode-se dividir as
tarefas do todo e cada um faz uma parte, na colaboração todos fazem todas as
partes.
A diferença entre cooperar e colaborar não é
imediatamente evidente, mas tentemos dar-vos um exemplo. Tentemos uma analogia.
Imaginem que adquirem um apartamento num prédio com um outro alguém. É
expectável que uma vez instalados, cooperem com os restantes condóminos do
prédio, ou seja, que façam a vossa parte: que ao entrar fechem a porta que dá
para a rua, que não sujem as escadas, que despejem o lixo às horas certas, que
não façam demasiado barulho às tantas da noite e que paguem mensalmente as
quotas do condomínio e assumam a administração quando chegar a vossa vez.
Já com o outro alguém com quem adquiriram o
apartamento, deseja-se que a coisa não se limite a uma simples cooperação, mas
que haja efetivamente uma colaboração, que entre os dois felizes proprietários
do imóvel haja sintonia e até harmonia, ou seja, que pensem, reflitam a ajam de
modo afim, e que sintam, se não de um modo idêntico, pelo menos equivalente.
Esperemos que a analogia tenha sido clara, e que a diferença entre cooperar e colaborar seja agora evidente. Ainda assim, para o caso de continuar a não o ser, abaixo deixamos-vos um “link” que explica de um modo técnico-pedagógico a distinção entre o que é trabalhar em cooperação numa escola e o que é trabalhar em colaboração:
http://cefopna.edu.pt/revista/revista_20/es_01_20.htm
Nas escolas, como em qualquer outra organização, a
cooperação é o que se pode exigir a qualquer um, ou seja, que cumpramos a nossa
parte, que não nos atrapalhemos uns aos outros e que, sempre que possível, nos
auxiliemos mutuamente. Colaboração é algo que não é exigível a ninguém, depende
de tantos e tantos imponderáveis, que é uma espécie de magia quando
efetivamente acontece, quando de súbito o todo é mais do que a simples soma das
suas partes.
O artista mexicano Damian Ortega trabalha
frequentemente tendo como premissa esta ideia: a de um todo maior que a soma das
partes. Abaixo, uma obra sua de 2002, Cosmic Thing.
Poderá parecer-vos que vamos agora mudar de assunto,
mas não, vamos só fazer um desvio. Há umas semanas atrás estivemos em Coimbra e
entrámos num antigo e venerável mosteiro do século XVII: o mosteiro de Santa
Clara-a-Nova. Foi nesse improvável local, que nos deparámos com a melhor obra
de arte do século XXI.
A classificação não é nossa. Foi o jornal britânico “The Guardian” quem recentemente decidiu eleger as 25 melhores obras de arte do século XXI “so far”. Em primeiríssimo lugar ficou “The Visitors” (2012) do islandês Ragnar Kjartansson. Foi precisamente com essa obra que nos deparámos ao entrar no mosteiro. Quem a quiser a ver, ainda o pode fazer até ao 16 de julho do presente ano.
https://geral.anozero-bienaldecoimbra.pt/anozero-soloshow23/
No mosteiro coimbrão há mais umas quantas obras de
Ragnar Kjartansson, para além de “The visitors”. São todas de uma enorme beleza
lírica e não há nenhuma imagem que possa substituir a experiência de se estar
efetivamente presente diante delas. Há sons, ecos, sombras e luzes que só se
sentem e pressentem aquando na sua presença.
“The visitors” consiste na projeção simultânea em
múltiplos ecrãs de diversos vídeos nos quais várias pessoas com diferentes
instrumentos, tocam partes de um mesmo tema musical. Cada um está isolado na
divisão de uma mesma casa, Rokeby, e ouve os restantes músicos através de
fones. Tocam durante mais de uma hora. As imagens foram capturadas em tempo
real e são hipnotizantes. Tudo acontece ao pôr-do-sol e a melodia é
intensamente melancólica. De quando em
vez cantam: “There are stars exploding around you / And there is nothing /
Nothing you can do”.
Rokeby é um local idílico, que se situa no verdejante e bucólico vale do rio Hudson, a cerca de 90 minutos de Nova Iorque. É uma casa histórica, propriedade dos atuais descendentes de Alida Livington, para quem foi construída em 1815.
“The visitors” foi concebida uns bons anos antes dos
isolamentos profiláticos causados pela pandemia e dos consequentes encontros
virtuais, no entanto, como que os antecipou.
Há quem queira ver a obra de Ragnar Kjartansson como a mais poderosa e pessimista metáfora do século XXI, um tempo em que cada um está isolado no seu espaço e só comunica através de ecrãs e doutros dispositivos tecnológicos.
Nós não a vemos assim.
O que vemos é uma poderosa e optimista metáfora da
magia que existe quando há colaboração e sintonia e tudo se alinha. Apesar de
“There are stars exploding around you / And there is nothing / Nothing you can
do”, ainda assim, há igualmente astros que rodam na mesma direção, que se movem
ao som da mesma melodia e criam preciosas harmonias celestiais, algo de raro,
mas que existe.
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