A maior, a mais útil e
a mais importante regra de toda a educação, não é ganhar tempo, mas sim
perdê-lo. A frase é de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o pai da pedagogia
moderna.
Em Portugal, como
certamente noutros lugares do mundo, há quem deteste Jean-Jacques Rosseau. Por
exemplo, a socióloga Maria Filomena Mónica usou para título de um seu livro a
expressão “os filhos de Rousseau”, que segundo a própria, remete para a
progressiva e nefasta influência da visão educativa rousseauniana nas escolas
públicas portuguesas.
Não vamos agora aqui
discutir as teorias educativas rousseaunianas, referimo-nos a Rousseau apenas
para falarmos das suas caminhadas. No seu célebre livro “Devaneios de um
caminhante solitário”, Rousseau, que adorava passear a pé, deixou que a escrita
vagueasse ao sabor das suas meditações.
Escreveu-o do mesmo
modo que passeava, ou seja, sem pressa, nem destino certo, mas deixando-se
fascinar pelo que lhe ia surgindo por diante.
Se Rousseau vivesse nos nossos tempos, certamente que não compreenderia as vidas apressadas que muitos de nós levamos, a correr de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Menos entenderia ainda, que haja crianças a fazer todos os dias correrias casa-escola, escola-casa.
No século XVIIl era
relativamente fácil passear ao acaso e pelo caminho encontrar belos recantos,
vastos horizontes, campos de flores, plácidos lagos e bucólicas povoações
campestres.
A natureza inspirava filósofos como Rousseau, mas também os artistas, que com tintas e pincéis a imitavam nas suas telas. Inspirava ainda os poetas, que com rimas cantavam os verdes campos de pastoris encantos.
As gentes de então nasciam, viviam e morriam em harmonia com a natureza, habitassem nos campos ou nas cidades, que não eram locais assim tão distantes e diferentes uns dos outros como o são nos dias de hoje.
Não raras vezes, os artistas representavam nas suas telas uma alegre pastorinha, um velho camponês ou os trabalhos agrícolas. Existia o tempo de semear, o das colheitas e tudo o mais que fazia com que os dias decorressem eternamente iguais.
Tal e qual como
Aristóteles tinha dito há milhares de anos atrás, na antiga Grécia clássica: a
arte imitava a vida.
No século XIX dá-se uma revolução industrial por quase toda Europa. A vida torna-se então mais agitada. O ritmo das fábricas não se coaduna com o da natureza. Onde antes se vivia pelo nascer e pelo pôr do sol, acompanhando as transformações próprias de cada estação do ano, passou-se a viver ao ritmo dos velozes ponteiros do relógio e dos intensos horários de trabalho das fábricas. Os tempos eram definitivamente outros.
Os comboios atravessam as outrora bucólicas paisagens, as chaminés lançam continuamente fumo para os céus, há despejos fabris nos rios, máquinas agrícolas invadem os campos, fios eléctricos riscam os horizontes e de repente, não mais que de repente, já nada era como sempre fora, tudo mudara.
No século XX vieram os automóveis e os aviões, as grandes construções com milhares de habitações e arredores com subúrbios imensos.
No século XXI outras coisas vieram, e seja no
campo ou na cidade, não mais foi possível passear e vaguear do modo como
Jean-Jaques Rousseau antes o fazia.
“Devaneios de um caminhante
solitário”, não é decididamente uma obra condizente com a época industrial, com
o século XX e nem também com este nosso tempo.
Em Inglaterra,
surgiram logo no século XIX, os primeiros movimentos políticos, sociais e
artísticos de protesto contra o quão feia, mecânica e irrespirável a vida se
tinha tornado.
Todos os dias o mesmo,
casa-trabalho e trabalho-casa, sem que nada mais houvesse, apenas a sujidade da
fábrica e a insalubridade da casa. Não era vida que se levasse. Por
consequência, movimentos como o Arts&Crafts defendiam um regresso urgente à
beleza e à natureza.
Desengane-se quem
pensar que esse retorno à natureza significava encerrar as fábricas e trazer as
populações de volta para os campos. Nada disso. Todos sabiam que isso era irrealizável.
O regresso ao belo natural, realizar-se-ia de um outro modo: através da arte.
Ou seja, criando peças artísticas, de mobiliário e de decoração que se
inspirassem na natureza. Peças que trouxessem beleza ao cinzento quotidiano
resultante da industrialização.
Os que protestavam não
se limitaram a fazê-lo, criaram peças manufaturadas com motivos naturais:
flores, árvores e bichos. Usaram a manufatura como alternativa à mecanização e
clamaram pela abolição da distinção entre artista e artesão.
Uma das poucas casas sobreviventes totalmente construída e mobilada sob a influência do movimento Arts&Crafts, situa-se no centro de Inglaterra, em Wolverhampton. Está agora classificada como património nacional.
Na fotografia abaixo,
podem observar-se alguns elementos decorativos característicos do estilo
Arts&Crafts. Pode também ver-se, um dos muitos retratos de Elizabeth Siddal
existentes nessa casa, uma musa inspiradora de muitos dos artistas desses
movimentos de retorno à natureza e à beleza.
Neste século XXI, as
cidades e os campos ingleses, como de resto de quase todo o ocidente, continuam
com um grande défice de arte e beleza. Apesar do ambiente já não ser tão
cinzento e a atmosfera tão irrespirável como nos primórdios da
industrialização, ainda assim, muito há por fazer.
Também os horários
laborais já não são tão violentos como nesses primeiros tempos, em que se
chegavam a cumprir 16 horas diárias de trabalho, seis dias por semana, sem
direito a férias.
Mas mesmo assim sendo,
há quem ainda todos os dias perca muitas horas com deslocações casa-trabalho e
trabalho-casa. Há quem igualmente as perca no caminho casa-escola e
escola-casa. Há também quem viva em lugares feios e mal-amanhados. Foi
essencialmente para todos esses, que há umas décadas surgiu a chamada arte
urbana, um modo de alegrar e embelezar um pouco o quotidiano daqueles que com
tanto ir e vir, pouco ou nenhum tempo têm a perder.
Os nossos alunos estão
na idade certa para aprenderem a perder tempo. A perder tempo na natureza,
fazendo um passeio no campo, na montanha ou num jardim. Mas também de perder
tempo a contemplar obras de arte, isto mesmo que o façam num museu de arte
moderna e contemporânea e vejam pinturas abstratas e instalações artísticas
particularmente inabituais.
Aristóteles tinha dito
há milhares de anos atrás, na antiga Grécia clássica, que a arte imitava a
vida, contudo, atualmente já não é assim, é precisamente o oposto: é a vida que
imita a arte.
Duvidam? Vejamos então
uns quantos exemplos, três que é a conta que Deus fez...
O primeiro:
O segundo:
E o terceiro:
Quisemos que os nossos alunos aprendessem a perder tempo nos percursos casa-escola e escola-casa e que sentissem como a vida imita a arte...
Guião de aprendizagem "Todos os dias o mesmo: casa-trabalho, trabalho-casa..."
https://drive.google.com/file/d/1uJ6ZA-0bNbyxh5OkFWcI-MY2xMBrKHrt/view?usp=sharing
Ficha de exploração "Todos os dias o mesmo: casa-trabalho, trabalho-casa..."
https://drive.google.com/file/d/1YOxW-ZwbFrGxu_dOaPZedlWGgja2ojYK/view?usp=sharing
Interessante a retrospetiva que fez das diferentes perspetivas estéticas desde a antiguidade aos nossos dias. Ela revela uma diversidade que é saudável e plural. A idade das trevas na arte provavelmente não foi na Idade Média, mas mais recentemente quando regimes autocráticos quiseram aprisionar e direcionar a produção artística para um fim, tal como o marketing e a -Pro pa gan da- no geral fazem nos nossos dias. Gosto de pensar que a arte, ao contrário da Natureza, não serve para nada e aí está a sua grande utilidade, fazer perder tempo...apelar para a interioridade.
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