Estávamos nós muito
entretidos da vida a fazer um relatório de autoavaliação inspirados por uma
canção da Tina Turner, quando subitamente nos vieram falar do duo constituído
por David Dunning e Justin Kruger. Talvez os nossos leitores nunca tenham
ouvido falar de Dunning & Kruger. É normal. Nós até há pouco tempo atrás,
também não fazíamos a mais pequena ideia de quem fosse tal duo.
Como dizíamos,
estávamos nós muito entretidos a fazer um relatório de autoavaliação, quando
uma passarinha nos pousou num dedo da mão e nos disse: lembrem-se do Efeito
Dunning-Kruger. O Efeito Dunning-Kruger? Replicámos nós com espanto e
admiração! Sim, disse a passarinha.
Como os nossos
leitores já terão percebido, esta ave falava, no entanto, não era um papagaio.
Era sim uma qualquer espécie exótica que aparentava ter vindo das mais
distantes terras do Extremo Oriente. Dissemos então assim, dirigindo-nos à
misteriosa ave: passarinha vieste tu da China, do Japão ou da Índia?
A passarinha
respondeu-nos prontamente: vim de Singapura. Nisto, bateu asas e voou. Seguimos
a passarinha com o olhar e vimos como a sua penugem se foi lentamente
dissolvendo e confundido com o azul celeste. Tal qual como tinha aparecido,
misteriosamente desapareceu.
Tendo a passarinha
partido, pensámos então de nós para nós mesmos, que isto de andarmos a dormir
pouco, não nos anda a fazer lá muito bem, e que talvez não fosse má política,
começarmos a levar uma vida mais saudável e descansada.
Nesse contexto,
ocorreu-nos também a ideia, que provavelmente umas massagens tântricas,
daquelas que privilegiam toques muito subtis, talvez pudessem ser benéficas
para melhorarmos a nossa harmonia interior e deixarmos de andar por aí a ver
passarinhas.
Decidimos que em breve
iríamos pensar nisso a sério, nas massagens tântricas bem entendido, e que logo
após termos terminado o relatório desencadearíamos os necessários procedimentos
para esse efeito.
Neste entretanto,
continuámos então a redigir o nosso relatório de autoavaliação, quando nos pousou
uma outra passarinha no mesmo dedo e nos disse: lembrem-se do Efeito
Dunning-Kruger. E nós: o quê, outra vez?
A passarinha
pareceu-nos ter ficado um tanto ou quanto melindrada com a nossa reação e fez
beicinho. Arrependemo-nos de termos sido tão bruscos e para a aligeirar o ambiente
pusemo-nos a fazer conversa fiada.
Ó passarinha vieste do Extremo Oriente, de Singapura? Perguntámos nós. E a passarinha respondeu-nos
que não. Que tinha vindo do Médio Oriente, mais concretamente, da cidade três
vezes santa de Jerusalém.
Como os leitores já
terão entendido, esta segunda passarinha, à semelhança da primeira, também
falava. Contudo, falava em hebraico. Era capaz de ser por vir de Jerusalém, que
por lá fala-se muito essa língua, foi à conclusão que chegámos.
Em qualquer dos casos,
como somos mais ou menos poliglotas, dominamos razoavelmente bem os tons e sons
da língua da cidade três vezes santa e bastou recorrermos ao Google Translator
de quando em quando, para nos entendermos perfeitamente.
Trocámos umas quantas
ideias sobre a vida em geral, a passarinha recomendou-nos alguns restaurantes
onde se come bem e barato em Jerusalém, e nós também recomendámos alguns locais
de Portugal onde a alpista fica em conta e as doses são bem servidas.
Feita a conversa de
circunstância, questionámos a passarinha sobre o que era isso do Efeito Dunning-Kruger.
A passarinha disse piu-piu, expressão universal que não necessitou de tradução,
bateu asas e voou.
Dissemos mais uma vez
de nós para nós mesmos, que talvez já não fôssemos lá apenas com umas massagens
tântricas. Que talvez houvesse uma forte probabilidade de estarmos mesmo a
ficar doidos. Levámos ambas as mãos ao rosto quase em desespero e rogámos aos
céus que não nos tirasse o juízo.
Afinal de contas,
perguntámos nós aos céus, que mal tão grande teríamos nós feito, para sermos
tão severamente castigados. Pedimos aos deuses celestes, que ao invés de nos
fazerem cair na loucura, nos punissem antes com algo mais leve, tipo com uns
desarranjos intestinais ou uma constipação.
Acendemos uma velinha
para que as nossas preces fossem ouvidas. Usámos um modelo de vela abaixo, que
pode ser adquirido no Centro de massagens tântricas de Olival de Basto. Há em
várias cores e formatos.
Ainda mal tínhamos
acabado de exprimir a nossa súplica, quando ouvimos uma grave voz vinda lá do
alto, que parecia ter origem por entre as nuvens. Uma constipação então será,
foi a frase proferida de modo lapidar pela voz.
Começámos
imediatamente com tosse e dor de garganta. Compreendemos que as nossas preces
tinham sido atendidas. Nisto, sentimos cócegas nos pés. Descalçámos os sapatos
e vimos duas penas que atrevidamente despontavam por entre os dedos de cada um
dos nossos pés. Uma no pé direito, outra no pé esquerdo.
A única conclusão a
retirar, era de que afinal de contas, não tínhamos perdido o juízo, as
passarinhas tinham realmente estado connosco. A constipação também era real,
pois que sentíamos uma ligeira febrícula, nada de muito cuidado, mas ainda
assim levemente incomodativo.
Ora bem, se estávamos
constipados e tínhamos conversado com as passarinhas, o passo lógico seguinte a
darmos, só podia ser um, irmos pesquisar à internet o que era o Efeito
Dunning-Kruger.
Estávamos convencidos
que o Efeito Dunning-Kruger seria uma qualquer espécie de medicação, que
combateria os efeitos psicológicos de se levar uma vida pouco saudável e nada
tranquila, e simultaneamente os irritantes sintomas das constipações ligeiras.
Pensámos para
connosco, que tal como Moisés tinha sido escolhido pelo Senhor para subir ao
Monte Sinai e aí receber as tábuas da lei, nós tínhamos sido escolhidos por
duas passarinhas para recebermos a boa nova, que um consórcio farmacêutico
internacional, com capitais provenientes de Jerusalém e Singapura, tinha
descoberto um novo medicamento que tratava ao mesmo tempo problemas
psicológicos e constipações.
Para nosso grande
espanto, não era nada disso. O efeito Dunning-Kruger era
afinal a designação científica do modo como pessoas com baixa habilidade para
uma determinada tarefa, ao se autoavaliarem, superestimam a sua competência
nessa mesma tarefa.
Na verdade, o Efeito
Dunning-Kruger é o que leva uma pessoa a pensar que é muito melhor a fazer isto
ou aquilo, do que na realidade é. O efeito Dunning-Kruger é medido comparando a
autoavaliação com o efetivo desempenho.
Todos os estudos nas
mais diversas áreas de atividade, nos demonstram que são precisamente as
pessoas com menos competências, aquelas que mais positivamente se autoavaliam.
Percebemos então que
as duas passarinhas tinham vindo até nós dos céus do extremo e do médio
oriente, para nos trazerem uma mensagem, a de que ao fazermos a nossa
autoavaliação, não nos poderíamos deixar afetar pelo Efeito Dunning-Kruger.
Mas nisto, como que
por magia, fomos transportados para uma praça de uma terra distante. À nossa frente
estava uma ameaçadora multidão com pedras da calçada nas mãos. Compreendemos
que tínhamos sido julgados por um qualquer crime que teríamos cometido, e que a
pena estava prestes a ser executada.
Perguntámos à
multidão, que mal tínhamos nós feito. Uma voz levantou-se para nos responder e
disse-nos: quantas vezes ao longo da carreira fizestes um relatório de
autoavaliação, em que exagerastes muito positivamente o vosso desempenho?
Quantas?
E nós respondemos
muitas, pois isso é o que toda a gente faz. A voz voltou a falar e disse, estais
aqui para serdes julgado e não para julgar, por isso calai-vos. Acrescentou também o
seguinte: pela lei de Dunning-Kruger, sois condenados ao apedrejamento público.
Compreendemos então
que se tratava de uma multidão de docentes. Decidimos apelar à sua compaixão:
colegas, tenham dó, todos vós já em algum momento se autoavaliaram muito
positivamente, certo? Não seremos nós caso único. Aquele que nunca pecou que
atire a primeira pedra.
Imediatamente
começaram a chover calhaus atrás de calhaus na nossa direção. Demos graças a
Deus da classe docente estar bastante envelhecida e a falta de vista ser um mal
que a muitos afeta. A pontaria revelou-se bastante fraca e apesar de uma ou outra
nódoa negra, escapámos relativamente incólumes ao castigo a que tínhamos sido
condenados.
Ainda mal refeitos do
susto, passa por nós um calceteiro que nos olha com desdém e nos diz: estais a
ver o lindo serviço que me arranjaram? Já vistes a estafa que vai ser refazer
todo o revestimento desta praça? Já pensastes nisso?
O calceteiro pega numa
pedra e arremessa-a violentamente contra nós, acertando-nos em cheio,
desfalecemos.
Subitamente,
despertámos e estávamos em frente ao ecrã do computador, onde se via aberto o
documento Word com o nosso relatório da autoavaliação. Não teria então tudo
passado de um sonho?
Isso era algo que jamais saberíamos, o que sabemos, era que como por magia, olhámos para o ecrã e vimos que o nosso relatório de autoavaliação estava concluído. Era uma coisa linda de se ver, até dava gosto olhar. Lá fora ouvia-se o piu-piu das passarinhas, espreitámos à janela e vimos que eram azuis. Pensámos para connosco que a vida é bela e pusemo-nos a cantarolar uma velha canção: Lullaby of birdland...
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