Graças a Deus que nestas férias ficamos todos por casa. Como muitos portugueses, de casa não saímos, de casa ninguém nos tira. Dito isto, vamos então ao quarto episódio da nossa série deste verão, “Como fazer turismo sem sair de casa”.
Nestes poucos dias, já viajámos por Itália, fomos a Londres e ao Japão. Se nesses mesmos dias, tivéssemos literalmente de fazer essas mesmas viagens, e não apenas metaforicamente a partir de casa, com a pressa que andaríamos, nem teríamos tido tempo para ver nada de jeito e estaríamos estafadíssimos.
Com o jet-lag, já nem havíamos de saber a quantas andávamos. Era chegarmos a um sítio, desfazer as malas e refazê-las rapidamente para partirmos imediatamente para outro local. Todavia, viajando sem sairmos de casa, podemos apreciar tudo com uma muito maior tranquilidade, não há cá correrias, nem check-in’s nem check out’s. Que bom!
E mais, se porventura quisermos, podemos ir e voltar a qualquer momento. Imaginem que neste preciso instante, sentiam um súbito desejo de ir visitar um dos anteriores destinos que antes aqui sugerirmos, não vos custava absolutamente nada. Não seria necessário nem passaporte, nem pagar taxas de aeroporto e nem sequer marcar hotel, era irem ler os episódios anteriores desta série e já lá estavam. É fácil e fica em conta.
Hoje vamos até à Cidade do México. Não se confundam, uma coisa é o México, outra coisa é a sua capital, a referida Cidade do México. Os mexicanos poderiam ter dado um nome mais metafórico à sua capital, tipo La Cucaracha, La Bombonera ou outra coisa qualquer, contudo, não estiveram para isso e decidiram ser práticos.
É uma cidade? É sim senhor. Fica no México? Fica sim senhor. Pois então chamar-se-á Cidade do México. Assim, direto, literal, sem mais nem porquês.
Se tivessem levado a coisa um bocadinho mais longe, poder-lhe-iam tê-la chamado Cidade Capital do México. Desse modo é que não havia dúvidas absolutamente nenhumas. Quando alguém perguntasse qual é a cidade capital do México, a resposta estava sempre na ponta da língua: é a Cidade Capital do México.
Com certeza que os nossos leitores se estarão a interrogar sobre a razão da nossa escolha, ou seja, se queríamos ir ao México, porque não termos antes ido para junto do mar, tipo para as lindas localidades de Cancún ou Acapulco.
Junto ao mar, há tantos e tão bons resorts de categoria, daqueles com piscina e tudo! Há mares de azul turquesa, cocktails tropicais e mariachis. Tendo nós tudo isso à nossa disposição, não fomos de modas, e escolhemos antes ir para para a Cidade do México. Uma cidade superpovoada com milhões de habitantes e com uma das mais altas taxas de criminalidade do mundo. Uma escolha incompreensível, concluirão os nossos leitores.
Que justificação temos nós para vos dar? Nenhuma. A bem dizer, se estão em vossa casa, o que vos importa realmente a vós, qual o destino que escolhemos. Tanto vos faz que tenhamos escolhido a Cidade do México, como a de Acapulco ou de Cancún, certo?
Mas para além disso, o que poderíamos nós dizer-vos de interessante sobre localidades à beira-mar onde só há resort’s? Que o buffet tem muita variedade e abre a horas? Que todas as manhãs há aulas de hidroginástica na piscina? Que está tudo muito limpo e asseado e o pessoal é super-prestável? Que as bebidas são all-included? Que fomos numa excursão a uma cidadezinha onde se vendem souvenirs típicos da região? Que a areia da praia é fina e branca e o sol brilha no céu?
Olhem, pronto, afinal acabámos por dizer tudo o que há para dizer. Involuntariamente, resumimos o que são as férias tropicais à beira-mar. Acreditem que são excelentes, não dá é para fazer mais conversa, do que esta que acima fizemos.
Assim sendo, vamos lá agora para o que verdadeiramente dá que falar, para essa gigantesca megalópe a que decidiram chamar Cidade do México.
Como estamos todos em casa, talvez não viesse a despropósito falarmo-vos de casas. Começamos então pela mais conhecida, La Casa Azul. Como já terão percebido, na Cidade do México, os nomes tendem a ser literais. É uma casa? É sim senhor. É azul? É sim senhor. Pois então chamar-se-á La Casa Azul, tal e qual.
La Casa Azul era o nome original da casa, atualmente chama-se Casa Frida Kahlo. Adivinhem lá porquê. Porque foi literalmente habitada por Frida Kahlo, claro está.
Habitou-a conjuntamente com seu marido, o grande muralista mexicano Diego Riviera.
É certo que atualmente a fama mundial de Frida Kahlo é de longe muito superior à de Diego Riviera, no entanto, quando ambos eram vivos, a situação era exatamente a oposta.
Foi durante a primeira metade do século XX, que nasceu um movimento artístico cujo sucesso internacional foi enorme: o muralismo mexicano.
E o que faziam os representantes desse movimento, ou seja, os chamados muralistas, entre os quais Diego Riviera era o mais célebre? Pintavam paredes.
Dada a tendência para a literalidade que já constatámos, estranha-se que os muralistas não pintassem muros, mas, como em todos os outros lugares do mundo, também na Cidade do México não há-de haver regra sem exceção.
Os muralistas pintavam paredes, mas não umas paredes quaisquer e sim as dos edifícios públicos de maior prestígio., como por exemplo as do Palácio Nacional.
Voltemos à La Casa Azul. O certo é que Diego Riviera parava pouco por lá, fazia muitos serões. Era mais o tempo que passava com amigos e amantes, do que propriamente no lar doce lar. Era boémio e artista, já se vê. Ou seja, era muralista, mas moralista é que ele não era.
Frida Kahlo, por outro lado, passava em casa a maior parte dos seus dias. Mas isso não significa que fosse uma santa, de vez em quando saía e ia dar uma volta. Os seus “affairs” são muito bem conhecidos. Sabe-se que teve vários casos, uns com homens e outros com mulheres. Em síntese, era casada com um muralista, mas tal como ele, também não era muito dada a moralismos.
A quem quiser ler todas estas histórias e outras mais, aconselhamos o livro “Diego e Frida” do Prémio Nobel francês J. M. G. Le Clézio.
Abaixo, um pormenor de um mural de Diego Riviera. À esquerda na imagem, Frida Kahlo.
Uma outra casa famosa da Cidade do México, é a que foi desenhada e habitada pelo grande arquiteto Luis Barragán. Trata-se da Casa Barragán pois claro. Que outro nome poderia ter?
Barragán foi um dos melhores arquitetos do século XX, sendo mundialmente respeitado por todos os “connaisseurs” do “métier”.
Nenhuma fotografia consegue transmitir a extraordinária beleza, luminosidade e simplicidade da arquitetura de Barragán, portanto, se verdadeiramente a quiserem apreciar sem sair de casa, da vossa entenda-se, não da dele, podem ver o pequeno documentário cujo link aqui fica:
Continuemos a deambular pela Cidade do México, dirigimo-nos agora para o bairro de Roma. Os mexicanos chamam “colonias” aos bairros. Porquê? Não sabemos.
“Roma” é também o título de um filme mexicano de 2018 que ganhou vários Óscares de Hollywood, incluindo o de melhor realizador. Algo raríssimo de acontecer, pois normalmente esses prémios são atribuídos a filmes norte-americanos.
Como todos já terão percebido, o título do filme, “Roma”, não se refere à cidade capital de Itália com o mesmo nome, mas sim a um bairro situado não muito longe do centro histórico da Cidade do México. É um bairro assim tipo classe média-alta, com muitas lojas, cinemas e cafés.
Um aparte, decididamente não percebemos as tergiversações onomásticas dos mexicanos. Ora são literais, ora não o são. Então não teria mais coerência chamarem ao referido bairro Cidade Capital de Itália? A nós parece-nos que sim.
Em qualquer dos casos, é um excelente filme. Um filme sobre um drama caseiro.
A história decorre nos tumultuosos anos de 1970 e 1971. A personagem principal é Cleo, uma empregada doméstica que trabalha na casa de Sofia e Antonio e cuida dos seus quatro filhos pequenos.
Antonio é médico e viaja muito para ir a congressos e conferências. A sua jovem secretária acompanha-o sempre. Sofia fica em casa para verificar se Cleo limpa tudo como deve de ser, cozinha a preceito e leva as crianças à escola a tempo e horas.
A determinado momento da narrativa, Antonio sai de casa contra a vontade de Sofia, claro está. Sofia diz às crianças que Antonio partiu numa longa viagem de trabalho. A verdade acaba por se saber e será Cleo o pilar sob o qual Sofia e os seus filhos constroem uma nova vida familiar.
Na cena final, Sofia diz a Cleo que há muita roupa para estender. E de facto há. Em casa há sempre tanto que fazer, para além de se limpar o pó, cozinhar, arrumar e lavar, até se pode viajar e fazer turismo.
Let’s look at the trailer:
E pronto, mais vez, sem que saíssemos de casa, viajámos para longe, para a Cidade do México, onde visitámos três casas: La Casa Azul, a Casa Barragán e a da família de Sofia e de Antonio, que no fundo era mais de Cleo do que deles.
Claro que não as visitámos literalmente, mas visitámo-las metaforicamente, o que é muito mais poético.
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