Se houvesse um ranking
dos melhores órgãos do corpo humano, estamos em crer , que ao contrário do que
sucede na educação, os públicos e os privados estariam mais ou menos
taco-a-taco. É certo que há muito quem aprecie órgãos mais públicos, como por
exemplo os olhos, que são a janela da alma, mas é igualmente certo que há
também quem muito estime os órgãos de carácter mais privado.
Dito isto, há órgãos a que não se liga nenhuma. É o caso do duodeno, que não é certamente o órgão favorito de ninguém. Se formos a fazer o ranking dos órgãos mais amados, dificilmente o duodeno estaria no Top-Ten ou até mesmo no Top 20. É pena.
Nos seres humanos, o duodeno é um tubo oco articulado com cerca de 25 a 38 centímetros, que estabelece a ligação entre o estômago e os intestinos. Não funcionando o duodeno como deve de ser, todo o sistema digestivo fica afetado e sentimos enjoos, mal-estar, dores de cabeça e outras coisas mais.
Por consequência, se o duodeno não estiver em boas condições, quer os órgãos públicos, quer os privados, ainda que indiretamente, serão também prejudicados. Constata-se assim a importância de órgãos aparentemente mais discretos e modestos, mas que tendo como função ligar várias partes, se tornam por isso fundamentais.
Daqui queremos deixar
um grande beijinho para o duodeno e assegurar-lhe que, pela parte que nos toca,
não está esquecido. Ao contrário do que sucede com a maior parte das pessoas,
para nós, o duodeno está bem juntinho ao nosso coração e nunca nos sai da
cabeça.
Mudemos o foco da conversa, não deixando no entanto de falar de ligações entre diversas partes.
Basta que façamos uma
breve pesquisa na internet, para percebermos o quão queridas são a articulação
vertical e a horizontal nos agrupamentos de escolas deste país. Se formos
consultar um dicionário on-line, verificaremos que dizer-se "as articulações", é
sinónimo de se dizer "as juntas".
As juntas são o
conjunto de elementos através dos quais os ossos se mantêm unidos uns aos
outros. Assim sendo, vamos inovar, substituamos a expressão “as articulações”
pela expressão “as juntas”, é tão mais elegante e apropriado ao tema... a junta
vertical e a junta horizontal, é bonito ou não é?
Nos agrupamentos de
escolas, a junta vertical faz-se de baixo para cima. É uma forma de fazer as
coisas tão boa como outra qualquer. O pré-escolar prepara os alunos para o 1°
ciclo, este prepara-os para o 2° ciclo, que por sua vez os prepara para o 3°
ciclo, que por fim, os prepara para o ensino secundário.
Por seu lado, o ensino secundário prepara-os para fazer os exames de acesso ao ensino superior. Uma vez passados os exames e lá chegados, as universidades e politécnicos, como corolário lógico de tudo isto, constatam e fazem-no saber através da comunicação social, que os alunos estão muito mal preparados.
Surpreendentemente, os alunos que terminam o ensino secundário e optam por não frequentar o ensino superior, também parecem estar mal preparados, pelo menos a avaliar pelo que dizem as associações de empresários. Segundo essas mesmas associações, adivinhem lá para é que os alunos que no ensino secundário frequentaram cursos profissionais estão mal preparados? Acertaram em cheio, para as suas vidas profissionais, pois claro está.
https://infogram.com/alunos-mal-preparados-1gvew2veglr8mnj
Dizíamos nós que a junta vertical, ou seja, aquilo a que nas escolas se chama a articulação vertical, aparentemente funciona em sentido ascendente, desde o pré-escolar ao 12° ano, mas em boa verdade funciona também em sentido descendente, vejamos como: se o ensino superior afirma que os alunos vêm mal preparados do ensino secundário, este não se fica atrás e diz que os alunos vêm mal preparados do 3° ciclo, que por sua vez remete a má preparação para o 2° ciclo, que passa a bola para o 1° ciclo, que a faz seguir, à bola bem-entendido, para o pré-escolar, que à falta de melhor, diz que o problema são as famílias, que não sabem educar os meninos e as meninas.
Feitas as contas, está
mais ou menos resumido o modo como funciona a junta vertical em parte dos
agrupamentos de escolas deste país. Passemos então à articulação horizontal, o
mesmo é dizer, à junta horizontal.
Uma coisa fica desde
já dita, quando pesquisamos a expressão "articulação vertical" na internet,
aparecem inúmeros sites dedicados ao assunto, já quando pesquisamos a expressão "articulação horizontal", o número diminui consideravelmente.
Ao contrário do que sucede noutras áreas de atividade, no que às juntas e às articulações diz respeito, a horizontalidade parece não ser a opção mais popular.
Não, desculpem lá mas
não é desse tipo de atividades horizontais em que estão pensar, de que aqui vos
falamos. Queríamos sim dizer, que por exemplo na pintura abstrata, a
horizontalidade é muito popular.
Deixamos-vos uma imagem
de um quadro do pintor norte-americano Kenneth Noland, para que possam gozar
dos prazeres cromáticos da sua arte. Aproveitem para desfrutar um pouco.
Já está? Então continuemos.
Fartámo-nos de
pesquisar na internet, até que conseguíssemos encontrar uma definição mais ou
menos jeitosa para a junta horizontal. Escolhemos esta: “A articulação
horizontal visa aferir objetivos/conteúdos, procedimentos, atividades e
estratégias adequadas ao nível de ensino grupo/turma em particular numa lógica
de harmonização e interação da aquisição de conhecimentos num mesmo patamar de
desenvolvimento.”
Imbuídos de um espírito pedagógico-cientifico, decidimos expandir o nosso campo de pesquisa e fomos para o terreno. Não propriamente para um agrupamento de escolas, mas sim para um outro tipo de estabelecimento. Um mais propício para certas investigações relacionadas com a horizontalidade. Pensámos que talvez nos fosse útil ter uma perspetiva transdisciplinar da coisa.
Chegados ao terreno, e
após uma avaliação diagnóstica da situação para vermos em que paravam as modas,
questionámos uma pessoa que nos pareceu mais adequada aos nossos propósitos e
que certamente também por ali andaria a realizar investigações
pedagógico-científicas. Perguntamos-lhe se porventura estaria disponível para
uma articulação horizontal.
Olhou-nos com
desconfiança. Esclarecemos educadamente que visávamos apenas aferir
objetivos/conteúdos, procedimentos, atividades e estratégias adequadas numa
lógica de harmonização e interação.
Olhou-nos ainda com maior desconfiança. Perguntámos-lhe então se não gostaria de estar connosco num mesmo patamar de desenvolvimento. A resposta foi absolutamente clara em termos pedagógico-científicos, ainda que deixasse algo a desejar em termos de rigor etimológico:
- Ganda palhaço!
Desta ida ao terreno, foi então possível concluirmos que relativamente a juntas ou articulações horizontais, não era com este tipo de conversas que lá íamos.
Na verdade, o problema
das juntas ou das articulações, quer as verticais, quer as horizontais, parece
ser análogo ao dos móveis do Ikea. As várias partes parecem que encaixam
facilmente todas umas nas outras, mas quando se vai a ver bem, aquilo é uma
complicação imensa capaz de fazer uma pessoa ir de caixão à cova.
Mas imaginemos que temos sucesso na tarefa que nos propusemos
realizar e que conseguimos que as várias partes do móvel encaixassem todas umas
nas outras. Ainda assim o que
obtivemos com isso?
Diríamos que um móvel prático, útil e funcional, mas um tanto ou quanto desengraçado, choco e desenxabido. Uma coisa que cumpre minimamente a função a que se destina, mas que é neutra e à qual falta alma.
Pensemos noutros móveis que eventualmente se destinem à mesma
função. Pensemos por
exemplo num contador do Ceilão que faz parte da coleção do Museu do Oriente em
Lisboa.
A função é quase a mesma, contudo, o contador trazido há séculos do Ceilão pelos navegantes
portugueses, tem uma história e, sobretudo, tem uma alma. Em cada uma das suas
gavetas entrevemos segredos bem guardados e mistérios que jamais se
desvendarão. Nada tem que ver com a insipidez fria do móvel anterior.
Ao olharmos para o contador do Ceilão, nele sentimos sabores e
odores de especiarias e mares nunca antes navegados. Vemos as rotas marítimas e
as imensas aventuras que ligaram Oriente e Ocidente. Sabemos que essas ligações não
eram tão-somente úteis e lucrativas, que havia mais. Havia uma
intenção de que as partes se articulassem, se conhecessem, se misturassem e se
miscigenassem.
As figuras
representadas no contador do Ceilão contam uma história bíblica. O artesão era
de oriente, mas a história que conta é do ocidente. Da junção das duas culturas
nasceu um novo estilo artístico, a Arte Indo-Portuguesa.
A conclusão é esta,
para que haja articulações úteis e funcionais, basta que se tente ligar as
diversas partes, mas para que haja articulações com alma, é preciso bem mais do
que isso. É preciso ir por mares nunca antes navegados, é preciso
aventurarmo-nos, experimentar novos sabores e odores, no fundo, é preciso que
aconteçam coisas tão estranhas, como ter o duodeno junto ao coração.
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