Às vezes no inverno, ao invés de ficarmos em casa agasalhados, saímos para a rua e apanhamos chuva, vento e frio, ficamos constipados ou até mesmo engripados, e é uma tristeza, temos tosse, febre e arrepios.
“Toda a infelicidade humana advém de uma só coisa, de não se conseguir permanecer sossegado no quarto”, já lá dizia o filósofo e matemático francês Blaise Pascal (1623-1662) na sua mais célebre obra, “Pensamentos”. Um livro póstumo no qual estão reunidas algumas das suas anotações e considerações sobre a vida, ainda que muitas delas incompletas.
Não temos a certeza que Pascal estivesse certo, mas não tendo nós ficado neste verão sossegados no quarto, ficámos por perto. Nestas férias não fomos longe, foi uma vida de monge, andámos pela sala, fizemos a toilette e, de vez em quando, fomos à cozinha e preparar uma baguette com uma folha de alface e pasta de atum, pois que também não andamos a fazer jejum.
Ficámos recolhidos, no entanto, e não obstante Pascal, temos viajado bastante. Não queremos contradizer o filósofo e matemático, mas esse é um prazer e um lazer estival do qual não vamos abdicar.
Por assim ser, neste décimo oitavo episódio de “Como fazer turismo sem sair de casa”, e ainda que ao arrepio da famosa frase pascaliana, vamos ao Rio, que é um sítio bem bacana.
O Rio é um lugar que se imagina exuberante, a pátria do sol eterno, dos banhos de mar, da música e das alegrias da carne. Uma cidade em que apetece sair para rua para apanhar ar e passear e onde há de tudo para se ser feliz. No entanto, nem sempre é assim.
Se olharmos para lá do cartão-postal, vemos que o Rio é um lugar de profundas melancolias. Facto que se anuncia em muitas das poesias de um dos seus mais estimados filhos, Vinicius de Moraes. Como por exemplo, quando ele num verso nos dizia que “Tristeza não tem fim, felicidade sim”.
Dado este verão já ir longo, e apesar de uma ou outra constipação, temos saudades de uma outra estação. Por isso não queremos hoje ser viajantes imaginários por um Rio de sol quente e brilhante. Queremos antes viajar por um outro lugar, ou seja, por um Rio friorento, tristonho e chuvoso. Uma cidade menos exuberante, mas mais aconchegada e terna, própria do outono ou mesmo do inverno.
Comecemos esta nossa viagem com Elizabeth Bishop, poeta errante, que chegou ao Rio em 1951 para passar 15 dias e ficou 15 anos. Tinha acabado de vencer um importante prémio literário norte-americano, o que lhe permitiu viver com um certo desafogo financeiro. Decidiu por isso viajar longamente por toda a América Latina, mas acabou por ficar-se pelo Rio de Janeiro.
Elizabeth Bishop não gostava particularmente do Rio nem dos seus calores, se ficou, foi por ter encontrado alguém por quem se perdeu de amores. Raramente saía de casa e muito embora compreendesse a formosura da cidade e o seu perfeito enquadramento com a luxuriante natureza circundante, ainda assim, não se rendia ao seu encanto.
No Brasil e por todo o lado, é comum dizer-se que o Rio é a cidade maravilhosa. Diante de tal adjetivação, Elizabeth Bishop contrapunha o seguinte: “Não é a mais bela cidade do mundo, apenas fica no mais belo lugar do mundo para uma cidade”.
Elizabeth Bishop escreveu um poema, provavelmente motivada pela sua viagem ao Rio, a que chamou “Questions of travel”. Em certo momento da poesia surge a seguinte estrofe:
'Is it lack of imagination that makes us come
to imagined places, not just stay at home?
Or could Pascal have been not entirely right
about just sitting quietly in one's room?”
São perguntas pertinentes que assustam muita gente, sobretudo os que se crêem viajantes. E se Bishop tivesse razão e precisar de se apanhar um avião para se conhecer um lugar, fosse apenas falta de imaginação?
Noutra passagem do mesmo poema, interroga-nos mais profundamente. Pergunta-nos se será mesmo necessário que vivamos os nossos sonhos? Será que não é suficiente que os sonhemos? Será que imaginá-los não é já o bastante?
“Oh, must we dream our dreams
and have them, too? “
Dantes, nós tenderíamos a responder que não a tal questão, que não nos basta a imaginação. Mas neste verão, em que tanto turismo temos feito a imaginar lugares a partir do nosso lar, conseguimos ver que há alguma razão em responder de um outro modo a essa interrogação.
Deixamo-vos um vídeo com a leitura completa do poema, ilustram-no paisagens nórdicas, altas montanhas geladas e também algumas praias desertas, mas mesmo não havendo nele imagens do Rio de Janeiro, vale a pena escutá-lo por inteiro:
Uma vez estabelecido que o Rio é uma cidade dada à melancolia, e não somente ao carnaval, à praia e à folia, talvez seja este o momento de nos recordarmos, que se em Portugal é agora verão, no Rio não.
Em termos de estação, andamos ao contrário. Enquanto por cá, logo desde maio se fazem ensaios para o estio, por lá, é partir desse mesmo mês que chove e faz frio. Claro que não é um frio gélido, daquele próprio para pinguins, mas ainda assim, serviu de inspiração para uma bela canção, “Rio de maio”, composta e cantada por Ivan Lins.
Agora sim, neste vídeo vimos finalmente imagens do Rio, ainda que vazio e com chuva e frio. Ouvimos também que há saudades de você e de mim, beijos em tardes sem fim e, como não poderia deixar de ser, também aparece o Tom Jobim.
Dito isto, achamos que podemos terminar esta nossa viagem por aqui. Mas talvez valha ainda a pena acrescentar uma outra melodia para ilustrarmos este nosso Rio pleno de melancolia.
Claro que poderíamos escolher uma das imensas canções de Tom Jobim, todavia, decidimos escolher algo mais moderno e que nos fale do inverno, um tema de uma banda carioca chamada Melim, “Gelo”.
No vídeo não há imagens turísticas do Rio debaixo de um clima quente, mas há rimas tão melancólicas e pouco ouvidas, como por exemplo “'Cê perde seu sono fica carente, tipo dog sem dono”:
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