Como é costume dizer-se, o que é preciso é que haja saúde. E pronto, desde que a haja, o resto, de uma forma ou doutra, lá se há de ir resolvendo. Feitas as contas, vai-se andando, que é outra coisa que é igualmente uso dizer-se. E, enquanto formos andando, menos mal, que é sinal que pelo menos de alguma saúde gozamos e de que, se Deus quiser e o diabo não atrapalhar, ainda nos vamos aguentar por cá mais uns tempos.
A saúde sempre foi um dos principais temas de conversa em Portugal. Se isso já há muito que assim era, após termos passado por uma pandemia, ainda mais assim ficou. Atualmente estamos bastante mais atentos aos problemas de saúde do que já antes estávamos. Não apenas aos que individualmente possamos sofrer ou vir a sofrer, mas também aos de saúde pública. Para o verificarmos, basta ir ler as notícias ou assistir diariamente aos telejornais em qualquer um dos canais.
Com efeito, há pouco tempo atrás, quem se iria sequer aperceber da notícia que a Associação Portuguesa de Epidemologia e a Sociedad Española de Epidemología se juntaram por estes dias no Porto num congresso conjunto, para discutir o tipo de epidemias que nos ameaçam?
Em princípio, há uns anos, este era o tipo de notícia que não interessaria a ninguém. A nós não nos chamaria de certeza absoluta a atenção. Era como se dessem notícias da apicultura, da obstetrícia ou da teoria quântica, entrava-nos por um ouvido e saí-nos por outro. Não que todas essas áreas não sejam importantes, porém, no nosso entender, são coisas mais destinadas a especialistas, do que propriamente ao público em geral, no qual nos incluímos.
Todavia, desta vez, as notícias relacionadas com o congresso conjunto da Associação Portuguesa de Epidemologia e a Sociedad Española de Epidemología captaram-nos a atenção. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
No dito congresso, uma das principais conclusões a que se chegou é bastante curiosa. Como veem, nos dias que correm, os congressos de epidemiologia, também podem despertar a nossa curiosidade. A conclusão a que nos referimos, é a de que a desigualdade educativa causa mais mortes que o tabaco!
Desta não estavam à espera, pois não? Esta surpreendente conclusão, baseia-se em extensos estudos realizados em Espanha, mas não em Portugal. Contudo, há indicações muito mais do que suficientes, para se acreditar que a situação é praticamente idêntica em ambos os lados da fronteira.
Apesar do congresso ter decorrido em Portugal, não sabemos de nenhum órgão de comunicação social nacional, que tenha dado a notícia desta conclusão. Enfim, o que ainda nos vai valendo para estarmos a par das novidades, é irmos lendo a imprensa internacional:
Para além do mais, esta epidemia (des)educativa está bastante estudada e noticiada em vários países europeus, e também norte e sul-americanos, sendo a conclusão geral semelhante por todo o lado, a saber: a falta de educação mata.
Abaixo um artigo do Washigton Post já de há uns anos no qual também se aborda esta temática:
Há inclusivamente números concretos que atestam a relação entre falta de educação e falta de saúde. Em termos estatísticos, calcula-se que em Espanha, por exemplo, as desigualdades educativas são a causa de 64.960 fatalidades por ano, ou seja, 10.188 a mais do que as causadas pelo tabaco.
Em Portugal não há estudos tão específicos e apurados, contudo, há gráficos que mostram uma clara relação entre a taxa de mortalidade e o nível de escolaridade. Quem quiser explorar mais detalhadamente essa relação numérica por idade e género, pode fazê-lo em:
Normalmente, ainda que nem sempre, em termos médios, as pessoas com um maior nível educativo possuem mais recursos materiais e financeiros. De um modo geral, possuem igualmente mais vastos conhecimentos e estão melhor informadas sobre a vida e o mundo e, por consequência, também sobre os temas relacionados especificamente com a saúde. Como é evidente, tudo isso contribui decisivamente para que quem mais estudou, tenha melhor saúde e uma maior esperança de vida.
Em boa verdade, nada disto parece ser uma grande novidade, dir-se-ia até que é algo do senso comum, todavia, o que estes estudos e conclusões verdadeiramente trouxeram de novo, é a constatação que as políticas de saúde pública se centram muito na promoção de estilos de vida saudáveis, como por exemplo nas restrições ao tabaco, sendo que, se existisse uma muito maior concentração na eliminação das desigualdades educativas, isso teria um efeito muito mais consistente, alargado e eficaz na saúde de todos.
Para além disso, saliente-se ainda uma outra conclusão retirada desses mesmos estudos, e que esta sim, não é absolutamente nada óbvia nem de senso comum: o nível educativo tem mais peso na saúde das pessoas, do que o nível económico. Genericamente, no que diz respeito a estar bem de saúde, ter mais dinheiro, não é tão determinante, quanto ter mais estudos e conhecimentos.
Aqui chegados, nada disto significa, que as escolas tenham agora de assumir ainda mais responsabilidades do que as muitas que já assumem, no sentido de promover a saúde pública e hábitos de vida saudáveis. Significa isso sim, que para que haja saúde, é absolutamente necessário implementar políticas e práticas que corrijam as desigualdades educativas.
Como todos sabemos e está amplamente comprovado, as raízes das desigualdades educativas são prévias à escola. Que durante a escolaridade as notas e classificações dos alunos reflitam essas desigualdades, isso é uma outra conversa. Porém, essa outra conversa não contraria em nada o facto destas desigualdades serem efetivamente prévias à escola.
Quem não tem acesso a livros, não vai ao cinema, a um museu, ouvir um concerto, visitar um monumento, ou nem sequer conversa ou passeia pela cidade, está imediatamente numa situação desigual relativamente a outros que tenham contacto com todas essas realidades, em síntese, é quase “natural” que tenha notas e classificações mais baixas.
Dito isto, a conclusão é simples e direta, mais do que qualquer outra coisa, a correção das desigualdades educativas, passa fundamentalmente por se implementarem medidas na escola e fora dela, que permitam corrigir as raízes desse mal, que incentivem verdadeiramente a ler livros, a ir-se ao cinema, a museus, a concertos, a monumentos e até a passear-se pela cidade. No fundo é simples, desde que haja saúde, consegue fazer-se.
Há quem queira confundir o corrigir-se as desigualdades educativas com aquilo a que chamam um ensino “exigente e rigoroso” para todos, normalmente, quem faz tais confusões apresenta o ensino privado como exemplo. Nós discordamos de tudo isso, e cremos que a solução para a correção das desigualdades educativas são os livros, os cinemas, os teatros, as pinturas, as esculturas, as músicas, os palácios e até às ruas. Cremos que o resto é apenas uma tentativa de nos atirarem fumo para os olhos.
Terminamos com uma canção: “Smoke gets in your eyes”:
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