Quando tal sucede, o docente vê-se perante um imbróglio quase irresolúvel. A melhor solução ainda é dizer que não importa quem é que começou, mas na verdade, isso nem sempre resulta lá grande coisa.
Este tipo de situações tanto se passam no recreio de uma escola com miúdos, como com as mais altas personalidades e, pasme-se, até com fantasmas. É de um desses casos, de que hoje vos iremos falar.
Aparentemente em Portugal, temos muito pouco com que nos entreter e preocupar, assim sendo, nesta “rentrée”, não havendo grandes novidades, não se arranjou nada de melhor, do que trazer para a ribalta mediática personalidades literárias oriundas do século XIX.
Na primeira quinzena de Setembro houve uma forte polémica no Porto por causa de uma estátua que homenageia o escritor oitocentista Camilo Castelo Branco. Nesta segunda metade do mês, a polémica centrou-se num outro escritor da mesma época, em Eça de Queiroz e na trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional.
O mundo espanta-se e já há artigos em jornais internacionais que se questionam sobre o que se estará a passar em Portugal, para subitamente as atenções mediáticas se terem virado para o século XIX.
Mas com certeza que não é só lá fora que haverá espanto, cá por dentro também não hão de ser poucos, os que se questionam sobre a muita importância mediática que se tem dado a tais assuntos. Tanto mais peculiar é esta situação, porquanto é raríssimo que às obras literárias dos ditos escritores, seja dado qualquer destaque na comunicação social.
A todos os que estranham esta situação, apenas dizemos que nada têm a temer, pois nós somos uma espécie de “Ghostbusters” e estamos aqui para lidar com os fantasmas de Eça de Queiroz e de Camilo Castelo Branco, que de repente ressurgiram cá neste mundo e não se deixaram ficar sossegados lá do outro lado.
A primeira coisa que um “Ghostbuster” precisa saber para lidar com estes fantasmas, é que em vivos, Eça e Camilo foram rivais literários. As páginas que nos deixaram revelam grandes diferenças de estilo, mas também de personalidade e gosto. À distância, Camilo e Eça liam-se e criticavam-se. À época, a polémica entre os dois e à volta de ambos ganhou proporções tais, que passaram a ser vistos como grandes adversários.
O segundo ponto que é importante ter em mente, é que há coisas que nunca mudam, sendo uma delas a rivalidade. Uma vez alguém criando uma forte embirração com um outro alguém, em princípio é para a vida inteira e, por vezes, até para além dela. Há rivalidades, como parece ser no presente caso, que se prolongam para lá do caixão.
Em nosso entender, aquilo ao que atualmente estamos a assistir, é precisamente a uma rivalidade que ressurge das trevas, mais de um século depois de ambos os rivais terem desta vida desaparecido.
A única explicação lógica para em setembro de 2023 se dar tal importância a uma estátua de Camilo e aos restos mortais de Eça, só pode ser que a rivalidade entre os dois está muito acesa lá no outro mundo e acabou por transitar para este. Razão pela qual, a resolução do problema terá de ser entregue a especialistas, a “Ghostbusters”.
Ninguém nos tira da ideia, que esta última e recentíssima polémica mediática com a trasladação dos restos mortais de Eça para o Panteão Nacional, é uma resposta direta do fantasma de Eça à polémica do início de mês com a estátua de Camilo.
Lá no lugar onde se encontra no outro mundo, o fantasma de Eça há de ter pensado de si para consigo, "então o Camilo teve direito a uma enorme polémica em pleno século XXI e para mim não há nada?"
Vai daí, não se quis ficar atrás, não esteve com meias medidas, e lá arranjou modo de também ele ter direito à sua polémica cá neste mundo.
Acerca disto temos poucas dúvidas, o fantasma de Eça teve ciúmes da atenção que os jornais e a televisão estavam a dar ao Camilo e quis igual destaque para si.
Convencidos disso mesmo, chamámos os fantasmas de Eça e de Camilo para resolvermos o conflito e deixarem de nos andar a assombrar em pleno século XXI.
Como já esperávamos, o fantasma de Camilo disse imediatamente: “Foi ele que começou. É um invejoso, não pode ver nada que não queira logo também. Então não posso ter uma polémica mediática só para mim, que ele quer logo ter uma para si?”
Estávamos tentados a concordar com o Camilo, de facto não havia necessidade nenhuma de termos duas polémicas oitocentistas num só mês. Todavia, o fantasma do Eça contrapôs com os seguintes argumentos: “Não senhor, foi ele é que começou”.
Segundo o fantasma de Eça, em 1901, após a sua morte, foi-lhe erguida uma estátua, que ainda hoje se encontra perto do Chiado em Lisboa. Na base da estátua consta a seguinte inscrição: “Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”.
Ao que alegou o fantasma de Eça, o fantasma de Camilo, despeitado, terá afirmado que a moçoila nos braços do rival não era a Verdade, mas sim a sua irmã, a Mentira.
A isto, o fantasma de Camilo disse que era tudo mentira, que não tinha dito nada disso. Que o Eça era um grande invejoso, que não se podia ter uma polémica mediática só para si, que ele tinha logo de arranjar maneira de também ter a sua.
O fantasma de Eça retorquiu assim: “Invejoso? Eu? Quem diz é quem é.” Mas não se ficou por aqui, acrescentou ainda o seguinte: “Não podia eu ter uma estátua em que estivesse a agarrar a nudez crua da Verdade, que tinhas logo tu também de fazer com que te arranjassem uma estátua nua para te alambazares, à mão-cheia, às bordas fartas de um rabo!”
Bom, afinal concluímos que não damos para "Ghostbusters". Com meninos deste calibre não conseguimos. Talvez um professor consiga...
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