É chato, mas nós temos a solução para a falta de professores. Acreditem que é verdade. Há um enorme contigente de gente onde se poderia recrutar imenso pessoal docente. Que gente será essa? Interrogar-se-ão os nossos leitores. A nossa resposta é simples, são precisamente os chatos!
Talvez tal solução vos pareça estranha, contudo, se nos lerem com atenção, verão que no final hão de concordar connosco, que os chatos são gente cheia de vontade e bem capaz para trabalhar na educação.
Não sabemos se já repararam, mas os chatos estão constantemente a querer educar-nos. Apanham-nos desprevenidos e começam imediatamente a elucidar-nos sobre como devemos agir e pensar relativamente a um determinado assunto.
Pensemos por exemplo naqueles chatos, que precisamente no momento em que nos estamos a deliciar-nos com um farto cozido à portuguesa, se põem a educar-nos sobre o quão prejudiciais são as carnes vermelhas e os enchidos para a nossa saúde. Então não era de se aproveitar tais criaturas e pô-las a dar aulas numa escola, ao invés de nos andarem a chatear durante o nosso repasto? Era ou não era?
Se a nossa ideia fosse levada para a frente, certamente que não faltariam chatos em nenhum dos grupos de recrutamento. Não há só quem nos chateie com lições sobre saúde, há também quem seja tremendamente chato quando o tema é a economia ou a política.
Que haja discussões sobre política e economia é um bom sinal e um sintoma que se vive numa sociedade madura e democrática, o problema é quando alguém (um chato) não quer propriamente discutir, mas sim educar-nos e dar-nos lições sobre tais assuntos.
Também não faltariam chatos para lecionar educação física. Mas há lá coisa mais aborrecida do que alguns frequentadores de ginásios, vá Deus saber porquê, insistirem em nos fazer uma aprofundada descrição dos melhores exercícios para perdermos a barriga ou para ficarmos com os glúteos mais firmes? Não era de recrutar toda essa abundância verbal para o desporto escolar? Cremos que sim.
E então e os chatos das ciências e das tecnologias? Safa, que esses são demais. Quando começam a falar usam termos, siglas e expressões técnicas que nós, pobres ouvintes, não fazemos a mais pequena ideia do que significam, todavia, isso em nada os detém. Avançam ferozmente com as suas explicações científicas e tecnológicas, mesmo que ninguém as tenha pedido, como se fosse para todos evidente aquilo de que falam, quando quem os ouve nada percebe do que estão para ali a dizer.
Se fossem para uma sala de aula, se calhar também não se conseguiriam explicar, porém, uma coisa era certa, conseguíamos ir ao café beber uma bica e estar mais sossegados.
Não queremos nós agora ser também chatos e portanto presumimos que já todos perceberam o nosso ponto, não havendo necessidade de nos alongarmos com mais exemplos. Quer seja nas áreas que já referimos, quer seja no português, na matemática, na história ou em qualquer outra disciplina, de certeza absoluta que se encontram imensos chatos para se recrutar para o serviço docente.
Mas como reconhecer e recrutar um chato? Não existe qualquer necessidade de se recorrer a concursos. As pessoas chatas são fáceis de se encontrar, são aquelas que nos entediam permanentemente com as suas conversas. Poderão até ser pessoas trabalhadoras, honestas, prestáveis e tudo o mais, mas lá por causa disso, não deixam ainda assim de ser maçadoras.
Poder-se-ia definir uma pessoa chata como aquela que tem arreigadas convicções acerca de um qualquer assunto e faz absoluta questão que nós saibamos que as tem. Normalmente, uma pessoa chata está perfeitamente convencida que é conhecedora da “verdade” acerca de um tema e sente-se na obrigação de partilhar esse seu conhecimento verdadeiro com quem pouco ou nenhum interesse tem por isso.
Se resumirmos numa frase o que é ser chato, dir-se-ia que é alguém que acredita deter e saber “a verdade” sobre um qualquer assunto e não consegue coibir-se de educar quem apanha pela frente, expondo-lhe a todo e a qualquer momento a sua sabedoria.
Provavelmente, os nossos leitores estarão agora a pensar de si para consigo, se será mesmo aconselhável trazer os chatos para dentro das escolas. A nossa a resposta é que sim. Os chatos possuem uma vontade irreprimível de educarem os outros, portanto, no que toca a empenho e motivação, a coisa está mais do que garantida. O único problema consiste em que os chatos acreditam mesmo que sabem “a verdade”, seja esta sobre história, ciência, economia, educação física ou qualquer outra disciplina curricular. Mas também para isso, nós temos uma solução: formação
A ação de formação de curta duração (que é para não chatear muito) que proporíamos a todos os chatos que enveredassem pela carreira docente, teria como objetivo que eles compreendessem que “a verdade” é uma coisa muito sobrevalorizada e que provavelmente nem sequer existe.
Na verdade, “a verdade” é uma espécie de fake-news. O que existe são “as verdades” e não “a verdade”. Citando Jean-Paul Sartre: “Chacun sa vérité".
Começaríamos a formação com uma breve resenha histórica, na qual se explicaria aos futuros docentes que a sobrevalorização de “a verdade” terá começado com o oitavo mandamento da lei de Deus, no qual se diz: “não levantarás falso testemunho”.
Mas dito isto, continuaríamos a formação com os mais recentes estudos de antropologia evolutiva, nomeadamente os do conceituado Professor Volker Sommer do University College of London. Esses estudos demonstram-nos que “a verdade” não é assim tão importante, pois até entre os primatas, são aqueles que sabem lidar com “as verdades”, quem melhor se integra e mais apreciado é pelo seu grupo.
Saber que não há “a verdade”, mas sim uma pluralidade delas, obriga-nos a colocar-nos no lugar do outro, reforçando assim a empatia e a coesão entre todos. Mas mais do que isso, a antropologia evolutiva conclui que mesmo a mentira favoreceu mais a sobrevivência e o desenvolvimento da espécie humana, do que “a verdade”.
Com efeito, pela observação dos primatas verifica-se que os elementos que melhor “mentem” e sabem manipular os outros para obter mais comida para si próprios com menos esforço, são os que podem dedicar mais tempo às atividades reprodutivas, contribuindo desse modo para a continuação e propagação da sua espécie. Em conclusão, em termos antropológicos, “a verdade” só atrapalha.
A quem quiser aprofundar o assunto, aqui deixamos um pequeno documentário:
Para se concluir a formação dos chatos e transformá-los em docentes atentos às múltiplas verdades, terminar-se-ia com um momento lúdico, uma sessão de cinema em que seria exibido o filme “A invenção da mentira”.
A narrativa acontece numa realidade alternativa onde a mentira não existe, toda a gente, mesmo os políticos e publicitários, diz a verdade. Mas quando Mark, o personagem principal, descobre a mentira, percebe subitamente as suas vantagens. Num mundo onde cada palavra é tida como sendo “a verdade”, Mark consegue chegar à fama e ao sucesso através da mentira. Aqui fica o trailer:
E pronto, chegámos ao fim. Era ou não verdade o que anunciámos no início, ou seja, que temos a solução para a falta de professores?
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