Estávamos à beira do precipício, mas tomámos a decisão correta, demos um passo à frente… ( 1ª parte)
Há hábitos matinais que gostamos de cultivar. Durante os dias úteis da semana, não há nada como acordarmos ensonados pela manhã, depois de uma noite mal dormida, levantarmo-nos da cama para ir trabalhar, e ainda meio estremunhados, começarmos o dia embatendo com a cabeça numa porta, entalando um dos dedos das mãos numa gaveta ou entornando uma chávena de café quente por cima de nós.
Tais pequenos incidentes matinais não nos causam maior dano do que um mero galo na testa, uma simples nódoa negra ou uma leve queimadura, no entanto, deixam-nos logo super bem-dispostos pela manhã. Não estamos a ser irónicos, optimisticamente acreditamos que a partir desses desastrados momentos, o dia daí para a frente só nos pode correr bem, pois que o pior já passou.
Mas sendo sábado e não dia útil, há um outro hábito matinal que gostamos igualmente de cultivar, o de ler o jornal. Apesar do digital, aos fins de semana continuamos a preferir lê-lo no seu formato tradicional, ou seja, na edição impressa em papel adquirida num quiosque local.
A ler jornal, cada qual tem as suas taras e manias. Há quem comece a lê-lo de trás para a frente. Outros abrem-no diretamente na seção dedicada ao desporto. Muitos adoram saber imediatamente o que se passa com as celebridades e com as gentes da alta sociedade. Enquanto também há os que preferem iniciar a leitura dos periódicos pela meteorologia ou pelos horóscopos. Quanto a nós, por onde gostamos de começar é pela seção dedicada à educação.
Por há muito termos esse hábito matinal, uma coisa vos podemos garantir, seja em que publicação for, desde a mais sensacionalista até à mais intelectualmente sofisticada, as notícias sobre educação são sempre más. Lê-las é uma maneira tão boa como outra qualquer de começar um dia de descanso cheios de vigor e alegria.
Por exemplo, neste sábado de manhã, ao percorreremos as secções sobre educação dos vários jornais nacionais, verificámos que o tema quente da atualidade educativa são as divisões internas do sindicato STOP. Aqui ficam alguns títulos de hoje, que são ilustrativos da situação:
Correio da Manhã - “Guerra pelo poder divide sindicato de professores.
Braço de ferro entre dois setores é comparado às purgas do tempo de Lenine e Trotsky”
Público - “Guerra aberta no Stop. Pestana avança com destituição da direcção de que faz parte”
Observador - “S.TO.P. ou S.T.A.P.? Quem vai ganhar a guerra que se instalou no sindicato de André Pestana? Acusações e política vão à AG deste sábado”
Depois de passarmos o início da manhã a lermos estas várias notícias, concluímos que não fazemos a menor ideia acerca de qual das facções internas do STOP terá razão. Ainda assim, valeu a pena o bocado passado.
Dito isto, há uma coisa que sabemos mesmo que porventura não tivéssemos lido os jornais, ou seja, que quando uma organização entra em guerra interna, isso é inevitavelmente um mau sinal e significa que algures no tempo houve uma qualquer falha, para não dizer um grande falhanço.
Distintas opiniões, discussões e pontos de vista diferentes são coisas saudáveis e naturais em todas as organizações, entrar em guerras abertas consigo mesmas, isso é que já não.
Como os nossos leitores hão de imaginar, as nossas manhãs não se esgotam em atividades como bater com a cabeça na porta, entornar o café ou ler os jornais, há mais. E o mais que há, é que após todo esse bulício, nos pomos a refletir e a pensar.
Ao dia de hoje, a nossa mente deteve-se numa inovadora distinção conceptual. Veio-nos à ideia que uma coisa são falhas, outra coisa são falhanços. Bem podem ir à procura de tal distinção no dicionário que não a encontram, acabámos nós de a inventar.
As falhas mais não são do que as etapas sucessivas de um caminho a percorrer. Antes de começar a andar, uma criança dá os seus primeiros passos e falha, cai, levanta-se, volta a falhar e a cair e a levantar-se, até que um dia caminha por si só. O mesmo acontece com qualquer um outro processo de aprendizagem: falha-se, cai-se, tenta-se novamente, falha-se outra vez e por fim, consegue-se. Foram muitas as grandes descobertas científicas feitas através de tentativa e erro, foram muitos os feitos conseguidos após sucessivas falhas, até aqui tudo bem.
Já os falhanços são uma coisa diferente, pois não são propriamente etapas de um caminho, mas sim o fim da linha: The End, Kaput, Finito, Rien ne va plus. Falhanços são portanto aquelas situações diante das quais não há volta a dar-lhes. São algo de tão estrondoso, monumental e clamoroso, que uma pessoa fica pasmado a olhar para o dia de ontem sem saber bem o que fazer a seguir.
Quando há uma falha, a gente levanta-se, segue caminho e tenta outra vez até conseguir, já quando há um falhanço, pensa logo que o melhor é deixar-se estar sossegado.
Para caucionar a nossa conceptualização relativamente à distinção entre falha e falhanço, recorremos a Homer Simpson, que na sua enorme sabedoria definiu claramente as consequências de um falhanço quando um dia disse assim: “You tried your best and you failed miserably. The lesson is, never try.”
Mas os nossos pensamentos não se ficaram por aqui, já que íamos lançados, continuámos em frente. Provavelmente os nossos leitores já em alguma ocasião se terão deparado com uma expressão motivacional muito em voga nos últimos tempos: “Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor”.
Atualmente, professores, psicólogos, coachings emocionais, treinadores desportivos, diretores, personal trainers e uns tantos mais, usam-na abundantemente tentando assim incentivar e motivar quem os escuta. Tais palavras foram originalmente redigidas pelo dramaturgo existencialista Samuel Beckett (1906-1989), o principal autor do chamado teatro do absurdo.
Estando em posse de tal informação, dir-se-ia que houve ou um enorme equívoco ou um roubo imenso, ou seja, os “motivadores” apropriaram-se da expressão de Samuel Beckett, retirando-a de modo avulso do seu contexto original. Com efeito, o tom das palavras de Beckett nada tinha de motivador, muito pelo contrário, a intenção que estava presente nas suas palavras era a de escrever sobre o quão absurda é a nossa existência e que o pior ainda está para vir.
A expressão “Try again. Fail again. Fail better.” faz parte de uma obra de Beckett de 1983 intitulada “Worstward Ho”. A inspiração do autor para a compor veio de um verso de Shakespeare:
"And worse I may be yet. The worst is not
So long as we can say ‘This is the worst.’
Chegados assim ao meio da manhã de sábado entretidos com os jornais, com questões sindicais, com distinções conceptuais e com expressões existenciais, só nos faltava um pouco de cultura para abrilhantar o início de fim de semana, consequentemente, vamos então às questões culturais.
Comecemos com uma exposição que tem percorrido as principais cidades mundiais. Atualmente, encontra-se em Washington. Conforme a cidade conforme o título da exposição, na América chamaram-na de Museum of Failure. O objetivo da mostra é dar a ver aos visitantes produtos comerciais que foram autênticos fiascos. Falhanços totais como por exemplo o garfo na imagem abaixo.
Curiosamente, quando a exposição esteve patente em França, mais concretamente em Paris e em Saint-Etienne, os organizadores usaram como mote a frase de Samuel Beckett “Essayez encore. Rater encore. Rater mieux .”
Para além disso, lançaram também um interessante “Dossier Pédagogique”, para que os estudantes e docentes explorassem todas as vicissitudes próprias de um “flop”.
Aqui fica para quem o quiser aproveitar:
Amanhã é domingo, sendo portanto um dia perfeito para continuarmos a refletir sobre falhas e falhanços com uma segunda parte deste texto intitulado “Estávamos à beira do precipício, mas tomámos a decisão correta, demos um passo à frente…”
Por hoje, e mesmo para terminarmos, um momento musical, os Beatles com o tema “I’m a loser” Que vem mesmo a propósito:
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