Interessa-nos muito os pequenos abusos de poder de gente subalterna, a grande corrupção dos poderosos, os lamentáveis hábitos criados pelas redes sociais, a imbecilidade presente em certas novas palavras, a falta de urbanidade, os preconceitos de alguns e a invasão da televisão por programas completamente obtusos.
Por assim ser, gostamos de ler as crónicas do enormíssimo escritor espanhol Javier Marías (1951-2022), a quem tudo isso também muito interessava. Algumas delas estão compiladas no livro “Juro não dizer nunca a verdade”.
Há romances imensos de Javier Marías que se tornaram clássicos instantâneos. Todavia, não é da sua contribuição para a literatura de que hoje vos vamos falar, ainda assim, não queremos avançar para outros assuntos sem antes vos aconselhar a leitura de uma das suas ficções de que mais gostamos: “Os enamoramentos”.
Nos seus escritos, Javier Marías não dedica muitas linhas à escola, no entanto, as que dedica revelam claramente a sua visão da vida. O autor considera que a escola é como um mundo e aquilo que atualmente se designa como socialização, e que dantes se chamava aprender a conviver com os outros, é uma das coisas mais importantes que ela nos pode ensinar: “A escola é um microcosmo que reúne todos os tipos psicológicos: o covarde, o nobre, o bruto, o cruel... é essencial para se conhecer as pessoas.”
No nosso modo de pensar, aprender a conhecer os outros é provavelmente uma das mais importantes aprendizagens que alguma vez realizaremos em toda a nossa vida. Se o aprendermos desde crianças, vamos saber de quem gostar, a quem amar, a quem ajudar e com quem rir e chorar. Mas saberemos igualmente a quem devemos ignorar ou evitar e, eventualmente, até aqueles contra os quais vale a pena lutar.
Quem não aprendeu desde cedo a conhecer os outros, só por milagre terá uma vida minimamente feliz, a probabilidade de por ausência desse conhecimento vir a ter uma vida inteira de enganos e equívocos é altíssima.
Os outros às vezes são maus outras vezes são bons, e há também quem pareça ser sempre mau e quem aparente ser sempre bom. Uns agem como heróis, mas também há os que agem como bandidos e ainda os que simplesmente vão andando sem mais nem porquês. Há aqueles com quem gostamos de estar e os de quem nos afastamos, em síntese, entre os outros, há de tudo e com tudo vamos ter de conviver.
Havendo de tudo, aprender a socializar, ou seja, o que antes se chamava aprender a conviver, significa saber como viver com a excelente pessoa, com o hipócrita, com o forte, com o fraco, com o altruísta, com egoísta, com quem gosta de nós e com quem nos detesta e também com quem gostamos e com quem detestamos. Seja lá como for, temos de arranjar modos de com todos conviver, nem que com alguns esse convívio não vá além de um “bom dia” ou “boa tarde”.
Isto era algo que dantes as gentes aprendiam de pequenino, e desde o senhor doutor juiz até ao taberneiro, todos sabiam que iriam ter pela frente o que de bom e de mau as pessoas teem. Porém, atualmente, e cada vez mais, parece querer educar-se as crianças protegendo-as excessivamente e fingindo-se que as pessoas más, antipáticas, mal-educadas e chatas não existem, ou que se existem, estão num mundo à parte.
Contudo, não é nada disso que as crianças, futuros adultos, vão encontrar pela vida fora. Na escola, na vizinhança, no emprego, na praia, no restaurante e por todo o lado, assim como vai haver pessoas boas, prestáveis e agradáveis, vai também haver gente má, desagradável ou simplesmente entediante, e tudo isso são situações com as quais deviam saber conviver.
Digamos que uma das características de se ser adulto, é precisamente saber conviver, ou seja, como se atuar e reagir perante quem se tem diante de si. Há “falsos adultos” que se põem com brincadeiras despropositadas e também os demasiado sérios que nunca riem e só fazem birras, mas os “verdadeiros adultos” sabem que há um tempo certo para tudo. Foram-no aprendendo desde pequenos.
A esse propósito, citemos novamente Javier Marías : “…deixou de se educar as crianças para que se tornem adultos. Pelo contrário, os adultos da nossa época são educados para continuarem a ser crianças.”
Há muitos “adultos” hoje em dia que só leem o que não põe minimamente em causa aquilo em que acreditam e que recusam tudo o que eventualmente possa contrariar o que pensam. Tal como crianças, vivem num mundo de fantasia no qual os factos nada importam. São tantos, que conseguem inventar conspirações que se propagam velozmente pelas redes sociais e, em certos países, até presidentes elegem.
Ainda há uns anos, era expectável que um adulto soubesse perfeitamente que quando inventa uma mentira descarada, a possibilidade de vir a ser descoberto e de existirem consequências era enorme. Era algo que se aprendia em criança. Agora parece que já não, que se perdeu essa noção.
Contamos-vos um caso exemplar de um professor da Faculdade de Direito de Lisboa, que também escreve abundantemente nas redes sociais e nos jornais. Tendo discordado do cronista Pacheco Pereira relativamente ao que este último opinou acerca da situação no médio-oriente, decidiu então escrever e publicar por todo o lado, que o Pacheco Pereira estava ao serviço do Irão e que recebia avultadas compensações por isso.
O cronista não se ficou e pôs uma ação na justiça por difamação. Por estes dias, o caso começou a ser julgado e ao referido professor de direito, mais não lhe restou do que desculpar-se e confessar que pura e simplesmente inventou o que tinha publicado. Em resumo, tudo não passou de uma criancice.
Não conhecemos o dito professor de direito de lado nenhum nem nunca tínhamos ouvido falar de tal personagem, todavia, estamos em crer que muito provavelmente é alguém que não cresceu. E não terá crescido, porque logo em pequeno nunca aprendeu a conviver com os outros. É uma opinião nossa e não um facto que estejamos a afirmar, e também essa é uma distinção que muitos já não conseguem aceitar.
Foi esta semana divulgado um estudo da OCDE "Education at a Glance 2023". Este estudo analisa o estado da educação nos trinta e oito países mais desenvolvidos do mundo, incluindo Portugal. Isto são factos.
Vamos agora às opiniões, às considerações, às efabulações, para tal nem precisamos de ir às redes socias, basta ir aos títulos dos jornais.
Comecemos pelo Público "Número de jovens nem-nem em queda. OCDE sublinha progressos em Portugal". Ainda no Público, "Portugal gasta com cada aluno menos 14 % do que a média da OCDE".
No Diário de Notícias, o título é "Portugal. Professores ganham menos e gasto com cada aluno é menor".
No Correio da Manhã, "Professores perderam salário com António Costa".
No Jornal de Notícias, "Ministro da Educação vaidoso com resultados do relatório da OCDE", e "Portugal gasta menos 1700 euros por aluno do que a média da OCDE".
No Expresso, "Maioria dos jovens continua a estudar depois do secundário, mas não depois do profissional".
No Observador, "Evolução do ensino em Portugal deve orgulhar, mas há muito a fazer pela via profissionalizante".
Se formos ler o corpo das notícias, percebemos que em Portugal os professores ganham muito, mas que também ganham pouco. Depende dos termos de comparação. Relativamente à média do PIB nacional, ganham muito. Se a comparação se fizer com a média do que os professores ganham noutros países, ganham pouco.
Nuns critérios, a educação em Portugal vais de vento em popa, noutros nem tanto. Os jovens têm cada vez mais formação, mas muitos jovens nem trabalham nem estudam.
Ora bem, se pensarmos como crianças, podemos concluir da leitura destas notícias, tudo e o seu contrário. Se depois formos brincar para o recreio, batemos pé e teimamos que a nossa conclusão é a certa. Uns dizem A, outros dizem B, outros dizem C e todos dizem "quem diz é quem é".
Já se pensarmos como adultos, vamos verificar que, para além dos títulos e notícias dos jornais, as conclusões não são contraditórias entre si, apesar de assim o quererem fazer parecer. No fundo basta raciocinar.
Para todos aqueles que (já ou ainda) são crescidos e que já sabem ler, e por consequência não precisam que outro alguém lhes conte histórias para adormecer, aqui fica o link com o estudo de que se fala.
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