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Moda e educação: uma reflexão


Com este título, talvez os nossos leitores pensem que vamos falar da indumentária dos professores. Mas não, hoje vamos sim, falar-vos de um tema acerca do qual raríssimas vezes falamos, a saber, de moda e de imagens. Não é porque sejamos grandes conhecedores, mas sim e apenas porque queremos ir espreitar as novidades. Para além disso, gostamos de arriscar e de falar do que habitualmente não falamos, ao invés de andar constantemente a repisar os mesmos assuntos.
Aproveitámos a coincidência temporal de ser agora quando se inicia um novo ano letivo, e ser igualmente neste momento que começa uma nova “saison” no mundo da alta costura e do pronto-a-vestir, para misturarmos ambas as coisas e outras mais num só texto.
Ao passarmos os olhos pela internet, pelos jornais e pelas televisões, vemos que no início deste novo ano letivo, as imagens e as notícias referentes à educação são exatamente as mesmas, daquelas que estavam "na moda" durante o ano passado. 
Os protagonistas são os mesmos, e a forma como se apresentam e o que dizem em nada mudou. Não temos a certeza absoluta, mas estamos capazes de afirmar, que no início deste novo ano, todos vestem e calçam seguindo a mesma exata moda que seguiam o ano passado. Em síntese, é tudo um tanto ou quanto “dépassé”, novidades é o que não há.
Dito isto, voltemo-nos para o campo da moda à procura de novidades excitantes. Nesse contexto, um dos mais relevantes acontecimentos do ano, dá-se sempre em setembro, com o lançamento de uma nova edição da revista Vogue, uma publicação conhecida por regularmente nos trazer propostas novas, arrojadas e originais. Contudo, e para nossa grande desilusão, a edição de setembro de 2023, nada de novo nos propõe, limitando-se a tentar repetir sucessos de décadas já passadas.
Na década de 90 do século XX, o fotógrafo Peter Lindbergh (1944-2019) fez uma capa da Vogue que haveria de se tornar icónica e lançar o fenómeno das super-modelos. Nela apresentava umas então jovens modelos, que em nada correspondiam aos cânones de beleza feminina à época em voga. Foi uma revolução.
Ao contrário das manequins habituais, os seus rostos eram bastante expressivos, claramente invulgares, levemente imperfeitos, muito naturais e nada estandardizados. Em cada um deles parecia adivinhar-se personalidades únicas e histórias de vida autênticas.
Claro que bem vistas as coisas, o facto de as modelos serem jovens e belas também ajudou ao seu sucesso, mas não era de todo em todo essa a verdadeira essência da questão para o fotógrafo. A sua principal intenção consistia efetivamente na criação de uma nova imagem das mulheres, cuja autenticidade fosse muito para além de uma mera soma de beleza e de juventude.
Uma citação desse tempo do fotógrafo Peter Lindbergh, esclarece-nos perfeitamente acerca disso: “Se os fotógrafos são responsáveis por criar a imagem das mulheres na sociedade, devo então dizer que só há um caminho para o futuro, que as mulheres sejam retratadas como sendo fortes e independentes. É essa a responsabilidade dos fotógrafos de hoje: libertar as mulheres, e por consequência toda a gente, do terror de serem para sempre jovens e perfeitas”.
Foi um gesto audaz, esse o de fotografar rostos novos, vagamente imperfeitos, expressivos e inabituais. Um gesto completamente oposto ao de setembro de 2023, em que a capa da Vogue apresenta exatamente as mesmas modelos, só que com trinta anos a mais.
Todavia, o problema não está na passagem do tempo nem na idade das senhoras, nada disso. O problema é que as suas imagens estão tão retocadas pelo Photoshop ou por algo equivalente, e são tão artificiais, homogeneizadas e inexpressivas, que contrastam violentamente com a naturalidade e autenticidade com que outrora Peter Lindbergh as fotografou.


Foram inúmeras as reações negativas a esta capa da Vogue, sendo que os críticos e especialistas a consideraram como mais um sintoma da preocupante falta de imaginação que ultimamente caracteriza a indústria da moda.
Talvez não fosse descabido alargar esta conclusão às imagens e notícias relativas à educação e afirmarmos que também elas são um sintoma de uma preocupante falta de imaginação.
Mas se quisermos, podemos ir mais longe e expandir esta conclusão a outros sectores. Por exemplo, tem sido notado por diversos observadores, que as imagens publicadas nas redes sociais são cada vez mais homogéneas ou até mesmo idênticas.
Com efeito, tem-se verificado que todos usamos praticamente imagens semelhantes uma e outra vez. Para não ir muito longe, as “stories” de férias que supostamente seriam únicas e exclusivas de cada um, são genericamente todas iguais: cinco fotos de entardeceres, duas em formato selfie, uma foto de grupo na praia, duas paisagens das redondezas, um livro aberto pousado entre a toalha e a areia, um colorido cocktail, uma vista tirada do alto e, pronto, já está.
Há tão-somente um contínuo desfilar de imagens iguais a tantas outras, que não nos despertam a imaginação e só nos fazem sentir que vemos uma espécie de sucedâneo daquilo que antes já tínhamos visto.

Para servir de inspiração à moda e à educação, relembramos um outro também muito afamado fotógrafo, neste caso Robert Doisneau, que conseguia estar sempre na moda porque retratava a todos com verdade e autenticidade. Tal como o fez com uma professora e com uma modelo conseguindo ver em ambas a sua graciosidade e elegância e aquele "je ne sais quoi"  que dispensa filtros e Photoshop`s.



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