Isto do tempo de serviço tem muito que se lhe diga. Por um lado, há quem esteja há longos anos em funções e seja completamente ignorado, por outro, há quem tenha iniciado funções muito recentemente e seja já tratado como se fosse a estrela da companhia. Está mal!
Imagine-se o quão injustiçado se sentirá alguém com mais de dois mil anos de carreira e a quem ninguém liga patavina, ao ver um seu colega, que nem uma década tem de tempo de serviço, a ser alvo de todas as honrarias e atenções! Sentir-se-á pessimamente, como é evidente.
Connosco não haverá cá dessas injustiças e ultrapassagens na carreira, por consequência, as nossas honrarias e atenções serão dirigidas para quem efetivamente a elas tem direito. Era o que mais faltava, era que a antiguidade não fosse um posto. Mas andamos a brincar com a tropa ou o quê?
Hoje, 5 de outubro, é o dia de celebração da república. Olha-se em volta, liga-se a televisão, lê-se os jornais e vê-se que o Presidente Marcelo está por todo o lado. A questão que imediatamente a todos nos ocorre é: mas então e o Platão?
Está muito bem que o Marcelo é o presidente da república, contudo, é-o apenas há sete ou oito anos. Já o Platão anda nestas andanças desde o tempo em que os animais falavam. Com efeito, foi no distante século IV a.C. que Platão escreveu a obra que haveria de inspirar todas as repúblicas presentes e futuras: “A República”.
Quer dizer, o Marcelo anda há uns poucos tempos nisto da república e é convidado para todas as festas e comemorações, já o Platão, cuja contagem de tempo ao serviço da república perfaz milhares de anos, não tem quem dele se lembre. Em resumo, se a antiguidade é um posto, por maioria de razão, a antiguidade clássica ainda mais o é. Vamos a Platão.
Ora bem, já que apesar da sua longa carreira, ninguém liga nenhuma ao Platão, propomo-nos nós ligar-lhe e restabelecer a justiça. Acerca das muitas teorias do filósofo acerca de tudo e mais alguma coisa, muito haveria para dizer, no entanto, decidimos concentrarmo-nos no que nos parece essencial, ou seja, nas ideias platónicas.
Porém, não esperem os nossos leitores que vamos falar de ideias nobres como o Bem, o Belo, a Verdade, a Liberdade ou a Justiça, a nossa intenção é bem mais modesta, vamos antes falar-vos da ideia de cadeira. Por estranho que vos possa parecer, uma cadeira também pode ser platónica, isso garantimos-vos nós.
Quase todos acreditam que as nossas ideias se formaram a partir das coisas que observamos. Pensemos então na ideia de cadeira, por exemplo. Nascemos sem qualquer ideia do que é uma cadeira, contudo, ao crescermos e irmos vendo várias cadeiras, fomos percebendo para que servem e que todas são de algum modo semelhantes. Terá sido assim, que a pouco e pouco, fomos formando a ideia do que é uma cadeira. Tudo isto parece muito certo, só que para Platão, não.
Segundo Platão tudo se passa de modo oposto, ou seja, as nossas ideias não são formadas a partir da observação de objetos particulares, sejam estes cadeiras ou quaisquer outros. As ideias existem antes e muito para além disso.
Platão diz-nos que a ideia de cadeira existia antes de qualquer cadeira em específico. Para Platão os objetos que vemos em nosso redor são uma cópia, ou seja, uma materialização de ideias que já anteriormente existiam e sempre existirão.

Abaixo na imagem, a amarelo temos uma representação da ideia de círculo, que é eterna e perfeita. A azul, encarnado, verde e castanho temos círculos reais, que mais não são do que cópias imperfeitas de um ideal.
Em síntese, a ideia de cadeira é eterna e perfeita, sendo que todas as cadeiras materiais que existem no mundo são apenas meras cópias ou sombras dessa ideia, sendo por comparação cadeiras imperfeitas.
No esquema da imagem abaixo, na parte superior temos uma cadeira platónica, ou seja, uma ideia de cadeira. Na parte inferior temos cadeiras reais, ou seja, meras sombras ou cópias imperfeitas dessa primeira ideia perfeita.
Joseph Kosuth é um artista contemporâneo. Muitas das suas obras são a reunião de um objeto real, a fotografia do mesmo objeto e a definição textual desse objeto, sendo que, talvez a sua obra mais difundida e reproduzida seja Uma e três cadeiras (1965).
É impossível contemplarmos a obra de Joseph Koshut e não nos lembrarmos de Platão e do seu mundo das ideias perfeitas. Perceberão agora os nossos leitores o porquê de uma cadeira também poder ser platónica.
Bom, cremos que neste 5 de outubro já fizemos suficiente justiça a Platão, o autor de “A República”. Talvez seja agora o momento adequado para darmos também alguma atenção à República Portuguesa.
Por esta altura do ano nas escolas é costume mostrar-se aos alunos imagens com a figura da república. O problema é que a dita vai muito à fresca e há sempre alguém que decide comentar a ousadia das suas vestes. Compete ao docente em tais ocasiões manter a compostura e explicar a razões para tão parca indumentária.
A explicação é simples, a figura da república representa um ideal. Não por acaso, a sua figura foi inspirada na arte da antiguidade clássica, em que a nudez era vista como um símbolo de liberdade, pureza e perfeição. A república portuguesa vai nua porque é assim que idealmente gostaríamos de a ter, livre, pura e perfeita, infelizmente só temos a real.
Desde que o Presidente Marcelo foi em visita oficial ao Canadá e decidiu comentar as vestes de uma jovem com a frase “Ainda apanha uma gripe, já viu bem o decote", qualquer docente vai ficar um tanto ou quanto sem graça, se porventura algum aluno repetir a presidencial graça.
Bem vistas as coisas, se o Presidente da República pode comentar o decote de uma jovem, por qual razão não há de poder um jovem comentar o decote da república?
E pronto, terminamos por aqui esta nossa profunda reflexão. Esperemos que sirva de inspiração para que, como se diz no hino nacional adoptado precisamente aquando da implementação da república, levantemos de novo o esplendor de Portugal.
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