DIVAGAÇÃO - Aquilo a que nas escolas se chama “a matéria”, poder-se-ia muito bem designar por “velocidade média”. É sábado e não temos pressa, portanto, é o momento perfeito para divagarmos. Uma vez que já anunciámos em que consiste o tema do nosso divagar, “matéria = velocidade média”, podemos agora ir com calma e levar um longo tempo para nos explicarmos.
Se porventura alguém de quem nos lê, exige que adiantemos já uma explicação, recordamos a esses eventuais leitores uma célebre frase de Shakespeare: “A paciência é a mais nobre e gentil das virtudes”.
Para exasperarmos os impacientes, ao invés de continuarmos e avançarmos, recuemos ainda mais um pouco. Nas duas anteriores publicações deste blog, apresentámos-vos o guião "Onde é que está a matéria?".
Na primeira publicação escrevemos acerca dos motivos que o inspiraram (INSPIRAÇÃO) "A matéria é o Leonardo, o Maradona, o Marcelo e o Louis" e na segunda sobre a sua intencionalidade pedagógica (INTENÇÃO) "COMPETÊNCIAS: Será este mais um palavrão...".
Agora sim, por fim, avancemos em frente. Este será então um terceiro e último momento dedicado a esse guião, para a próxima semana escreveremos já sobre um outro. Posto isto, e uma vez que por duas vezes fomos sérios a propósito do dito guião, vamos agora deambular, pôrmos-nos com devaneios e, quem sabe, até delirar. Em síntese, o momento é de DIVAGAÇÃO.
E quem não gosta de divagar? Com efeito, há coisas nas quais não vale a pena ter-se pressa, ou é divagar ou não é. Entre essas, está por exemplo, o visitar-se um museu. Qual será a vantagem de se ver um museu a correr? Nenhuma, pois claro. É muito melhor ir-se com calma e vagar, contemplando com atenção o que num museu se apresente diante do nosso olhar.
Contudo, não serão todos os que assim pensam. No filme “Band à part” de Jean-Luc Godard, os três principais personagens da película tinham ouvido dizer algures, que um turista norte-americano tinha conseguido visitar todo o gigantesco Museu de Louvre em apenas 9 minutos e 45 segundos. Por consequência, decidiram tentar bater o recorde. Conseguiram-no. Retiraram dois segundos ao tempo realizado pelo norte-americano.
Aqui fica o registo filmado dessa visita ao Louvre feita em 9 minutos e 43 segundos. A cena resume o feito num “take” que nem chega a durar um breve minuto:
Como vimos, poder-se-á visitar um museu a correr, mas mesmo ainda antes de lá estarmos, a própria preparação prévia para uma visita, pode também ela ser feita com essa intenção. Ou seja, ser uma preparação para que tudo se veja(?) de uma forma apressada e despachada.
É exatamente esse o modo como são concebidas as excursões organizadas por certas agências de viagens, de forma a que se veja(?) por exemplo, toda a Itália em cinco dias num regime de pensão completa, com dormida assegurada e refeição à hora marcada.
Com efeito, ao folhearmos as brochuras referentes a tais excursões, percebemos imediatamente que as visitas foram preparadas para se chegar a um sítio, digamos um museu, se tirar umas fotos, ouvir-se um guia relatar uns quantos factos históricos dos quais nunca mais ninguém se vai lembrar e pronto, acabou-se, finito. Vamos lá todos embora que já se vai fazendo tarde, toca a andar para um outro lugar, que este está mais que visto e não tarda nada temos de ir jantar.
Mas pensemos também nas visitas de estudo escolares a um museu. Há quem as prepare ali um dia ou dois antes, informando rapidamente a malta aonde é que vai passear, o que vai ver e fazer e pronto, finito, genericamente, a coisa está feita.
Mas nós não somos assim, antes pelo contrário, fazemos a preparação de uma visita com toda a lentidão. Vamo-nos desviando durante largo tempo por muitos outros temas, assuntos e lugares, e só após essas longas deambulações, é que nos pomos então a caminho em direção ao museu que queremos visitar.
Com o guião de aprendizagem “Onde é que está a matéria?” não o fizemos diferente. Começámos a preparar uma visita de estudo ao Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, mas esse foi apenas um primeiro passo de muitos outros que posteriormente daríamos, até chegar o dia de efetivamente irmos visitar o museu.
Resumindo, levámos várias semanas com a preparação da visita. Foram muitos e lentos os preliminares a que nos dedicámos, antes de finalmente termos penetrado nas salas de exposição do museu da fundação. Uma vez lá dentro, claro está que também não tivemos pressa, como é evidente.
O romancista Milan Kundera escreveu um livro a que deu título “A Lentidão”. Nele faz uma apologia das coisas lentas. Mas que não haja confusões, nem tudo o que é lento é bom. Por exemplo, se o serviço de um restaurante for demorado, não é por causa disso que tal estabelecimento merece ser recomendado.
De igual modo, não é por uma repartição levar meses a tratar de uma qualquer certidão, que é eficiente, nesse caso, é pura e simplesmente incompetente. Dito isto, a conclusão é simples: nem tudo o que é lento é bom, mas há umas quantas lentidões que valem muito a pena.
Numa passagem do livro “A Lentidão” lê-se o seguinte: “Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo”.
Explica-nos o autor, que o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória e, por consequência, também o grau de velocidade é proporcional ao do esquecimento. Em síntese, quanto mais depressa passarmos pelas coisas, mais rapidamente as esqueceremos, ao invés, quanto mais lentamente as vivermos, melhor as recordaremos.
Atualmente a rapidez inebria-nos, dando-nos uma sensação de liberdade, de força e de poder. Quanto mais velozmente formos do ponto A ao ponto B, mais sofisticados, bem sucedidos e felizes parecemos ser. No fundo, é essa a mensagem subliminar subjacente a todos os anúncios publicitários de automóveis de alta cilindrada: velocidade + potência = felicidade.
Um outro exemplo sintomático desse fascínio pela rapidez, é o tremendo sucesso global de filmes como “Velocidade Furiosa”, que já vai para aí na sua décima
sequela.
Abaixo a imagem de uma obra do pintor futurista italiano Giacomo Balla (1871-1958)), artista que era completamente obcecado pela velocidade:
No entanto, toda essa eufórica sensação de omnipotência que a pressa nos dá, é pura e simplesmente uma ilusão. O que na verdade sucede, é que a pressa com que vamos, faz com que o que só fugazmente vimos, sentimos e vivemos, seja muito rapidamente condenado ao esquecimento.
Aconselhamos vivamente “A Lentidão” a quem gostar de ler. Conta-nos uma história de amor e traição, de desejo e posse, que termina com um desfecho agridoce. A desconcertante questão que atravessa toda a narrativa é esta: serão as banalidades e as quotidianas preocupações humanas mais interessantes do que as asas das moscas?
É uma intrigante questão, à qual só dedicará o seu tempo quem se dispuser a procurar respostas lentas, profundas e complexas, ou seja, quem anseia por mais do que um direto, simples e rápido “sim ou não”.
Mas uma vez aqui chegados, é provável que mesmo os mais pacientes do nossos leitores já estejam totalmente exasperados, pois nunca mais nos dedicamos à questão com que iniciámos este texto, ou seja, à afirmação de que aquilo, a que nas escolas se chama “a matéria”, poder-se-ia muito bem designar por “velocidade média”.
A questão com que intitulámos o nosso guião, “Onde é que está a matéria?”, poderá também ela ser vista como intrigante e/ou desconcertante. No entanto, se formos com calma, perceberemos que “a matéria” mais não é que o indicador da “velocidade média” do processo ensino-aprendizagem. É essa a razão pela qual há quem diga que está atrasado na matéria, como também há quem diga ir adiantado.
A esse propósito, vamos citar o escritor português Gonçalo M. Tavares, que não estava propriamente a referir-se à matéria e sim à «verdade», mas que para o presente caso, ainda assim nos serve: “A «verdade» é uma velocidade. A «verdade» passa por encontrar a velocidade certa da realidade, passa por colocar a realidade a avançar a uma certa velocidade.”
Talvez “a matéria” seja afinal a forma de fazer com que todos se ajustem a uma mesma «verdade», o mesmo é dizer, a uma mesma velocidade: “a velocidade média”.
Quem porventura se deixar ficar para trás na matéria e não acompanhar a velocidade média, se calhar já só lá vai com uns apoios para dar “um empurrãozinho”, a ver se recupera a velocidade certa.
No fundo, é tal e qual como com o carro empanado, talvez de empurrão a coisa lá vá. Se não for isso, é ir à boleia.
E à boleia disso, aproveitamos para nos despedirmos, que também vamos andando.
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