Avançar para o conteúdo principal

Ela tanto pode ser bela como cruel


INSPIRAÇÃO - Criámos um guião de aprendizagem dedicado à natureza ao qual chamámos "Bela e Cruel" Pelo lado belo, passeámos pela civilização japonesa e pela sua extrema delicadeza no trato com a natureza. Pelo lado cruel, viajámos até ao dia 1 de novembro de 1755, data do terramoto que arrasou Lisboa. Por fim, ainda fomos até à Fundação Calouste Gulbenkian, local onde mais tarde havemos de ir em visita de estudo, para aí encontrarmos traços do Japão nos seus edifícios e jardins, e descobrir na sua coleção deusas que nos falam da lua, das flores e da primavera.

 Guião "Bela e Cruel"

Ficha de exploração "Bela e Cruel"


A deusa japonesa Konohana Sakuya-Hime representa as flores e a vida, mas também as montanhas e os vulcões. O seu principal templo está localizado no Monte Fuji. Possui como símbolo a flor de cerejeira, a sakura.

 

Ao escolhermos apresentar esta deusa aos alunos, quisemos que tomassem imediato contato com a ideia de que a natureza tanto nos pode mostrar a sua bela face numa flor, como pode igualmente mostrar-nos o seu lado terrífico num vulcão em erupção.

 

 

O que de seguida fizemos foi propor aos alunos que escrevessem um haiku. Um haiku é uma forma tradicional de poesia japonesa. Em traços muito gerais, caracteriza-se por ser um poema curto, cujo principal tema é a relação harmoniosa entre os humanos e a natureza.

Vejamos um exemplo, um haiku de 1688 de Matsuo Bashô:

Quero ainda ver

nas flores no amanhecer

a face de um deus.

 

Ou ainda um outro do mesmo autor, este de 1681:

Enquanto a cerejeira

estiver em flor

o mal-estar não existe

 

Para que os alunos se inspirassem, mostrámos-lhes uma publicação em português da JAL Foundation, uma instituição que se dedica à divulgação da cultura japonesa pelo mundo afora. Nela constam inúmeros exemplos de haikus compostos por crianças e jovens dos mais variados países.

Aqui fica o link para quem quiser aceder à referida publicação:

Como fazer um Haiku


Se com os haikus quisemos que os alunos soubessem, que através da escrita, se pode sentir a harmonia com a natureza, já ao falarmos-lhes do terramoto de 1755 pretendemos que se apercebessem dos seus perigos, ou seja, do seu lado destrutivo e cruel.

 

No entanto, não ficámos por aí. Queríamos também que os alunos percebessem como, após o terramoto, a cidade se ergueu das cinzas e se reconstruiu. Para tal, citámos Marquês de Pombal: “É preciso sepultar os mortos e cuidar dos vivos”.

 

À época, o terramoto de Lisboa abalou a Europa inteira, não em termos sísmicos, mas sim em termos filosóficos. Ruiu a conceção de que a Terra fosse regulada pela ordem e harmonia. Entre as personalidades desse século que refletiram sobre este acontecimento, conta-se o célebre Voltaire.

Uns anos após o terramoto, em 1759, Voltaire escreveu uma obra intitulada “Cândido ou o Otimismo”. Depois da catástrofe de Lisboa só os cândidos é que poderiam olhar com otimismo para a natureza. Entre as personagens desse texto, encontramos o célebre Doutor Pangloss.

 

Tal personagem, malgrado as mais desastrosas situações que observasse ou enfrentasse, tudo encarava com um espírito de resignação acreditando que vivíamos no “melhor dos mundos possíveis”.

 

Não queríamos que os alunos fossem “panglossianos”, ou seja, que fossem resignados. Razão pela qual lhes pedimos que se imaginassem nessa época, e que, à semelhança de Marquês de Pombal, inventassem uma frase marcante que motivasse a população a não desesperar e a reconstruir a cidade. Uma frase que desse esperança e que representasse o triunfo da força de vontade sobre a resignação.

 

Continuámos este nosso percurso e fomos até à Fundação Calouste Gulbenkian, cuja conceção dos jardins e edifícios tem clara influência do modo harmonioso como no Japão se pensa a relação com a natureza. Essa influência tornar-se-á ainda mais evidente, quando o renovado Centro de Arte Moderna abrir novamente as suas portas ao público. Com efeito, a sua remodelação esteve a cargo do arquiteto nipónico Kengo Kuma.

Por fim, mostrámos aos alunos o modo como através da arte, os humanos sempre se relacionaram com a natureza. Apresentámos uma peça da coleção no museu da fundação intitulada “Flora”, a deusa das Flores e da Primavera.

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...