Conhecemos gente que quando fala usa um tom forte e autoritário que parece não admitir opinião contrária ou a menor contestação que seja. Todos conhecemos gente assim: estão nas televisões, na política, nos cafés e esplanadas, são nossos vizinhos, são dirigentes de um qualquer serviço ou repartição, trabalham num balcão ou, claro está, dão aulas nas escolas.
Entre os que se dispõem a ouvir tal gente, há sempre uns quantos sedentos de certezas, que ao escutar palavras tão firmes e seguras, abanam imediatamente a cabeça para dizer que sim. Para esses que necessitam urgentemente de beber certezas, uma voz assertiva é como água fresca num quente deserto.
Por alguma razão, as coisas ditas em tom forte, trazem à nossa lembrança aquela antiga cidade de gente dura, chamada Esparta, modelo extremo de uma educação férrea.
Tal como nesses tempos distantes, também atualmente parece haver muita gente defensora, de que a educação escolar das crianças e jovens deve ser extremamente rigorosa e exigente, e que como na velha cidade de Esparta, os valores a privilegiar deverão ser o mérito, o esforço e a disciplina.
Há até quem diga, que é esse o único caminho possível para que crianças e os jovens tenham as bases para futuramente levarem uma vida adulta séria e honrada. O mesmo é dizer, uma vida em que sejam conscientes de que acima de tudo está o trabalho árduo, as responsabilidades e as obrigações e só depois, mas mesmo muito depois, estará então tudo o resto.
Em Esparta o estado tomava conta da educação das crianças desde os seis anos de idade para endurecer o seu corpo e carácter. Todos eram treinados para obedecer cegamente a ordens e incentivados a cumprirem sem hesitações as rotinas regulamentadas. Aos que falhassem, eram-lhes aplicados severos castigos. Falta de autoridade, era coisa que em Esparta não havia.
Estamos cá desconfiados, que os atuais admiradores do modelo espartano de educação, são genericamente os mesmos que usam abundantemente termos como “o facilitismo” para se referirem à escola pública. É só uma desconfiança nossa.
Esses nossos contemporâneos, adoram o rigor, a exigência e a disciplina e, tal como os antigos espartanos, desdenham ferozmente de tudo cuja utilidade prática não seja de evidência imediata.
Para esses, tudo de qual não haja a certeza absoluta de vir a ter uma utilidade prática para o futuro de crianças e jovens, ou que se desvie minimamente das rotinas há muito estabelecidas, é classificado como inútil. Razão pela qual, há os que desprezam e querem erradicar do sistema educativo todos os saberes que se relacionem com temas artísticos, literários, musicais, sociais ou filosóficos.
Há muito quem considere, que é uma autêntica perda de tempo para os alunos em idade escolar contemplar uma pintura, ler um poema, escutar uma melodia ou debater uma questão social ou filosófica.
Para os que assim pensam, o que verdadeiramente interessa na escola são as coisas ditas importantes, ou seja, as matérias que de certeza absoluta sairão nos exames nacionais de acesso às “universidades certas”.
As universidades certas são aquelas nas quais, uma vez tendo o aluno concluído o seu curso, deu o primeiro grande passo para obter um cargo ou um emprego como “deve de ser”. Um cargo ou um emprego certo, que lhe traga prestígio, onde trabalhe “mesmo à séria” e, se tudo correr bem, suba na vida e ganhe bom dinheiro.
Como vimos, o rigor, a exigência, o esforço e a disciplina têm grandes defensores desde a antiguidade até à atualidade, tendo o povo espartano sido um dos que mais entusiasmo colocou na defesa desses valores.
A região de que a antiga cidade de Esparta era a capital chamava-se Lacônia. Os lacónios eram gente muito séria. Para além de tudo mais, não perdiam tempo com conversas. Quando falavam não havia cá discussões ou troca de ideias. O tom era sempre assertivo e não admitia contradições. Assim sendo, com poucas ou nenhumas palavras resolviam todos os assuntos, daí o adjetivo que ainda hoje usamos para nos referirmos a alguém que pouco diz, a saber: lacónico.
Se até agora nos centrámos em Esparta, a partir de agora estaremos também centrados em Atenas. As cidades de Esparta e de Atenas eram grandes rivais, sendo ambas o oposto uma da outra em quase tudo.
Foi em Atenas que a democracia foi fundada. O ambiente cultural que aí se vivia era absolutamente extraordinário. Por todo o lado se discutia política e filosofia, as artes floresciam e eram imensas as representações teatrais. O imenso contraste com a autoritária, rigidamente estruturada e nada dada à criatividade sociedade espartana, saltava aos olhos de todos.
Em Esparta as casas tinham uma decoração simples e a alimentação era frugal e pouco apetitosa. Não havia nem arte, nem teatro, nem poesia. Sacrificavam as palavras, a beleza e os demais prazeres da vida à exigência, ao rigor e à disciplina, Não passeamos hoje pelas ruínas de Esparta, porque os seus habitantes nada legaram à posteridade.
Péricles (495 a. C. – 429 a. C.) foi um grande estadista, general e orador, e também um dos maiores líderes políticos de Atenas. No mais célebre dos seus discursos, Péricles fez o elogio das virtudes da cidade de Atenas, que, recorde-se, eram as diametralmente opostas aos rígidos valores defendidos pelos espartanos.
“Para amenizar o trabalho, procuramos muitos recreios para a alma; instituímos jogos e festas que se sucedem a cada ano; e diversões que diariamente nos proporcionem deleite e nos diminuam a tristeza”.
Só por esta breve passagem do já referido discurso de Péricles, percebemos claramente que a divertida civilização ateniense nada tinha que ver com a austera e monótona Esparta.
Mas há outras passagens que são ilustrativas doutras diferenças, como por exemplo, no que concerne à educação. Os atenienses educavam as crianças e jovens não através de rigorosos, disciplinadores e exigentes métodos de treino, mas sim de um modo muito mais livre. Provavelmente, se fosse ao dia de hoje, os “atuais espartanos”, diriam que o tipo de educação ateniense, mais não era do que “o facilitismo”. Todavia, se olharmos à história e ao próprio discurso de Péricles, verificaremos que os atenienses não eram menos corajosos e determinados que os espartanos, ou seja, que de “facilitistas” nada tinham:
“Outros, no que se refere à educação, acostumam, mediante um treino fatigante desde criança, a sua potência viril; nós, apesar da nossa forma de viver, não somos menos ousados e valentes para afrontar o perigo quando a necessidade o exige.”
Talvez a diferença das diferenças, fosse a de que os atenienses gostavam de falar entre eles, de trocar ideias, de debater. Não se davam bem com tons fortes e assertivos;
“Nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos esforçamo-nos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação…”
Em resumo, os atenienses “entre algazarras e debates tumultuosos equacionaram algumas ideias excêntricas que não envelheceram assim tão mal”, mais concretamente eram educados para aprender a gozar das coisas belas da vida.
Quanto aos espartanos…
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