Constatamos que os portugueses nunca se sentiram tão felizes com o seu país e, sobretudo, com o seu sistema educativo, como no ano de 2022. Quem vê TV e assiste às catástrofes diárias que por lá se anunciam, estranhará tal afirmação e até a considerará irónica ou absurda, contudo, o que as estatísticas oficiais nos provam é precisamente o que afirmámos, sem tirar nem pôr.
Que não haja confusão, não nos referimos a umas estatísticas quaisquer. Não falamos das sondagens que por aí andam, nem de estudos de mercado com resultados encomendados, nem de inquéritos feitos à pressa, falamos sim de uma investigação séria realizada por uma das mais respeitadas e independentes instituições nacionais, a saber, o Instituto Nacional de Estatística.
Abaixo uma fotografia do edifício do Instituto Nacional de Estatística, erguido em 1931 segundo um projeto do arquiteto Pardal Monteiro, homem que marcou decisivamente a paisagem lisboeta com obras como o Instituto Superior Técnico, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, o Hotel Ritz, o Diário de Notícias e a Universidade de Lisboa, entre tantos outros.
Desde 2004, à semelhança do que sucede em todos os países civilizados, também em Portugal é estatisticamente medido o Índice de Bem-Estar nacional. Nesse contexto, todos os anos são aferidos parâmetros como a economia, o emprego, a segurança, a saúde, o ambiente, a educação e outros mais.
Se fôssemos a avaliar o país pelos telejornais, tudo iria sempre de mal para pior, todavia, o que na realidade sucede, é que tudo vai sempre melhorando, pouco, mas vai.
Exceptuando os anos da pandemia e os da crise que culminou com a vinda da Troika, o Índice de Bem-Estar nacional tem vindo em contínua subida desde o início do século XXI.
Se é verdade que em termos de bem-estar ainda estamos longe de países como a Suíça, a Noruega ou a Dinamarca, é igualmente verdade que também estamos muito longe de onde estávamos há duas décadas.
Saíram agora os dados do Índice de Bem-Estar relativos a 2022. Transcrevemos o início da notícia publicada a esse propósito no jornal Público: “Os efeitos da pandemia, que fizeram cair o Índice de Bem-Estar (IBE) dos portugueses, parecem ter-se esbatido e os dados preliminares recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam para um aumento do bem-estar entre os portugueses, em 2022, com valores que ultrapassam até o ano de 2019, aquele que tinha obtido melhores resultados nos últimos 20 anos. A educação e a segurança pessoal são os indicadores com evolução mais positiva.”
Ora bem, se atentarmos aos dados que resultaram do estudo e da investigação, e não nas parangonas dos telejornais e nas opiniões dos comentadores de serviço, verificaremos que afinal de contas na educação, já para não falarmos de outros sectores, tem havido claros progressos e uma nítida evolução no Índice de Bem-Estar ao longo das duas últimas décadas.
Quem disso tenha dúvidas, mais não tem que fazer de que consultar os dados. Estão disponíveis no site do Pordata:
Dito isto, a pergunta óbvia é a seguinte, se no capítulo da educação, já para não falar de outros sectores, as coisas não são assim tão tristes como vulgarmente as pintam, qual é a razão pela qual nas TV’s, nos jornais e nas redes sociais, anda sempre tudo a dizer mal?
Nós sabemos porquê ou, pelo menos, acreditamos saber. A nosso ver há duas razões, uma estrutural de carácter histórico-cultural e outra conjuntural relacionada com interesses económicos.
Comecemos pela primeira razão, ou seja, a de carácter histórico-cultural. Após o fim do chamado império colonial, Portugal nunca mais conseguiu reajustar a imagem que tem de si mesmo. Um país que se imaginou durante largo tempo como sendo grande, ou seja, como uma nação que ia do Minho a Timor e que deu novos mundos ao mundo, viu-se subitamente reduzido a ser tão-somente um pequeno território europeu.
Esse redimensionamento de Portugal obrigava a um reajuste da imagem que o país tem de si mesmo, mas isso foi coisa que nunca se fez. Basta consultar os manuais escolares de História de Portugal ou ouvir certos discursos políticos, para se perceber que a imagem que Portugal tem de si próprio, continua fortemente condicionada por imensos delírios de uma grandeza já passada.
Por exemplo, o Presidente Marcelo afirma recorrentemente coisas como, e passamos a citar: “Ainda não encontrei outro povo como nós. Nós somos bons, muito bons. Somos os melhores dos melhores”.
Cremos que não é necessário ser-se particularmente perspicaz, para se perceber que como nação estamos longe de ser “os melhores dos melhores” em muitas coisas. Mas o problema, é que quando se toma consciência que não somos efetivamente os “melhores dos melhores”, cai-se imediatamente no outro extremo, ou seja, que isto é tudo uma bandalheira, uma desgraça total, que somos a cauda da Europa e que etc e tal.
Em síntese, enquanto país, se não nos vemos como uma nação grande e gloriosa, só nos conseguimos ver como uns tristes, não há meio-termo. Tudo isto foi pensado por Eduardo Lourenço num ensaio que se tornou um clássico, “O Labirinto da Saudade”.
A título de curiosidade, deixamos-vos uma pequena reflexão de Eduardo Lourenço sobre o destino de Portugal: “Há algumas semanas, um engenheiro, responsável e responsabilizado na liquidação frutuosa dos erros dos outros, resumiu numa síntese insuperável a essência da realidade portuguesa: somos um povo de pobres com mentalidade de ricos (…) O comportamento descrito pelo lúcido engenheiro é tão orgânico que se tornou invisível, como tudo quanto é normal. Apontá-lo é um insulto à nossa celebrada maneira de estar no mundo, que é, naturalmente, a melhor do mundo, por ser nossa e por não podermos conceber outra.”
Em resumo, a imagem que se dá na comunicação social, bem como nas redes sociais, do nossos sistema educativo, já para não falar de outros sectores, surge desta ausência de reajuste da imagem que o país tem de si mesmo.
No nosso subconsciente coletivo, ou bem que o nosso sistema educativo é o melhor do mundo e arredores, ou, não o sendo, só pode ser uma desgraça completa e absoluta. Que os estudos e investigações nacionais e internacionais comprovem evolução e progresso, isso nada diz, pois se não somos os maiores, é porque só podemos ser os piores.
Mas passemos agora à segunda razão, ou seja, a relacionada com interesses económicos, que não é tão importante, pois é apenas conjuntural. Uma coisa da qual não há dúvida nenhuma, é de que o ensino envolve verbas avultadas e que há muito quem neste veja uma óptima oportunidade de negócio.
Todavia, se essa função estiver a cargo do estado, dará pouco dinheiro a ganhar aos que com ele querem amplamente lucrar. Assim sendo, o que há a fazer para quem quer com a escola negociar, é simplesmente desqualificar o ensino público e publicitar e promover as supostas enormes qualidades do privado.
Consequentemente, apesar dos progressos registados, ao olharmos para as TV’s, jornais e redes sociais, parece que tudo está pelas ruas da amargura e que vai de mal a pior. Razão pela qual, é fundamental termos dados oficiais, como os do Índice de Bem-Estar, para percebermos que nem sempre o que parece é.
Abaixo uma imagem de um famoso quadro de René Magritte intitulado “A Traição das Imagens”. Pintado em 1929, faz parte de uma série, na qual a imagem realista é acompanhada pela inscrição Ceci n'est pas une pipe, que em português significa Isto não é um cachimbo.
Em conclusão, talvez a educação em Portugal, seja do melhor que há, e se estamos coletivamente convencidos do oposto, é porque as imagens nos traem.
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