Ainda ontem saíram
as conclusões de um estudo intitulado "Bem-estar e felicidade nas escolas
portuguesas" e logo houve milhares de comentários acerca delas. A razão é
simples e prende-se com o facto da conclusão geral do estudo se sintetizar do
seguinte modo: os alunos são mais felizes e esperançosos que os professores.
O estudo foi
realizado com a colaboração de investigadores de importantes instituições
nacionais e inquiriu 5.038 professores e 3.130 alunos, entre os 9 e 20 anos, do
ensino público e privado.
Relativamente
a se ter concluído que os alunos são mais felizes e esperançosos que os
professores, é só passar os olhos pelos comentários feitos nas redes sociais e
em outros fóruns, para se perceber que a opinião maioritária é de desdém e
resume-se assim: pois claro que os alunos são mais felizes, qual é a grande
novidade?
Percebe-se
pelo conteúdo e pelo tom, que a larga maioria desses comentários foram
realizados por professores. Dizem-se coisas como por exemplo, “se os alunos não
fazem nada e passam sempre de ano, como é que não hão de ser felizes?” Ou ainda
outras como, “nós (os professores) é que os temos de aturar, como é que
havíamos de estar felizes?” Ou também, “basta serem jovens, para serem
felizes!” Ou finalmente, “se os alunos já tivessem percebido o buraco onde
estão metidos, certamente que não estariam tão felizes.”
Em síntese, a avaliar pela amostra, que retrata fielmente o tom e o conteúdo da larguíssima maioria dos comentários, na opinião dos professores, o estudo não revelou novidade nenhuma, sendo por consequência uma evidência, que nas escolas portuguesas os alunos são felizes e os docentes não. Isto, salvo uma ou outra excepção, que não faz regra, pois como é costume dizer-se, uma andorinha não faz a primavera.
Nós não
gostamos de pensar as coisas sob o ângulo pelo qual habitualmente se as pensam.
É uma mania nossa, somos mais felizes assim. Consequentemente, não nos vamos
debruçar sobre as conclusões e conteúdo do estudo, não vamos, portanto,
discutir se docentes e alunos são mais ou menos felizes, mas antes no modo como
foi apresentado este estudo na comunicação social, e muito particularmente na
imprensa.
A notícia
foi publicada nos principais jornais nacionais. Nós dedicámos algum do nosso
precioso tempo, a verificar o tom com que foi dada a notícia nos distintos
jornais. Lemos para aí uma dezena, uns mais à esquerda do espectro político,
outros mais à direita, uns quantos ditos neutrais, uns mais populares e outros
mais intelectuais, em resumo, de tudo um pouco.
Cumprida
essa tarefa, para continuarmos esta conversa, escolhemos três jornais, poderíamos
ter escolhido mais, que não seria muito diferente. Na verdade, estes três são
suficientemente distintos entre si para o ponto que nos interessa. A nossa
seleção recaiu sobre o Observador, o Expresso e o Diário de Notícias.
Um é uma
publicação fundada há uns poucos anos, o outro tem cinco décadas e o último já
lá vai com mais de século e meio de existência. As opções editoriais e
políticas são igualmente díspares.
Dito isto,
não vamos perder mais tempo, dizemos-vos já que a notícia foi dada no exato
mesmo tom pelos três jornais. Mais do que isso, é completamente idêntica,
parágrafo por parágrafo, palavra por palavra, vírgula por vírgula e ponto por
ponto, em todos eles.
Saliente-se
que nem todos os outros jornais que lemos fizeram o mesmo, embora mais uns
quantos o tenham feito. O que terá sucedido? Terão copiado uns pelos outros?
Aqui ficam os três links com a dita notícia, tentem lá descobrir quais as diferenças. Apostamos que não conseguem.
Como é
evidente, os jornais não se copiaram uns aos outros, limitaram-se sim, a pura e
simplesmente transcrever na íntegra e sem quaisquer mais considerações, uma
nota informativa da agência Lusa e pronto, está o serviço feito.
Quem
eventualmente deseje saber mais sobre o assunto, que vá ler o estudo, cuja
apresentação oficial decorrerá na próxima terça-feira, no Oceanário de Lisboa,
numa conversa que será moderada pelo psicólogo Eduardo Sá.
A que horas
isso será? Nenhum jornal o diz. Nem o primeiro, nem o outro, nem o subsequente.
O que nos
apraz reflectir sobre esta situação, é que relativamente às notícias sobre
educação, esta é uma prática corrente da imprensa nacional. Não é a primeira
vez, nem a segunda, nem sequer a quinquagésima, que vemos repetidas nos jornais
coisas que alguém escreveu ou disse sobre educação, que não são sujeitas a qualquer
investigação ou tratamento jornalístico, sendo tão-somente replicadas.
No caso de
ser uma nota informativa da agência Lusa, tal não será particularmente grave,
apenas revelando uma certa preguiça e algum desinteresse pelo tema. Sendo
outros a dizer coisas, já a coisa se torna mais grave.
Sejam
políticos, comentadores ou a mera vox
populi, não é invulgar vermos reproduzidas na imprensa autênticas
insanidades sobre o sistema educativo, sem que haja a menor pesquisa se serão
ou não verdades.
Abaixo na imagem, um exemplo que há uns tempos fez correr muita tinta nos jornais, apenas porque alguém se lembrou de lançar um boato e ninguém se decidiu ir verificar:
Se tirar santos e santas das escolas já não era nada católico, fazer com que nelas entrem prostitutas e proxenetas, menos o será ainda… talvez nem todos os que nos leem concordem connosco, ou seja, haverá certamente quem ache que santos e santas têm lugar na escola, bem como prostitutas e proxenetas também o têm. Acerca disso não nos pronunciamos.
Acerca
do que nos pronunciamos e já nos fomos pronunciando, é da existência de notícias
relativas à educação que de rigoroso pouco ou nada têm. A notícia acima relaciona-se
com uma situação em que um docente pediu aos alunos que redigissem um texto
baseado numa peça de Gil Vicente, peça essa, em cuja qual, existiam personagens
tão populares à época como alcoviteiras e aproveitadores.
Transformar
tal situação numa notícia com parangonas relativas a prostitutas e proxenetas
parece-nos a nós um claro desvio daquilo que se terá passado, e, portanto,
ligeiramente exagerado. Na verdade, parece-nos mais o tipo de conversas que se repetem
e se ouvem dizer pelas esquinas e pelos prostíbulos, do que propriamente
informação.
Só
mais um exemplo. Um dia destes circulou por aí, inclusivamente pela imprensa,
uma notícia de que uma criança de oito anos teria escrito, numa aula de cidadania,
uma redação em que afirmaria o seguinte:
“Quando
os bebés nascem podem nascer meio homens ou meio mulheres. Depois, quando
crescerem, podem fazer uma cirurgia e podem ficar homens ou mulheres”.
Claro
está que esta criança nunca existiu, a redação também não, e a referida aula de
cidadania ainda menos. Nada disso impediu que a suposta notícia fosse dada nos
jornais e que muita gente a repetisse e opinasse acerca do que nunca existiu.
Abaixo
fica o link do vídeo de uma senhora escandalizada com uma notícia cujos factos foram
inexistentes, ou seja, escandalizou-se com algo que leu na imprensa e que não é
verdade. Foi mais um caso em que, na comunicação social, se fez muito barulho
por nada.
Dito
isto, terminamos dizendo que talvez não seja despiciendo aguardar pela
apresentação do estudo, ao invés de andar tudo a repetir e a comentar o que
ainda está por apresentar. Talvez se venha a concluir que os professores não são
tão tristes assim.
Mais uma coisa, mas agora é que é mesmo o fim. Uma música de Tom Jobim…
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