Vale a pena ir passear a um cemitério, mesmo que lá não se vá visitar um falecido amigo, conhecido ou familiar? A nossa resposta é que sim. É um passeio bonito de se fazer e dispõe bem. Mas não se apressem em ir já a correr para um cemitério qualquer, têm tempo. Antes de irem, é importante saber-se escolher. Nós temos três óptimas sugestões dos mais agradáveis cemitérios para se visitar e passar um bom bocado.
Como é evidente, não vos vamos sugerir cemitérios no território nacional, pois a esses, mais tarde ou mais cedo, todos haveremos de ir parar. Por ora, mais vale viajarmos pelo mundo fora e conhecermos cemitérios giros e diferentes daqueles em que um dia para sempre havemos de ficar. Assim sendo, deixemos o nosso país e vamos já diretos para Paris.
É na chamada cidade-luz que fica um dos mais conhecidos cemitérios da terra, o Père-Lachaise. É um sítio lindo para se passar uma bela tarde de domingo, sobretudo no verão.
No tempo quente, há muito quem goste de ir à praia refrescar-se e tomar banhos de mar, mas nós garantimos-vos que é muito mais repousante deambular por entre túmulos e campas, sob a sombra fresca das áleas de choupos e ciprestes.
É o sítio ideal para se meditar sobre a nossa fugaz existência, muito particularmente quando se está a morrer de calor, como sucede amiúde no quente mês de agosto. Sai-se de lá recomposto e de bem com a vida.
Andando à deriva por Père-Lachaise, daremos inevitavelmente com o local onde está enterrado Jim Morrison, líder e vocalista dos The Doors. O melhor é nem lhe ligarmos nenhuma, dado que o seu túmulo é muito concorrido. Há sempre muita gente por ali, o que estraga um tanto ou quanto o ambiente íntimo indispensável a quem quer meditar e passar uns momentos aprazíveis.
Que prazer pode haver se sentirmos sempre gente à nossa volta a ir e a vir e um permanente burburinho? Para se meditar é preciso alguma intimidade. Em síntese, é demasiada a excitação à volta do túmulo do Jim Morrison, e se nós andássemos à procura de excitações envolvendo multidões, de certeza absoluta que haveria melhor lugar para as encontrarmos de que num cemitério.
Só para que percebam daquilo de que falamos, aqui fica um vídeo com o sururu que houve aquando do quinquagésimo aniversário da morte de Jim. Noutros dias não há tanto, mas ainda assim há bastante:
Em boa verdade, talvez melhor seja irmos para o local onde está o Oscar Wilde. Também atrai muitas criaturas, mas não tantas ao ponto de provocar enchentes. O problema aqui é outro. Os visitantes ganharam o hábito de o beijar, e o túmulo está constantemente cheio de marcas de baton.
A bem dizer, acaba por não ser também um sítio onde nos sintamos recolhidos para meditarmos sobre a fugacidade da vida e em quão tudo é vão. Mais não seja, porque começamos a pensar em beijos, e se andássemos à procura de beijos, de certeza absoluta que havia melhor lugar para os encontrarmos de que num cemitério.
Digamos que o Père-Lachaise é um sítio bonito e divertido, mas talvez para profundamente meditarmos, necessitemos de um outro lugar. Atravessemos então o tal canal, o da Mancha, pois claro, que separa a Inglaterra da França.
O destino é Londres, mais especificamente, o Highgate Cemetery. Neste sítio tudo é distinto das excitações do cemitério de Paris. Logo no portão de entrada, é mesmo isso que uma mensagem gravada no seu alto nos anuncia: “Peace, Perfect Peace”.
Highgate situa-se numa charneca e está envolto numa floresta. Em Paris havia longas áleas e retos percursos traçados a régua e esquadro, aqui tudo nos aparece de um modo mais desarrumado, como se a natureza se misturasse com campas e túmulos sem seguir qualquer ordem aparente e sendo totalmente independente da vontade humana.
Tanto assim é, que encontrarmos o túmulo de alguém conhecido, não é tarefa fácil em Highgate. Pode estar em qualquer lugar. Temos por isso de andar de um lado para o outro, penetrar por caminhos improváveis e ir pelo meio do arvoredo na esperança de eventualmente lá chegarmos.
É certo que quando como em Paris, a vegetação está ordenada, debastada e limitada a certos espaços específicos, o caminho a percorrer é mais evidente, todavia, também há quem ache graça a meditar perdendo-se por lugares de denso e abundante matagal.
Uma das mais famosas sepulturas de Highgate é a de Karl Marx. Em 1848 o político, filósofo e economista alemão escreveu um livro que haveria de ficar na história: Das Kommunistische Manifest. Logo no texto de abertura dizia-se assim: “Um fantasma ronda a Europa. O fantasma do comunismo”.
Não sabemos se o fantasma do comunismo hoje em dia ainda ronda ou não a Europa, o que na verdade sabemos, é que ao longo da história, muitos são os relatos de gente que diz ter avistado fantasmas e vampiros no cemitério de Highgate.
A coisa chegou inclusivamente às televisões e aos jornais. Há livros, filmes e documentários sobre o assunto e muitas outras coisas mais.
Dadas tais circunstâncias, estamos em crer que Highgate também não será o melhor sítio para uma aprazível meditação. Havendo tantas notícias de fantasmas e vampiros, e mesmo não acreditando nessas coisas, uma pessoa enche-se de medos e receios, e em vez de se concentrar em elevados pensamentos metafísicos, acaba por se deixar assustar com manifestações vindas do além.
Não é por nada, mas durante décadas e décadas também houve muito boa gente por todo o mundo que se assustou com as manifestações comunistas, portanto, se uns se podem assustar com certas coisas, nós também temos direito a assustar-nos com outras, mesmo que nelas não acreditemos.
Abaixo o túmulo de Karl Marx em Highgate.
No início deste texto, anunciámos que tínhamos três sugestões de cemitérios para vos dar. Já verificámos que quer Père-Lachaise, quer Highgate são sítios que vale a pena visitar, no entanto, pelas razões que indicámos, talvez estes cemitérios tenham um ou outro problema, e não sejam efetivamente perfeitos para se passar momentos agradáveis e aprazíveis.
Dito isto, a sugestão perfeita para se passar um bom momento, é um cemitério alegre. Fica mais longe que Londres ou Paris, mas é bem capaz de valer esta nossa última viagem. Situa-se na Roménia, na pequena localidade de Sapanta.
O nome do cemitério é Cimitirul Vesel, o que traduzido de romeno para português significa cemitério alegre.
Cimitirul Vesel é um sítio com muita cor, cada campa tem uma pintura naïf que retrata o falecido a fazer aquilo por que em vida era conhecido. São mais de oitocentas, as cruzes pintadas com uma representação da vida do falecido, que imortalizam não só as suas virtudes, mas igualmente os seus defeitos. Os detalhes menos lisonjeiros são recordados nos epitáfios com humor e ironia.
Sob esta pesada cruz
Jaz a minha pobre sogra
Mais três dias ela deveria ter vivido
Quem está de passagem
Tente não acordá-la, por favor,
Porque se ela voltar para casa
Mais me vai chatear.
Mas eu vou portar-me bem
Para ela do túmulo não voltar.
Fique aqui, minha querida sogra!
Há também quem tenha na campa a recordação eterna do como era um aselha a conduzir e outras coisas engraçadas do género. E pronto, com isto chegámos ao fim, não ao derradeiro, cruz credo, apenas ao deste texto. Um bom feriado, descansem em paz.
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