Há uns dias escrevíamos sobre como atualmente crianças e jovens já praticamente não andam a pé. Os papás e as mamãs levam-nos quase sempre de carro de um lado para o outro, mesmo quando um lado dista do outro tão-somente umas poucas centenas de metros.
Se porventura o local donde se sai, distar daquele onde se quer chegar, mais que umas poucas centenas de metros e a pé não for possível ir, ainda assim, há alternativas ao carro: os transportes públicos.
Bem sabemos que há frequentes greves, atrasos e atascos, mas os transportes públicos valem bem uma viagem, são uma coisa linda e maravilhosa. Por assim ser, é isso mesmo o que nós vamos agora fazer, ou seja, neles viajar.
Viajaremos de metro, de elétrico e de autocarro. Esperam-nos emoções únicas, prazeres intensos e deleitosas sensações. Sentir-se-á que há música no ar e um desejo imenso de se cantar e bailar. Se nos quiserem acompanhar, vinde, que sois bem-vindos.
Comecemos pelo metro de Berlim, que em alemão se diz, o U-Bahn. Estamos na estação de Friedrichshain, bem no coração dessa magnífica metrópole. Não muito distante, fica a mais nobre e antiga avenida da cidade, Unter den Linden.
Um nome belo, que traduzido para português significa Sob as Tílias, dado que aí as há abundantes pela rua afora.
Na estação de Friedrichshain há gente anónima que entra nas carruagens do metro, jovens e velhos, casais, grupos de amigos ou conhecidos, havendo também quem vá só. Uns estão de fones nos ouvidos, outros lêem livros ou jornais, uns quantos olham para o telemóvel e outros tantos vão só distraídos a ver o tempo passar. Até que alguém entoa os primeiros acordes de “How deep is your love” dos Bee Gees e acontece algo absolutamente inusitado. Foi tudo filmado:
Talvez haja quem não saiba ou já não se recorde que “How deep is your love” foi um tema composto para a banda sonora do filme “Febre de sábado à noite”. Na cena na qual se ouve a música, Jonh Travolta, que interpreta o personagem principal, cede ao cansaço e à amargura. Após anos de muitas aventuras nas noites nova-iorquinas, sente-se agora vazio por dentro.
Depois de mais uma viagem que terminou pela madrugada, abandona os amigos e decide não regressar com eles de carro ao bairro onde todos moram, que por sinal fica longe, mais concretamente do outro lado da ponte que liga Brooklyn a Manhattan.
Travolta apanha o metro e anda um longo tempo, até ao amanhecer, para trás e para a frente, de um lado para o outro, a pensar que sentido dar à sua vida. É nesse instante que se começa a escutar “I know your eyes in the morning sun. I feel you touch me in the pouring rain, and the moment that you wander far from me…”
Deixemos o metro e também Nova Iorque e Berlim. Agora vamos de elétrico e o nosso destino é Saint Louis, no Missouri, junto ao rio Mississippi. Estamos no verão de 1904 e a cidade prepara-se para viver uma grande festa, pois é aí que se vai realizar a Exposição Universal desse ano, bem como os Jogos Olímpicos.
Nesse tempo em Saint Louis, por casa dos Smith, tudo ia bem. A segunda filha do casal, interpretada por Judy Garland, apaixonou-se por John, “the boy next door”. Ele não lhe liga lá muito, mas isso não a esmorece, visto que é uma moça determinada, teimosa e habituada a obter aquilo que deseja.
De modo a conseguir os seus intentos, Judy organiza um passeio para o domingo seguinte com os rapazes e raparigas da vizinhança. Vai de tudo de elétrico (ou trolley, como então se dizia) até à Exposição Universal. Convida também John, pois feitas contas, o principal objetivo dela era esse mesmo. John aceita distraidamente e diz-lhe que sim.
Chegados a domingo, a rapaziada está toda instalada e o eléctrico faz-se ao caminho. Judy olha para todos os lados, quem parece que não apareceu foi o John. Há de se ter esquecido ou ter coisa melhor para fazer. Judy ficou com o dia estragado.
Mas não, afinal não! John só tinha chegado atrasado, vem por aí a correr atrás do elétrico. Corre desalmadamente e apanha-o. Chega estafado, mas chega. Judy arrebita logo e vai de bailar e cantar: “Clang, clang, clang went the trolley, Ding, ding, ding went the bell…”
Em Londres, os londrinos chamam “junction” a um sítio onde se juntam vários tipos de transportes: autocarros, comboios, metro e outros. “Juction” não é uma palavra particularmente elegante, nós por cá temos uma bem portuguesa que é muito melhor: interface.
Por exemplo, o interface do Cais do Sodré em Lisboa, constitui uma plataforma de interligação entre o metro, a linha de comboios de Cascais e a ligação fluvial para a outra margem. É um bonito interface.
Uma das mais importantes “juctions” de Londres é a de Clapham. Foi por esses lados, que um dia um rapaz encontrou uma rapariga. O que depois sucedeu, foi coisa que muito o surpreendeu, pelo menos foi o que ele disse: “I never thought it would happen with me and the girl from Clapham”.
Às tantas já vivia com ela numa cave, numa “basement” em inglês. Pensavam em casamento e passavam os dias “just kissing”. Mas o rapaz teve de se fazer à vida e arranjar emprego, no caso com o amigo Stanley, para poder sustentar a família, pois o facto é que a rapariga engravidou.
O bebé nasceu e dois anos depois a rapariga, a mãe, claro está, pôs-se ao fresco, foi-se embora com um tropa. A culpa foi do rapaz, que por essa altura bebia demais: Oiçamos o relato na primeira pessoa: “And now she's two yers older, her mother's with a soldier. She left me when my drinking became a proper stinging.”
Toda esta história está contada numa canção de 1979 há muito esquecida: “Up the Juction” dos Squeeze. Se “Juction”, como se diz em português é um interface, metaforicamente pode também ser uma encruzilhada do destino, ou seja, um daqueles momentos da vida em que não sabemos nem como, nem para onde ir.
E é isso mesmo que o rapaz da história nos diz: “ Alone here in the kitchen, I feel there's something missing.I'd beg for some forgiveness but begging's not my business. I'm really up the junction.” Vale a pena recordar a canção:
E pronto já passeámos de metro, de elétrico e até fomos a um interface. E com isto caminhamos para o fim da viagem. Podíamos apanhar um táxi para a etapa final, mas não, vamos de autocarro. Acompanham-nos os rapazes dos táxis, e muito particularmente o cantador Tony de Matos, que apesar de ser chofer, apanha o autocarro, um daqueles que antigamente havia, com dois andares.
Passeia pela Lisboa que amanhece e da janela vê o Terreiro do Paço, as colinas e o Tejo, a Sé, Alfama e até o Cais Sodré. Amanhã pela manhã continuaremos a nossa viagem, só que a pé. Até lá, aqui fica “Lisboa acordou”, do filme de 1965 “Rapazes de táxis”:
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