A fotografia é da grande Ruth Orkin e mostra-nos uma rapariga americana a andar por uma rua de Florença em 1951. Vê-se pela imagem que os florentinos apreciam bastante quem gosta de andar a pé.
Andar a pé é coisa de
místicos, poetas, filósofos e artistas, ou seja, é coisa de todos nós. Ao longo
dos século foram tantos os que peregrinaram por Ceca e Meca ou até Santiago de
Compostela, andando dias e dias seguidos só por andar, sem outro propósito, que
não fosse ao destino chegar.
São Tiago, ou simplesmente Tiago, que era como os companheiros o chamavam, foi também ele um grande caminhante. Muitos acreditam que Tiago, o filho de Zebedeu, veio andando desde da Galileia até à província romana da Hispânia. Pelo caminho terá passado por Braga, Guimarães e Rates, onde no ano de 45 fez um discípulo, São Pedro de Rates.
Abaixo uma imagem da Igreja de São Pedro de Rates, que é um dos mais antigos edifícios de Portugal a ter sido classificado como monumento nacional.
Mas que dizer também
da escola peripatética, palavra grega para ambulante ou itinerante. Peripatéticos
(ou "os que passeiam") eram os discípulos de Aristóteles. O nome teve
por causa o hábito do filósofo em ensinar ao ar livre, caminhando pela velha
Atenas enquanto lia e dava as suas lições.
Abaixo, o fresco de Rafael intitulado “A Escola de Atenas”. Ao centro, Platão e Aristóteles, que vão andando e trocando umas quantas ideias pelo caminho.
Poderíamos também
falar-vos de Jean-Jacques Rosseau, escritor mas também músico, botânico e
naturalista. Há duas frases que talvez possam sintetizar todo o seu pensamento:
“O homem nasce livre, mas vive acorrentado” e “O homem é bom por natureza”.
Não há propriamente um
consenso sobre quem é o pai da pedagogia. Platão e Aristóteles são considerados os primeiros pedagogos
da humanidade, por terem concebido um sistema educativo e terem fundado as
primeiras escolas, a Academia e o Liceu. Todavia, atribui-se a Jean-Jacques Rousseau o título de “pai da pedagogia
moderna”.
Seja lá o pai quem
for, o que para o caso nos importa, é que Rousseau também a pé muito andava.
Uma das suas mais célebres obras, é dedicada a esse tema, “Os Devaneios do
Caminhante Solitário".
O livro fez de Rousseau o primeiro romântico do século XVIII. Nele são descritas dez caminhadas meditativas de Rousseau por campos e bosques. Em cada um dos passeios há um tema diferente, como por exemplo, a mentira, a felicidade, a solidão ou a hipocrisia.
Abaixo uma imagem de 1770, com Jean-Jacques Rousseau meditando no Parque de Rochecordon. Parque que não fica perto nem longe de Lyon, mas seja como for, o certo é que teve de caminhar para lá chegar.
Uma vez estabelecido que andar a pé é coisa de místicos, poetas, filósofos e artistas, ou seja, coisa de todos nós, vamos ao cantar e ao bailar, que no título deste texto anunciámos.
Começamos com
rebeldia, “Walk on the Wild Side”. A letra da música conta-nos a história de
umas quantas pessoas que andavam por Nova Iorque naquela época, ou seja, na
década de 70.
Nem nos atrevemos a
traduzir para português as coisas que faziam, são muito marotas. Todas essas
personagens são uma espécie de “superstars", que só o eram por
frequentarem o estúdio de Andy Warhol, The Factory. A música menciona Holly,
Candy, Jackie e Joe, que não eram ninguém, apenas andavam por ali.
À data do seu
lançamento, a canção provocou imensa polémica por se referir a temas tabu. Foi
muito censurada nas rádios. Mas que nos importa isso a nós, se é para andar a
pé, por que não pelo “The Wild Side”? A parte da letra mais insinuante e
saborosa é esta: “go doo do doo do doo doo do doo do doo…”. É ouvirem :
Deixemos agora Lou
Reed, e cantemos e bailemos com Dionne Warwick, “Walk on By”. O contexto é
outro. O ano é 1964 e estamos no topo da Maison de la Radio em Paris. Se fosse
hoje, diríamos que estávamos no “rooftop”, mas naquele tempo isso era a coisa
que ainda não havia.
Ao que parece, o rapaz
que Dionne amava pôs-se a andar. Coisa que lhe causou um grande desgosto e a
fez derramar imensas lágrimas. O que a aflige é pensar que mais dia menos dia,
ao andar pela rua, por um qualquer acaso, pode dar de caras com ele e desatar a
chorar. Razão pela qual, lhe faz uma advertência, que siga caminho e não
pare: ”If you see me walking down the street, and I start to cry each time we
meet, walk on by, don't stop”.
Em qualquer dos casos,
mesmo abandonada, Dionne Warwick, estava elegantíssima em 1964. Se pela rua
então andássemos e por um qualquer acaso a encontrássemos, certamente que
valeria a pena não seguirmos caminho e por instante pararmos. É ver:
Para terminarmos esta nossa viagem a pé, falemos de calçado.
Quando nos pomos a andar, é de toda a conveniência calçar algo adequado. Há
quem goste de o usar mais prático e confortável, há quem a nada disso ligue, e
o prefira sofisticado. Por nós tudo bem, cada qual que se calce como entender.
Foi isso mesmo que
Nancy Sinatra um dia fez, calçou as suas botas e lá vai disto, anunciou ao
mundo numa canção que “These boots are made for walkin”. Na nossa modesta
opinião, não lhe ficam mal.
Mas dito isto, o certo é que Nancy não anuncia ao mundo apenas que as suas botas foram feitas para andar, põe também um ar levemente ameaçador, que nos faz temer que qualquer coisa de desagradável nos possa suceder, quando ela repete que “one of these days these boots are gonna walk all over you” ficamos com uma leve sensação que o melhor é pormo-nos a andar não vá o diabo tecê-las.
E é isso mesmo que
vamos fazer, pormo-nos a andar, adeusinho, fiquem vocês com a Nancy e
respetivas botas:
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