Ao que se sabe, a classe docente é uma das mais deprimidas de Portugal. O que não é dizer pouco, pois o próprio país, é um dos mais deprimidos de toda a Europa. Esclareça-se que não estamos aqui a referir-nos a tristezas vagas, a pontuais estados de alma ou às vulgares maçadas e chatices que a vida tem. Falamos sim de algo mais grave, ou seja, de problemas clinicamente diagnosticados e com papel passado.
Para nossa sorte, nós não temos sido acometidos por tais males, vamos levando a vida a rir, no entanto, tal não significa que não nos compadeçamos por quem os tem e que, por consequência, não pensemos nesse assunto.
Abaixo, o link de acesso a uma reportagem da SIC Notícias sobre o estado depressivo em que se encontram muitos professores.
https://sicnoticias.pt/pais/2023-01-14-Professores-a-Grande-Depressao-47220dfb
Nos tempos da antiguidade clássica, aqueles que vão desde Homero a Platão até à Roma imperial, acédia era uma palavra que designava um estado de abatimento e torpor. Quem dela sofria não se parecia importar consigo próprio nem com o mundo em seu redor. Na Grécia de então, acédia significava literalmente um estado inerte sem dor ou cuidado.
Com o fim do mundo antigo e a chegada do cristianismo, o termo passou a ser usado para definir um estado espiritual de apatia, ganhando então conotações morais. A acédia era vista pelos primeiros cristãos como uma tentação demoníaca, diante da qual só os fracos de espírito cediam.
Com o passar dos séculos, as autoridades religiosas cristãs acabaram por incluir a acédia na lista dos vícios a evitar pelas boas almas, tendo inclusivamente sido classificada como um pecado mortal pelo maior dos doutores da igreja, São Tomás de Aquino (1225-1274).
Assim sendo, aqueles que sofriam de acédia eram associados à preguiça, ao tédio, à falta de carácter e à ausência de força de vontade. Tudo características consideradas pecaminosas pela santa madre igreja.
Por vezes, no outono, em certos dias tristes e vazios, pensamos que talvez não fosse má ideia irmos olhar o Atlântico. Mais que não fosse, valia a pena só para sentirmos uma leve brisa fria e um forte odor a maresia.
Diante o imenso mar, abre-se um extenso horizonte, sendo portanto o local ideal para pensarmos na vida numa perspetiva mais vasta e assim revistarmos as expetativas que tínhamos, as que temos e as que deixámos de ter.
Nós não temos conhecimentos especializados em psicologia ou psiquiatria, ainda assim, se nos pusermos a adivinhar, diríamos que o estado depressivo em que se encontram muitos professores, advém de as suas expetativas não terem sido cumpridas.
Não falamos sequer das expetativas relacionadas com questões salariais e de progressão na carreira. Falamos sim das expetativas de um tempo passado, ou seja, aquelas que provavelmente teriam no dia em que decidiram ser professores.
Na verdade, estamos a falar da cor primaveril dessa decisão e da leveza desse dia primeiro, assim como do tom esperançoso de que estariam pintadas essas expetativas iniciais.
Mas na verdade, estamos também a falar de o quanto o tom promissor de outrora e dessas tais expetativas iniciais, tanto contrastam com a cor outonal do agora e com o tom pesado e desiludido do presente, que por todo lado se sente na classe docente.
Sonhos que sonhei
Onde estão?
Horas que vivi
Quem as tem?
Vivo de saudades, amor
A vida perdeu fulgor
Como o sol de inverno
Não tenho calor
Ou muito nos enganamos, ou a maior parte dos que escolheram ser professores, teria a expetativa que iria ter quotidianamente pela frente turmas interessadas no que tinha para ensinar e que, mesmo que houvesse um ou outro aluno mais traquina, genericamente a rapaziada estaria calada, sossegada, empenhada e cheia de vontade de aprender.
Contudo, na larguíssima maioria dos casos, como todos bem sabemos, não foi nada disso que sucedeu. Esse mundo idílico de alunos e escolas de encantar já não existe, se é que alguma vez existiu. Por assim ser, não é de espantar, que quem professor quis ser e tais expetativas iniciais antes tinha, se possa agora sentir defraudado.
Os relógios funcionam de modo a que os horas vão passando a um ritmo certo e os dias nos pareçam normais, mas para quem é professor e arrasta constantemente consigo a desilusão de todas as suas expetativas, cada minuto há de lhe custar horas a passar, não havendo portanto um único dia de trabalho, que não lhe pareça anormalmente longo.
É expectável que comece a aborrecer-se, a mal-dizer a carreira que escolheu, e que com o acumular do tempo, dia após dia, semana, após semana, mês após mês e ano após ano, acabe por lentamente se ir deixando cair num estado depressivo ou algo muito próximo disso.
Uma outra doença do mundo antigo, era a melancolia. Já no século V a.C. Hipócrates falava dela. Segundo o fundador da medicina, a influência de Saturno leva o baço a expelir uma bílis negra, alterando o humor, escurecendo-o, o que inevitavelmente conduz a um estado de melancolia.
A palavra melancolia tem origem no grego antigo e resulta da junção de mélas (μέλας) que significava negro, e cholé (χολήl) que significava bílis. Caracterizava-se por uma tristeza vaga, permanente e profunda, que levava quem dela sofria a sentir-se abatido e a não desfrutar dos prazeres da vida. Surgia devido a causas físicas e/ou morais.
O mundo muda permanentemente e a mudança entra como sempre entrou pelas portas, janelas e varandas das casas, entra agora pelos ecrãs e desde tempos imemoriais pelos livros. O mundo que muda entra também pelas salas de aulas adentro e desfaz as expetativas de antes. Mas ao entrar, não se limita a desfazer o que previamente havia, abre igualmente caminhos possíveis, propondo inéditos desafios e inauditos destinos.
Todas as paredes existem, mas amiúde há lá fora um jardim ou uma ideia original que vale a pena seguir. Esperar que os ponteiros dos relógios parem ou que as ondas do vasto mar se detenham é coisa escusada pois só conduz a frustrações e depressões.
As expetativas podem ser como as ondas do mar que vão e vêm, renovando-se nesse ir e vir. As expetativas podem ser como os ponteiros dos relógios que avançam anunciando novas horas. Não merece o esforço erguerem-se paredes feitas de expetativas defraudadas, para depois nos encerrarmos lá dentro a lamentar-nos da nossa cruel sina.
Terminamos colocando a hipótese que talvez à classe docente não faça tanta falta a psicologia e a psiquiatria, mas mais uma nova ciência, a labirintologia, que como o próprio nome deixa adivinhar, é a ciência dos labirintos.
O grande ensinamento da labirintologia, é que há caminhos que não nos levam a lado nenhum e que as saídas não se descobrem logo à primeira.
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