É novembro e começa a fazer frio. O melhor é vestirmos um casaquito para andarmos agasalhados. O que na verdade, não tem nada de extraordinário, pois que caminhamos para a invernia. Assim sendo, é fazer como sempre se fez, ou seja, usar roupas quentes. Há coisas nas quais não vale a pena inovar, nem há mais nada para inventar.
Nós não gostamos particularmente de briol, mas ainda assim, quer faça chuva, quer faça sol, bem ou mal, lá vamos andando. Andando, mas a pé, que parece ser coisa, que atualmente poucos fazem.
Entre esses que não o fazem e provavelmente nunca o farão, estão os alunos da mais recente geração, que desde o pré-escolar até à faculdade, são sempre transportados de popó pelo papá e pela mamã.
Pouco importa se moram longe ou moram perto. Se chove, faz vento ou está um calor de rachar. A bem dizer, de rachar, é calor que nunca está, pois de rachar, é só quando frio faz. Também não interessa sequer aonde vão. O único que é certo, é que moças e moços, sozinhos e a caminhar, a lado nenhum irão.
Tudo isto foi comentado por vários órgãos de comunicação social e, sobretudo, pelo Jornal de Notícias. Lendo o artigo, ficamos também a saber, que aquilo a que desde sempre se chamava “ir sozinho a pé para a escola e não se perder pelo caminho”, designa-se agora por “Planear a mobilidade escolar”.
Tal planeamento envolve atualmente autarquias e muitas outras entidades oficiais. Em síntese, fazer o caminho casa-escola e vice-versa, já não é agora como era dantes um assunto menor, é algo que necessita de projetos, de debates e de um amplo consenso das comunidades locais e das suas respetivas instituições.
Os meninos e as meninas do nosso tempo, não podem pura e simplesmente pegar na pasta ou na mochila e ir andando para a escola, antes que tal eventualmente possa suceder, serão necessários estudos prévios de arquitetos e engenheiros, a implementação de medidas urbanísticas adequadas a esse efeito, erguerem-se equipamentos públicos para tal e sabe-se lá mais o quê.
Hoje em dia, é quase tão complexo ir a pé de casa para a escola e vice-versa, como o será construir um aeroporto que nos permita voar de Lisboa para Katmandu e voltar.
Talvez quem nos lê pense que exageramos. Pesquisem na internet e logo verão que não. Como aperitivo, deixamos-vos este pequeno apontamento de reportagem:
Será mesmo imprescindível, que quem mora a dez ou quinze minutos a pé da escola ou da faculdade, tenha ir de carro? Não nos parece, mas pelos vistos, há muito a quem pareça que sim. Para o constatar, basta ver os engarrafamentos que diariamente existem às horas de entrada e de saída dos estabelecimentos de ensino do básico ao superior.
Se quiserem ler mais sobre este assunto, servimos agora não um outro aperitivo, mas sim um artigo de opinião mais substancial. Intitula-se “Por que não levar o carro para dentro da escola?”:
Ao que se diz, os papás e as mamãs temem pela segurança dos petizes que frequentam os primeiros anos de escolaridade e mais tarde temem também pela dos marmanjos que andam no ensino secundário e até na universidade.
Contudo, as preocupações parentais não se limitam às atividade letivas, estendem-se também às lúdicas. Se os meninos e as meninas vão para a ginástica, para o Karaté, para o ballet ou aprender a tocar piano e a falar francês, é garantido que a pé não vão, não vá o lobo mau aparecer-lhes pelo caminho. Com os lobos, todos os cuidados são poucos.
Espantosamente, pelo menos para aqueles que como nós já caminham para a idade, mesmo quando vão para a farra até altas horas da noite, os jovens têm quase sempre alguém que de automóvel os vá levar e buscar, não vão perder-se na escuridão, ou porventura encontrar algum capuchinho vermelho que os desvie do recto caminho e do calor do lar.
Mas a que se deverão todos estes cuidados com as novas gerações? Será porque está muito frio? É pouco provável que assim o seja. Não só porque em Portugal não faz assim tanto briol, quando o faz noutras latitudes, mas também porque, mesmo em dias aprazíveis e convidativos a um passeio, não é por isso que andam mais crianças e jovens nas ruas pelo seu pé.
Desse modo, só pode ser porque Portugal é um país inseguro, e vá-se lá a saber o que poderia acontecer à rapaziada, caso andasse por aí sozinha a pé. Todavia, de entre cerca de duas centenas de países que há no mundo, o nosso é um dos mais tranquilos.
Quando comparado com os países mais desenvolvidos do planeta, Portugal raramente fica bem, porém, em matéria de segurança, é precisamente o oposto que sucede. Aí sim, estamos bem, entre os melhores. Vejamos o Top-Ten de 2023:
- Islândia
- Dinamarca
- Irlanda
- Nova Zelândia
- Áustria
- Singapura
- Portugal
- Eslovénia
- Japão
- Suíça
Mas quem pense que tudo isto se passa apenas nas cidades grandes como Lisboa ou Porto, desengane-se. Mesmo em localidades pequenas, o panorama é igual. Segundo dados dos Censos, em Portugal mais de metade (52%) dos alunos entre os 6 e os 18 anos vai de carro para a escola, 24% vão a pé, 23% de transportes públicos e menos de 1% de bicicleta. Sendo que, no caso dos alunos mais novos, com idades abaixo dos 14 anos, a percentagem dos que são levados de carro pelos pais aumenta exponencialmente.
Olhando para os Censos, há que concluir, que não só quase ninguém vai sozinho para a escola a pé, como também não vai de transporte público. Claro que parte desta situação, se deve ao nosso atraso estrutural e, porque não dizê-lo, cultural. Num país no qual, há umas poucas décadas andar de carroça era um luxo, andar de automóvel é ainda hoje uma questão de estatuto e ascensão social.
Mas dito isto, o problema é que as gerações mais recentes, não só não conseguem ir sozinhas a pé ou de transporte público para a escola, como também não conseguem ser autónomas em quase nada. Ou se calhar até conseguiriam, não se desse o caso, dos papás e da mamãs serem atualmente tão protetores, que se metem cada vez mais naquilo que aos seus filhos, não lhes diz respeito.
Na semana passada, a coordenadora da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa escreveu o seguinte: “Sentimos necessidade de deixar claro que, por princípio, não respondemos a pais. Os alunos são maiores de idade e não devem ser infantilizados. Não alinhamos numa dinâmica que contribua para lhes retirar autonomia e maturidade.”
Explicitou ainda, que mensagens de e-mails ou por outro meio, enviadas por pais de alunos não terão qualquer resposta. O objetivo é travar a interferência das famílias na vida académica dos jovens.
“Andar a Pé”, no original “Walking”, é um dos mais belos textos de Henry David Thoreau (1817-1862). Nele o autor expõe a sua filosofia. Diz-nos que a arte de caminhar sozinho, é a forma mais intensa de despertar os sentidos e a alma humana.
”Andar a pé” é um autêntico hino de amor à liberdade. Para terminar, uma citação: dessa obra: “An early-morning walk is a blessing for the whole day.”
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