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Espanha é nossa.



Dantes era costume dizer-se que algo ia dar raia, quando desconfiávamos que a coisa ia dar molho ou sair asneira. Raia é também a palavra que designa a linha fronteiriça que separa Portugal de Espanha. Há igualmente um peixe que se chama raia, o qual faz as delícias dos amantes de caldeiradas.

 

Dito isto, daqui para frente vamos evitar o uso de mais palavras homónimas. O nosso idioma tem tantos e belos vocábulos, que é uma traição à mãe-pátria estarmos a sempre a usar as mesmas palavras, ainda que estas possam possuir distintos significados. Chega de homónimos, viva à nossa língua, viva Portugal.

 

É uma promessa que fazemos a quem nos lê, ou seja, honrar a nossa língua nacional celebrando a sua variedade lexical. Desse modo, assinalamos também o feriado da Restauração da Independência, que se comemora à data de hoje. Como um dia disse Fernando Pessoa, que tinha muitos heterónimos mas nenhum deles homónimo: “A minha pátria é a língua portuguesa”.

 

Vendo o exemplo da imagem abaixo, desconfiamos muito que o autor do aviso é muito bem capaz de estar ao serviço de Espanha. Será que “oje ou há manhã” serve caldeirada à portuguesa? Tememos bem que não, às tantas só tem bocadillos de jamón.

 

 

Durante séculos, quer antes, quer depois de 1 de dezembro de 1640, a história comum entre Portugal e Espanha foi uma enorme caldeirada. É disso que hoje vos vamos falar. Porém, antes de seguirmos com esse tema, que é o principal prato do dia, façamos um aparte, a fim de evitar equívocos com os nossos leitores mais sensíveis ao uso do léxico nacional.

 

Desengane-se quem crê que nos apanhou em falso com a palavra caldeirada. Quem pense, que ao contrário do que prometemos, com a caldeirada voltámos às palavras homónimas, que tire daí a ideia.

Bem sabemos que usámos a palavra caldeirada num sentido diferente daquele que se refere ao prato cujos ingredientes são diversas variedades de peixes, batatas, cebola, tomate e pimentão, mas a verdade é que a usámos em sentido figurado e não homónimo. Em síntese, somos patriotas, cumprimos o prometido.

 

Feito o aparte lexical, a verdade é que com frequência ao longo da longa história houve grandes caldeiradas na raia, expressão com que de modo figurado nos referimos às barafundas, salganhadas e peixeiradas ocorridas entre os exércitos dos dois países ibéricos na fronteira que os separa.

 

Há inclusivamente situações, que nunca ficaram bem amanhadas. É o caso de Olivença, que apesar de atualmente fazer parte do estado espanhol, muitos ainda hoje dizem fazer parte do território português.

 

Entre esses que o dizem, está também o putativo herdeiro da coroa portuguesa, D. Duarte Pio. Apesar de putativo, o senhor parece ser uma pessoa pacata, que não aprecia andar metido em caldeiradas, no entanto, quando lhe falam de Olivença começa logo a levantar fervura, acabando por lhe saltar a tampa.

Quando assim é, a modos que o homem não vai de modas e põe-se a vociferar palavras azedas contra a ocupação ilegal de Olivença pelos castelhanos.

 

Noutras circunstâncias, o putativo rei de Portugal seria certamente um Zelensky de Olivença, mas como as circunstâncias são estas, lá vai vivendo sossegado, mesmo que de vez em quando se apoquente e diga umas quantas palavras duras aos jornais a fim de exigir a Espanha a devolução do que é nosso.

 

Uma vez ditas as palavras, ninguém lhe liga nenhuma e a vida continua. Mas nós estamos com D. Duarte Pio, não queremos um Portugal que se agacha. Já agora a palavra homónima de agacha em espanhol significa “ponerse en cuclillas”.

“Cuclillas”? Pode lá ser uma coisas dessas! Dás-lhe com força D. Duarte, portugueses em “cuclillas” jamais. Não queremos, que se ponham os espanhóis.



Temos vindo a falar de Portugal e Espanha a propósito da comemoração da Restauração da Independência, nesse contexto, nada melhor que citarmos o celebrado escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte, que quando esteve há uns meses em Lisboa declarou o seguinte: “É uma anomalia que Portugal e Espanha não sejam um mesmo Estado”.

 

Noutros tempos, uma tal declaração, certamente que daria raia. Causaria indignações várias e briosas manifestações de orgulho pátrio. Contudo, nos dias que correm, ninguém pareceu ligar patavina. Ninguém, tirando o D. Duarte Pio, nós e outros ilustres que tais, que estamos sempre na primeira linha da frente em defesa dos interesses nacionais contra os malvados castelhanos.

 

Por exemplo, ainda há pouco tempo, realizou-se o casamento da Infanta Maria Francisca de Bragança, filha de D. Duarte Pio. Como seria de esperar, toda a ilustre nobreza nacional compareceu. Entre os convidados contava-se gente como D. Pedro Passos Coelho, D. Paulo Portas, D. Carlos Moedas, D. Pedro Santana Lopes e D. Marcelo Rebelo de Sousa, no entanto, da casa real espanhola nem veio o rei, nem veio ninguém, zero, niente, nicht.

 

Na verdade também não veio vivalma das casas reais da Suécia, da Noruega, da Dinamarca e do Reino Unido. E o que é que isso nos diz? Claro está, foram os espanhóis que andaram a meter veneno para nos deixar ficar mal. Andam desde 1640 a regurgitar o termos voltado a ser independentes.

 

Mas uma vez aqui chegados, o que nós propomos é que retaliemos. Que não fiquemos por Olivença, queremos mais. Se Espanha quer caldeirada, vamos a isso.

Comecemos pelo Museu do Prado, um dos melhores e maiores do mundo, na verdade é nosso. Quem o fundou e o concebeu foi Isabel de Bragança, a princesa portuguesa que casou com o Rei de Espanha Fernando VII.

Isabel nasceu em Queluz, portanto não há que hesitar, queremos o Museu do Prado em Queluz. Se não couber todo lá, divide-se por Belas, Massamá e Monte Abraão que também fazem parte do concelho. Se for preciso vai uma parte da coleção para Agualva-Cacém, que fica ali mesmo ao lado. 

Abaixo, um tríptico de Bosch que faz parte das coleções do Prado:

 

Mas pensemos também no mais aclamado e universal dos escritores espanhóis, Miguel Cervantes, o autor de “D. Quixote”. Cervantes viveu em Lisboa entre 1581 e 1583. Segundo as suas próprias palavras, em Portugal tudo lhe parece estupendo. Terá morado no Campo das Cebolas, ou pelo menos junto a essa zona da cidade.

 

A vida correu-lhe muito bem por cá, porque fez muitas crónicas em que elogia Lisboa e o facto de ter aí tido muitas mulheres, ir a inúmeras festas, divertir-se à grande e de não ter muito trabalho. É famosa a sua expressão “…para amores Lusitânia”.

Ao que se diz, teve uma filha portuguesa, de uma mulher casada com um outro homem. Assim sendo, é reclamar a herança e dizer alto e bom som, Cervantes é português.

 

Mas ainda não acabou. Um dos mais afamados pintores do mundo é Diego Velásquez, autor de um dos mais influentes e importantes quadros da História da Arte, “Las Meninas”. Era filho do advogado João Rodrigues da Silva, nascido no Porto em 1574. Não tem nada que saber, Velásquez passa também a português e acabou-se a conversa.

 

Neste momento, talvez já haja quem esteja com pena de Espanha, não estejam que deixamos-los ficar com Torremolinos, com os bocadillos e com os churros, mal não ficam. O que verdadeiramente importa é que se cumpra o desígnio de 1 de dezembro de 1640.

 

Abaixo uma imagem com uns churros. Não é por nada mas fazem-nos lembrar uma caldeirada de enguias, daquelas que se comem em Sarilhos, lá para os lados do Montijo.

 

Para terminar, sabiam por acaso que há em Espanha uma cidade homónima do Montijo? Fica perto de Badajoz e foi aí que se travou em 1644, no contexto da Guerra da Restauração, a batalha do Montijo, com uma decisiva vitória do exército português sobre o espanhol. 

Hasta la vista.

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