Como de há uns anos a esta parte, vai em breve ser eleita a palavra portuguesa do ano de 2023. As palavras candidatas, como aliás é costume, são um tanto ou quanto para o depressivo. Referem-se praticamente todas a diversas desgraças internas ou externas, a medos ou receios e a conflitos laborais, sociais ou políticos. Entre as candidatas há palavras tão tristonhas como inflação, conflitos, habitação, demissão, clima, inteligência artificial, médicos ou professores.
É fácil de perceber que as palavras conflitos, médicos e professores se relacionam com as lutas laborais e consequentes greves e manifestações. Clima e inteligência artificial terão a ver com as angústias e ansiedades que muitos sentem relativamente a um futuro que promete ser disruptivo. Inflação, demissão e habitação aparecem como resultado dos problemas económicos, sociais e políticos que atravessaram todo o ano de 2023.
Em síntese, a palavra portuguesa do ano é mais uma ocasião para um dos passatempos favoritos de Portugal, chafurdar na desventura e no infortúnio, sejam nossos ou dos outros.
De entre as palavras candidatas, só duas parecem estar relacionadas com algo vagamente positivo, navegadoras, o cognome da seleção nacional feminina que participou no Mundial de futebol, e jornadas, que se refere às Jornadas Mundiais da Juventude.
Não é que a prestação da seleção feminina (as navegadoras) no mundial tenha sido genial, uma derrota, uma vitória, um empate e eliminação na primeira fase. Mas como participaram com dignidade, pontapé para a frente, que para a próxima há de ser melhor.
O ano de 2023 também não foi particularmente feliz para a igreja, dados os inúmeros abusos que vieram a lume, ainda assim, fez-se uma grande festa na mesma, as ditas jornadas, pois ele há instituições a quem tudo é perdoado.
Certamente que poderíamos referir dezenas acontecimentos positivos do último ano, contudo, as únicas consolações da nação parecem ser, agora como sempre, a igreja e o futebol. Só faltava que uma palavra candidata se referisse ao nosso triste fado para a trilogia dos três efes, que tanto sucesso fez (e faz?), estar completa: fado, futebol e Fátima.
Há muito, muito tempo, havia uma canção que começava assim: “Cortejos e procissões, Fátima, fados e bola, são estas as distrações dum povo que pede esmola...”.
Como já antes dissemos, a palavra do ano portuguesa é sempre a atirar para o esmorecido e para desalentado, por exemplo, em 2022 foi escolhida a palavra guerra. Se é certo que a guerra foi um acontecimento central de 2022, é também certo que não era por isso que a palavra do ano tivesse que ser essa.
A palavra do ano é uma espécie de concurso, uma coisa assim meio a brincar, razão pela qual, não é algo para se levar muito a sério. Normalmente, é esse o espírito por que se regem os concursos, ou seja, são um jogo, um entretenimento, um divertimento e pouco mais que isso.
A palavra do ano é um concurso realizado em todo o mundo pelas editoras de dicionários, em Portugal é a Porto Editora que o faz. A nível mundial, a palavra do ano mais aguardada por todos, é a que é eleita pelo Oxford English Dictionary.
Em 2022, a palavra escolhida em Portugal foi a grave e séria palavra guerra, a escolhida pelo Oxford English Dictionary, foi a leve e despreocupada palavra “Goblin mode”.
Ou muito nos enganamos, ou a maior parte de quem nos lê não fará a mais pequena ideia do que significa “Goblin mode”. O Oxford Dictionary define-o como "um tipo de comportamento ostensivamente autoindulgente, desleixado, preguiçoso ou egoísta, que rejeita as normas e expectativas sociais".
“Goblin mode” é agir recusando-se a ser uma pessoa super responsável e perfeita, como aquelas que se levantam cedo para fazer exercício, tomam vitaminas, tem uma alimentação saudável, trabalham empenhadamente, têm uma vida familiar feliz e com “tempo de qualidade” e por fim, ainda arranjam disponibilidade para ter uma vida social ativa. Tudo isto antes de dormirem um sono reparador, de não menos do que as aconselhadas oito horas diárias.
“Goblin mode” é um termo associado à preguiça, à desarrumação e à gula. Segundo os especialistas, alguns dos sinais que nos indicam que estamos perante alguém em “Goblin mode” são fáceis de observar, ou seja, há loiça por lavar, roupa por arrumar, prateleiras com pó, mesas com papéis por organizar, farta comida, hábitos pouco saudáveis e lixo não separado para a reciclagem.
Mas que ninguém julgue, que “Goblin mode” é apenas aquilo que vulgarmente designamos como desleixo, é muito mais do que isso. É uma autêntica filosofia de vida e uma ética com os seus correspondentes valores. É uma prática daqueles que se estão a “revoltar contra os padrões estéticos e estilos de vida cada vez mais inalcançáveis que são exibidos nas redes sociais.” Está dito.
Por cá ainda esperamos pela eleição da palavra portuguesa do ano de 2023, mas o Oxford English Dictionary já o fez, a palavra eleita é “Rizz”. Mais uma vez, estamos em crer, que quem nos lê não fará a mais pequena ideia do que significa “Rizz”.
“Rizz” é uma redução da palavra inglesa charisma ("carisma", em português), retirada da parte central da palavra, o que é um padrão incomum de formação de palavras. Refere-se ao charme ou à capacidade de atrair um parceiro romântico ou sexual. Também pode ser usada como um verbo, “to rizz up”, no sentido de socialmente se ser um sedutor ou de se conseguir ser cativante ao conversar com alguém.
Em 2009 o grupo de comediantes Gato Fedorento apresentaram à SIC o projeto de um programa cujo nome era “Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios”. Imediatamente os altos e sérios responsáveis pela estação de televisão recusaram que do nome do programa, fizesse parte a palavra esmiuçar, pois que o público em geral desconhecia o seu significado.
Os autores do programa argumentaram que se não sabiam, que fossem ver ao dicionário. E assim foi, tanto que a palavra portuguesa desse ano foi precisamente esmiuçar.
Terá sido a única vez em que não foi eleita uma palavra associada a nefastos acontecimentos. Com efeito, desde então para cá foram eleitas palavras como austeridade, entroikado, bombeiro, corrupção, refugiado, incêndios, enfermeiro ou violência doméstica.
E pronto com isto terminamos, dadas as candidatas, já não há esperança nenhuma que a palavra do ano portuguesa de 2023 seja alegre e divertida, como é próprio de um concurso, esperemos que seja em 2024 que voltemos a saber brincar com as palavras.
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