Saiu ainda esta semana um estudo que diz, que no nosso país, em cada dia de escola há onze mil professores a faltar ao serviço. Diz também, que se contabilizarmos todas essas faltas ao longo de um ano letivo inteiro, o número total de ausências, é de cerca de dois milhões de sumiços.
O estudo não o enuncia, mas deixa no ar uma certa
sensação, assim a modos de como quem não quer a coisa, que talvez nem todas
essas faltas se justifiquem por motivos legítimos, ou seja, que muitas delas
são dadas, porque em certos e determinados momentos, há alguns professores, que
de vez em quando, um dia ou outro, não lhes vai apetecer ir trabalhar.
Calculamos que a larguíssima parte dessas faltas docentes, sejam por motivos perfeitamente legítimos e decentes, nomeadamente, pelos de saúde. Contudo, queremos hoje concentrar-nos na pequena percentagem em que assim não é, por mínima que essa seja. Em síntese, queremos falar-vos sobre aqueles dias, em que um professor não vai trabalhar, simplesmente porque não lhe apetece.
Digamos que, o professor faltoso, não o é por hábito,
que é até um óptimo profissional, mas um dia não são dias, e decide então antes
ir passear, ao invés de ir trabalhar. Não é que esteja cansado, farto ou a
rebentar, deu-lhe só para ir vadiar, sem mais nem porquê.
A primeira coisa a pensar, é que se esse docente que
quer faltar, se trabalhar numa localidade pequena ou perto da sua casa, está
tramado, pois se sair para a galdeirice, imediatamente alguém o vai notar e
pronto, da fama já não se vai livrar.
Se for esse o caso, aconselhamos vivamente o dito
professor a ir passear para longe da escola onde trabalha. O melhor é
levantar-se logo cedinho, sair de casa de madrugada, quando ainda está tudo a
dormir, e regressar ao lar quando já estiver escuro, num momento em que ninguém
o vai descobrir.
É certo que um professor de um meio mais pequeno ou
que trabalhe perto de sua casa, vai ter de efetuar um grande esforço para
faltar à escola, ou seja, vai ter de se levantar cedo, sair de madrugada e voltar
só quando já for noite escura. Todavia, é a única forma segura, de manter a
fama de bom trabalhador, pois caso contrário, se for apanhado, mesmo que,
posteriormente alguma vez esteja efetivamente doente, ou tenha de se ausentar
por um motivo decente, já ninguém o vai acreditar.
Mas o que mais nos interessa agora, nem são tanto os
professores de meios pequenos, pois que estes, para além de não terem a vida
facilitada, também não são eles que, por andarem na vida airada, fazem com que
a estatística esteja engrossada.
Se querem que vos digamos, quem leciona nos meios pequenos ou junto à
sua habitação, o melhor que faz, é só faltar quando está mesmo doente, quando
morre alguém ou tem um assunto absolutamente urgente para tratar. Caso
contrário, mais vale ir trabalhar, pois se não for, do rumor de só ir laborar
quando lhe dá na real veneta, já não se resgata.
Dito tudo isto, o que aqui verdadeiramente nos importa, são os docentes
que lecionem e habitem em sítios grandes, tipo Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e
seus arredores. Aí sim, vale a pena faltar ao serviço, pois só por muito azar,
alguém os vai topar.
Pensemos então no pessoal docente, que vive e exerce funções nas grandes
cidades e seus arrabaldes. O docente acorda pela manhã e sem razão decente
absolutamente nenhuma, diz de si para consigo: quer que se lixe, hoje não vou
trabalhar. Uma vez essa importante decisão tomada, o que fazer? Se for
simplesmente para ficar em casa, talvez não valha muito a pena faltar. Nesse
caso, será sempre um dia perdido, à partida pode parecer muito tentador passar
um dia inteiro da cama para o sofá e vice-versa, a ver um filme na televisão ou
a navegar no computador, contudo, “in the end of the day”, o que vai ficar é
uma enorme sensação de vazio e que se faltou ao serviço para nada.
Imaginemos
então que um professor de português, sendo originário da aldeia de
Alguidares-de-Baixo, vive e leciona em Lisboa e quer dar uma boa escapadela.
Apetece-lhe lavar as vistas, caminhar e respirar a brisa marítima. Por
consequência, vai para junto do rio. Convence-se que será uma fuga pedagógica,
para não ficar com a consciência pesada. Lembra-se então do poema de Alberto
Caeiro, “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, e lá vai
ele.
A fuga era supostamente pedagógica, só que nessa
fuga encontrou uma prostituta, que para seu desgosto, era uma rapariga que
conhecia da sua aldeia, mas que há muito não via, chamava-se Anabela.
Pensou de si para consigo “A prostituta Anabela é mais bela que a moça
Anabela que antes corria descalça pela minha aldeia”.
O professor de português aproximou-se dela, da Anabela, e fez
saber quem era. A moça meretriz recordava-se perfeitamente do senhor professor.
Trocaram recordações dos usos e costumes da aldeia comum e das suas honradas
gentes. Posto isto, logo acordaram um preço, o professor verificou as lacunas
da Anabela em questões gramaticais, lexicais e de sintaxe e por uma módica
quantia, quase simbólica, prometeu-lhe dar-lhes explicações diárias, logo que
saísse da escola ao fim do dia.
E assim foi, a partir dessa data, a Anabela começou a estudar
afincadamente. Dirigia-se diariamente ao lar do senhor professor, ele
explicava-lhe a gramática, o lexico e a sintaxe, e ela toda satisfeita, lá ia
cantando e rindo, contente por aprender.
Que conclusão tirar desta história? A de que o professor de
português faltou ao serviço, mas que essa ausência acabou por ser a bem da
educação nacional. Em resumo, há que começar a pensar, que talvez muitos
dos dois milhões de faltas dados pelos docentes em cada ano letivo, tenham
redimido muitas outras Anabelas por este país fora.
Imaginemos agora uma professora. Leciona numa escola do 1º ciclo do Porto. Acorda de manhã e pensa: “Ora bem, o Porto é uma nação, uma nação enorme. Hoje não vou atravessar a nação inteira que é sacrifício que faço todos os dias, para lidar com uma turma de vinte e quatro seres pequeninos, alguns dos quais, nota-se bem, encontram-se ainda a aprender a interagir socialmente. Dado o seu comportamento errático e as minhas doridas canelas”, pensou então que nesse dia, talvez uma visita às caves do Vinho do Porto, lhe desse ânimo e lhe anestesiasse as ditas canelas. Se o pensou, melhor o fez.
Entrou e bebeu
um cálice. E se bebeu um, porque não dois? Se não há duas sem três, também não
há dois sem três, vai daí, venha lá mais um, que só dois é pouco. Feitas as
contas, lá pela hora de almoço, já estava como havia de ir.
Pela tarde
fora, andou por todo lado e conheceu um senhor muito bem-posto. Era cientista e
com ele, ela conversou de Estudo do Meio. Havia coisas que a docente não sabia,
como por exemplo, que Plutão já não era um planeta. Faltou nesse dia às aulas,
mas expandiu o seu conhecimento do currículo.
No dia
seguinte, pensou que talvez uma nova visita às caves do Vinho do Porto, lhe
voltasse a dar ânimo e ainda mais lhe anestesiasse as canelas. Se o pensou,
melhor o fez. Pela tarde fora, andou por todo lado e conheceu um novo senhor
muito bem-posto. Este trabalhava em contabilidade e com ele, ela conversou de
matemática e compreendeu coisas sobre frações que antes não sabia.
Ficou toda partida, ou seja, fraccionada.
Veio outro
dia, e a professora pensou que mais uma visita às caves do Vinho do Porto, lhe
voltasse a dar ânimo e lhe voltasse a anestesiar as canelas. Se o pensou,
melhor o fez. Pela tarde fora, andou por todo lado e conheceu um outro senhor
muito bem-posto. Este tinha um ginásio, o que serviu à professora para se
aperceber como se dava corretamente uma cambalhota e como fazer uma pirueta.
Noutros dias conheceu gentes com vastos conhecimentos de história, de geografia, de línguas estrangeiras e por aí afora. Em síntese, a professora faltou por várias semanas, mas ficou a saber muitos mais das diversas matérias e com uma perspetiva mais transversal do ensino. As canelas ficaram melhor e pôde voltar ao serviço contente e satisfeita. Às vezes basta um trabalho transdisciplinar para tudo se solucionar.
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