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É pau, é pedra, é o fim do caminho, é um resto de toco, é um pouco sozinho…

 

Há escolas por esse vasto mundo fora, que ficam longe dos caminhos habituais e não são feitas de cimento, nem têm duras vigas de ferro que as sustentem. Erguem-se do solo tão-somente com terra, barro, umas tantas pedras e uns quantos simples paus de madeira. Os que as constroem só contam com o seu árduo trabalho e, ainda que sozinhos e sem mais ninguém, conseguem.

 

Mas onde não há chão que chegue para essas escolas se erguerem, há água. E dela também surgem escolas a flutuar por rios e lagoas, como se canoas fossem. As suas salas não têm quatro paredes fechadas, pois por elas adentro entra a luz e o ar, havendo portanto frescas sombras e suaves brisas que continuamente as atravessam.

 

É provável que poucos saibam onde fica Makoko. Quem não saiba, fica então a saber, que Makoko é um humilde bairro situado na costa de Lagos, a capital da Nigéria. Lagos é a maior cidade de África, quer em extensão, quer em população, tem cerca de 23 milhões de habitantes. O seu nome foi-lhe dado por colonos portugueses, que no já distante século XV, se fizeram ao mar partindo da cidade algarvia de igual nome.

 

Makoko interessa-nos porque aí foi construída uma escola muito peculiar, uma escola flutuante. Não vale a pena gastarmos mais palavras, basta olharem para a imagem abaixo para que se compreenda o que dizemos.

A escola de Makoko funcionou perfeitamente entre 2013 e 2016. Servia uma comunidade de pescadores e tinha três andares. Na base ficava o recreio, acima duas salas de aula e no topo, um espaço para “workshops”. Era frequentada por cerca de 60 alunos.

 

Nas redondezas não havia nem terra, nem verbas, para erguer uma escola, que tão necessária era. Consequentemente, foi esta a engenhosa solução encontrada: uma escola flutuante feita de materiais acessíveis e de fácil construção.

Infelizmente, devido a uma deficiente manutenção e às violentas tempestades e cheias que sucederam em 2016, a escola acabou por colapsar. No entanto, o projeto arquitetónico foi amplamente premiado por todo o lado e a ideia revelou-se válida.

 

Constatou-se que era uma solução eficaz e económica para locais em que não há terrenos disponíveis, mas onde há muita água. Tanto assim é, que uma segunda escola muito semelhante à primeira, haveria de ser construída na Bélgica, mais concretamente em Bruges, cidade a que chamam a Veneza do Norte por causa dos inúmeros canais que a cercam ou a atravessam.

 

O nome do arquiteto de ambos os projetos é Kunlé Adeyemi.

E então que tal, irmos agora ver o que se passa pelo Senegal. Os primeiros europeus a aí se estabelecerem foram os portugueses, provavelmente em 1444. Mas não é propriamente de História de Portugal que vos queremos falar, mas mais uma vez, de arquitetura escolar.

 

Na pequena localidade senegalesa de Thionck Essyl foi construída uma nova escola. Havia três condições que tinham obrigatoriamente de ser cumpridas: um baixo custo de construção, ter-se em atenção o conforto climático e usarem-se materiais locais.

 

O edifício que foi erguido é composto por 16 salas de aula, que se distribuem em blocos de quatro por um amplo espaço de dois hectares. Inclui ainda uma sala de informática, um laboratório, uma biblioteca e uma sala de professores. É frequentada por 464 alunos.

 

Com terra, barro e algum trabalho de carpintaria, ergueu-se então uma escola cuja arquitetura foi distinguida com o prestigioso Prémio Aga Khan em 2022.

 

Esta é a biblioteca:

 


Abaixo uma sala de aulas:

E por fim, uma vista de exterior de um dos blocos:

Perguntamos agora quem é, quem é, Francis Kéré? Nasceu em 1965 na aldeia de Gando, no Burkina Faso. O seu pai queria que o filho aprendesse a ler e a escrever. Como não havia escola em Gando, Kéré teve que deixar a sua aldeia aos sete anos e ir para a capital. Foi a primeira criança da terra a frequentar uma escola.

Muitos anos mais tarde, em 2022, Kéré receberia o chamado prémio Nobel da arquitetura, o Pritzker, que antes distinguiu personalidades como Oscar Niemayer ou Siza Vieira. Foi o primeiro e único arquiteto originário de África que alguma vez recebeu tal distinção.

 

A recordação dos seus tempos de estudante no Burkina Faso, nomeadamente a má iluminação e a falta de ventilação das salas de aula, assim como o facto de ter tido de abandonar a sua aldeia, afetou-o tanto, que quis estudar arquitetura na Europa. Uma vez o curso tendo terminado, decidiu reinvestir o seu conhecimento na construção de uma escola primária na sua aldeia natal.

Com os parcos recursos disponíveis, uma construção de argila e lama foi levantada do chão. A argila e a lama são abundantes na região. A técnica de construção tradicional foi modificada e modernizada, para assim criar um robusto edifício. Os tijolos de argila e lama têm também a vantagem de serem baratos, fáceis de produzir e de fornecerem proteção contra o quente clima existente.

 

As paredes são protegidas das chuvas com um grande telhado de zinco suspenso. Apesar dessas coberturas metálicas absorverem o calor, o telhado da escola foi projetado para fora do espaço das salas de aula e um tecto de argila perfurada com ampla ventilação foi introduzido. Este tecto de tijolos empilhados permite a ventilação máxima, trazendo o ar fresco para dentro e libertando o ar quente para fora através do tecto perfurado.

 

Praticamente todas as escolas do Burkina Faso são feitas de concreto. A produção de cimento é cara e gasta muita energia. Mas para além disso, o concreto não é adequado ao clima inclemente de Burkina Faso. Os interiores das construções são insuportavelmente quentes e nas escolas os alunos têm dificuldade em se concentrar e em estudar em ambientes tão abafados e com tão pouca ventilação, algo que, claro está, não sucede com os cerca de 300 alunos da escola da aldeia do Gando.

Toda a população de Gando participou da construção da escola. As mulheres prepararam o chão, enquanto os homens pressionaram terra para as paredes de tijolos e recolheram pedras para as fundações.

 

As aldeias vizinhas ficaram impressionadas com a organização e realização da comunidade de Gando e progressivamente foram erguendo as suas próprias escolas adoptando os mesmos métodos.

 

E por aqui findamos esta nossa viagem por escolas que não são feitas de cimento, nem têm duras vigas de ferro que as sustentem. Escolas que se erguem tão-somente com terra, barro, umas tantas pedras ou com uns quantos simples paus de madeira

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