Ele há em
Portugal gente muito séria. Tal e qual como também a há bastante inteligente.
Identicamente, literatos é que não nos falta. Por fim, há igualmente quem siga
a carreira de professor, mas seja este docente de que disciplina for, para se vincular
ao ministério e uma boa carreira fazer, deverá ser, ou pelo menos parecer,
literato, inteligente e sério.
Acerca de
professores, só voltaremos a falar lá mesmo para o fim deste texto, porque dito
tudo isto, há poemas e poetas.
Uma das
coisas mais tristonhas da nossa nação, é as gentes serem um tanto ou quanto
para o macambúzio. É certo que a coisa tem dias, mas ainda assim, afina quase
tudo pelo mesmo diapasão: “muito riso pouco siso”.
Afina tudo,
exceto os poetas, que podem ser trágicos, melancólicos, românticos ou épicos,
mas lá por isso, nunca deixam de ser pândegos. E não se julgue que só lhes dá
para a chacota ao escreverem, quando é fácil e de poucas consequências
deixarem-se enlevar em liberdades poéticas, nada disso.
Ninguém come
e bebe poesia, daí que, muitos poetas têm de ganhar o pão nosso de cada dia com
duro suor do rosto noutras profissões, que não a de poeta. Mas mesmo quando
exercem outros ofícios, onde era suposto serem rigorosos, responsáveis e
circunspectos, não raras vezes, aos poetas, dá-lhes para a brincadeira.
Por exemplo,
é de Fernando Pessoa a engraçada expressão “Primeiro estranha-se, depois
entranha-se”. Criou-a como uma frase publicitária para a Coca-Cola, contudo, as
autoridades da época não lhe acharam graça. E à bebida também não, foi
interditada.
O também
grande poeta nacional Alexandre O’ Neill, que para além de o ser, ganhava a
vida como copywriter, foi uma vez contratado pelo Metropolitano de Lisboa para
criar um slogan e vai daí saiu-lhe “Vá de metro Satanás”. Ia sendo despedido,
uma vez que ninguém lhe achou a mais pequena piada.
Entre outros
slogans criados por O’Neill, contam-se também gracejos como por exemplo “Com
colchões Lusospuma você dá duas que parecem uma”, “Eu sou, tu és, ele é, nós
sumus C” e o célebre “Bosch é bom”.
Em síntese,
Alexandre O’ Neill jamais se coibiu de gracejar, não só na sua poesia, mas
também quando tinha de lidar com dignos e importantes representantes do
comércio, da indústria e do sector empresarial estatal.
O’ Neill
resumiu num dos seus melhores poemas, o desprezo nacional pela alegria e a
enorme preferência existente pela tristeza vil e apagada. Nele, O’ Neill pedia
a Deus um pequeno absurdo a cada dia que nos salvasse. Aqui fica um excerto:
Os povos
felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não
queremos ser um povo feliz.
Para isso
bastam os suíços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito
lhes faça!
Nós queremos
a maleita do suíno,
a noiva que
vê fugir o noivo,
a mulher que
vê fugir o marido,
o órfão que
é entregue à caridade pública,
o doente de
hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a
tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou
nenhuma. Nós
queremos ser o aleijado nas ruas, a pedir esmola, a
esbardalhar-se
frente aos nossos olhos. Queremos ser o pai
desempregado
que não sabe que Natal há-de dar aos seus.
Garanti-nos,
meu Deus, um pequeno absurdo cada dia.
Um pequeno
absurdo às vezes chega para salvar.
É longa a
nossa tradição nacional em poetas jocosos, vem já da Idade Média com as
Cantigas de Escárnio e Mal-dizer, continuou com Gil Vicente no Renascimento e
depois mais tarde no Romantismo com Bocage, poeta quase ignorado, mas cujos
versos cheios de sentimento valem sempre a pena ser lidos:
Cagando
estava a dama mais formosa,
E nunca se
viu cu de tanta alvura;
Porém o ver
cagar a formosura
Mete nojo à
vontade mais gulosa!
Ela a massa
expulsou fedentinosa
Com algum
custo, porque estava dura;
Uma carta
d'amores de alimpadura
Serviu
àquela parte malcheirosa:
Ora mandem à
moça mais bonita
Um escrito
d'amor que lisonjeiro
Afetos move,
corações incita:
Para o ir
ver servir de reposteiro
À porta,
onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro
Interessa-nos
agora ver se esta tradição poética nacional, que consiste em fazer chalaças e
larachas com as gentes sisudas, continua viva. Mais do que nunca ela é
necessária, basta ver os telejornais e ouvir as conversas, para nos
apercebermos que todos só querem dizer coisas sérias, inteligentes e literatas.
Com a possível exceção dos poetas, ninguém brinca, anda tudo de trombas e com
um ar carrancudo. É isso mesmo, o que se assinala num poema recente de Eugénio
Lisboa:
Há pessoas que estão sempre sérias:
não foram formatadas para rir.
São gente que não gosta de ir de
férias,
porque não sabem para onde ir.
Nem de si próprias elas sabem rir,
porque se tomam a si muito a sério.
Rirem-se de si seria trair
a sua aura de grande mistério.
Então, fica pra outros o trabalho
de se rirem delas o necessário,
que melhor se consegue com chocalho.
Ser sério é alegria ao contrário,
é não beber água se se tem sede,
fechar a vista com feia parede.
Num outro
poema do presente, este de Fernando Pinto do Amaral, aborda-se a premente
necessidade de agora todos quererem parecer inteligentes. É uma autêntica
pandemia. Já não se pode gracejar, sem que logo alguém nos responda num tom
douto algo a atirar para o intelectual:
Se queres parecer inteligente
desdenha de quem escreve coisas
simples
e desconfia, desconfia sempre
dos sentimentos, das convicções.
Diz mal da tua época,
procura dar a tudo um ar difícil
e cita alguns autores que ninguém
leu.
Se queres que te respeitem,
reserva a admiração e o elogio
pra certos mortos bem escolhidos,
de preferência estrangeiros,
e acima de tudo
não caias nunca na vulgaridade
de ser compreendido pelos que te
lerem.
Os literatos
são outra praga destes tempos, como provavelmente de sempre. Uns quantos são
muito bem informados e adoram mostrar os seus vastos conhecimentos. São muito
ativos, estando continuamente a par das novidades. Desde pequenos que os pais
os levaram a museus, concertos e demais atividades. Não raras vezes,
já em meninos eram muito lidos, alguns escreveriam até um diário e concorreriam
a concursos literários para crianças e jovens de talento, promovidos por
suplementos dos jornais diários ou por empresários com gosto pelas lides culturais.
Terá sido esse o caso da poeta Adília Lopes, que ainda assim cresceu e pôs-se a ironizar sobre o assunto:
Em 72 recebi
o prémio literário
dos pensos rápidos Band-Aid
o prémio foi uma bicicleta
às vezes penso
que me deram uma bicicleta
para eu cair
e ter de comprar pensos
rápidos
Band-Aid
é o que penso dos prémios literários
em geral
Se há tema
que interessa aos poetas desde que poetas há, é o amor. O amor é um caso sério
e ao longo dos tempos houve muito quem fosse dado a graves
idílios, sombrios delírios e líricos devaneios. Todavia, também houve sempre
quem o pintasse com tons mais ligeiros e leves. Será que a atualidade também é
assim? Parece-nos que sim. Atentemos no que diz a poeta Raquel Serejo Martins:
Cada um faz amor como sabe,
a avó fazia canja,
escolhia uma galinha na capoeira,
todas as galinhas tinham nome,
a avó chamava a galinha e a galinha
vinha,
o amor exige confiança.
Como
inicialmente prometemos, quando chegássemos ao final, voltaríamos aos
professores. Atualmente aos docentes, há muitas vozes que clamam e lhes pedem
que sejam rigorosos e exigentes. Porém, vejamos como o poeta Hélder Moura
Pereira os vê.
Ah, mas já
agora acrescente-se um pormenor, Hélder Moura Pereira, como muitos poetas antes
dele, também não vive só de poesia, tem outro ofício, no caso, o de professor:
Tínhamos ido numa excursão ao
mosteiro
dos jerónimos com professores
de história, os professores tinham
arranjado a excursão para poderem
namorar uns com os outros, toda a
gente
percebia, se calhar não podiam
encontrar-se
de outra maneira e arranjavam
excursões
para poderem namorar uns com os
outros.
A minha professora de português
já me disse para não usar muitas
vezes
a mesma expressão no mesmo texto
e eu já vou em duas vezes a dizer
que andavam a namorar uns
com os outros. Olha, esta é a
terceira.
Mesmo para
finalizar, um poema de amor, mas que em boa verdade também poderia falar de um
professor. A autora é Rita Taborda Duarte:
O papel que tu tinhas na minha vida?
Acho que o perdi…
Eu nunca me dei bem com papelada…
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