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Exames nacionais? Roda o disco e toca o mesmo.

Com o aproximar das eleições legislativas, ressurge a ideia de voltar a haver exames nacionais no final de cada ciclo de escolaridade. É uma ideia cíclica, desaparece por uns anos, reaparece, volta a desaparecer, reaparece novamente uns anos depois, e assim sucessivamente numa espiral sem fim.

 

Já houve muito quem estudasse os benefícios e os malefícios de haver ou não exames nacionais, todavia, isso de pouco valeu, pois nada do que se sabe, estudou e apurou de ciência certa, parece ter grande importância na hora de decidir.

 

O que na verdade parece sempre importar, é para que lado sopra o vento a cada momento. Conforme as vozes populares que se erguem nas televisões e nos jornais, assim é o caminho por onde se vai. Se esse caminho nos conduz a algum lado, isso é questão de somenos.

 

Agora como amiúde, parece ir cumprir-se o ciclo do eterno retorno. Certamente que daqui a uns tempos voltar-se-á para trás e começar-se-á a caminhar na direção oposta à atual, para depois, um pouco mais à frente, se ir outra vez ao contrário e assim sucessivamente.

Ao longo das duas últimas décadas, a discussão acerca se deve haver exames nacionais e em que moldes e anos de escolaridade, teve muitos e variados capítulos, mas todos parecem conduzir-nos continuamente à situação anterior, ou seja, tudo muda para inevitavelmente acabar por voltar ao mesmo.

 

Discute-se igualmente que consequências ou peso devem ter ou não ter os exames no percurso escolar dos alunos, contudo, conclusões definitivas é o que nunca há. O tema é mais do que conhecido e todas equipas do Ministério da Educação se confrontaram com ele, havendo sempre alguma, quando não muita, controvérsia pública em redor do assunto.

 

Mas dito isto, há coisas que são certas. No 4.º ano e 6.º ano de escolaridade, o que correspondente à conclusão do 1.º e do 2.º ciclo do Ensino Básico, na larguíssima maioria dos países desenvolvidos, a opção de haver exames é absolutamente excepcional. Apenas este facto por si só, dever-nos-ia fazer pensar, se valerá mesmo a pena estar ciclicamente a ter esta discussão.

 

Mas pensemos também em algo mais. Os exames, por definição, avaliam a memorização de informação, pois é isso que efetivamente testam, e não competências, como por exemplo, o pensamento crítico, a criatividade, a capacidade de argumentação e de desenvolver e articular conhecimentos e ideias.

 

É um dado mais do que adquirido, que no presente, e por maioria de razão no futuro, as competências mais importantes para a vida serão o pensamento crítico, a resolução de problemas complexos, a criatividade e o trabalho de equipa.

Sabendo-se que a informação é cada vez mais fácil de obter, o que inevitavelmente faz a diferença, não são exclusivamente os conhecimentos adquiridos, mas o que se consegue fazer com esses conhecimentos. Sendo precisamente esse o contexto, no qual, as já referidas competências serão (já o são) essenciais.

Esta atenção às competências é consensual nas mais prestigiadas organizações internacionais, estando na base do “Perfil do Aluno para o século XXI”.

O que “Perfil do Aluno para o século XXI” pressupõe é que no término da escolaridade, os alunos possuam os conhecimentos e as competências indispensáveis para a sua vida, a saber, ter pensamento crítico, criatividade, saber resolver problemas, ter capacidade de decisão, saber comunicar, conseguir colaborar e saber ler e agir no mundo em sua volta.

Quando realizam exames nacionais, serão essas competências de alguma forma testadas? É evidente que não, testa-se tão-somente a memorização da informação e praticamente nada mais.

Pior do que isso, a mera existência de exames pressiona os professores a “ensinar para o exame” e os alunos a “aprender para o exame”. Restringe-se desse modo a inovação pedagógica nas escolas, pois há o temor de  prejudicar o desempenho dos alunos e que estes obtenham notas insuficientes nos exames finais.

E tudo para quê? Para que os alunos despejem umas quantas respostas decoradas nos testes, apesar de estas pouco ou nada terem que ver com a sua atual ou futura vida real.

Dito isto, serão os resultados dos exames nacionais ao menos credíveis? É certo que os mais recentes desempenhos dos alunos portugueses nas avaliações internacionais, como por exemplo no PISA, revelou uma queda, que aliás foi geral, no entanto, isso não pode eludir o facto que desde 2006, ter havido uma melhoria constante e continuada.

 

Tal não é uma situação circunstancial. Com efeito, houve consecutivos e sólidos avanços nos resultados dos alunos, ao ponto de Portugal se ter tornado um “case-study” em consequência do sucesso do seu sistema educativo.

 

Tais melhorias, que estão plasmadas nos resultados das ditas avaliações internacionais, nunca aparecem em lugar algum nas notas dos exames nacionais, que permanecem fracas ao longo deste mesmo tempo e com inexplicáveis flutuações conforme o ano letivo. Em síntese, não há portanto nos exames nacionais, o mais leve indício da tendência de melhoria verificada nas avaliações internacionais.

 

O facto de os resultados nacionais e internacionais serem de tal disparidade, fazem-nos crer que estamos diante de uma urgência, ou seja, a de refletir profundamente sobre que tipo de exames se anda por cá a fazer.

 

Dito tudo isto, há ainda uma questão suplementar, mas da mais alta relevância. O ensino secundário está condicionado pelo exame, pela forma como este avalia os conhecimentos e como a partir dele se acede ao ensino superior. Mas por que estranha razão, é um exame nacional a determinar o acesso ao ensino superior?

Em praticamente nenhum outro país desenvolvido é assim, sendo os estabelecimentos de ensino superior que determinam os alunos que neles ingressam, utilizando para tal critérios muito mais vastos e fiáveis que meros exames, nomeadamente os tipos de competências que os candidatos demonstram.

 

A relação entre as notas dos exames e o acesso ao ensino superior faz com que os exames sejam tomados como modelo de aprendizagem no ensino secundário, impossibilitando assim quaisquer inovações pedagógicas. Em boa verdade, neste contexto, os exames são até uma enorme contradição e um obstáculo ao pleno desenvolvimento do ensino e, por consequência, do país. Não espanta, portanto, que Portugal rode continuamente numa espiral sem fim e que ciclicamente se verifique que nunca saímos do mesmo lugar.

Roda o disco e toca o mesmo…

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