A matéria de hoje é o léxico, vamos falar-vos de palavras, das ditas e das não ditas. Há palavras que constantemente são repetidas, tipo por exemplo a palavra “tipo”. Então e o Natal, foi tipo bom? Sim, foi menos mal, assim tipo o habitual. Há outras palavras, que por isto ou por aquilo, nunca, ou quase nunca, são ditas, tipo hipopotomonstrosesquipedaliofobia, que, para quem eventualmente não saiba, é um distúrbio que se caracteriza pelo medo de se dizer palavras excessivamente longas.
Poderíamos ter escolhido outras palavras para título deste texto, tipo “I Love Algarve”, “I Love Porto, Coimbra, o Alentejo ou o Minho” ou, simplesmente, “I Love Portugal”. Escolhemos porém a palavra que nomeia a cidade de Lisboa, porque a palavra Lisboa é diferente em estrangeiro, é Lisbon, Lissabon, Lisbonne ou Lisbona. Já as palavras Alentejo, Algarve, Minho, Coimbra, Porto ou Portugal, são tal e qual em português, como o são em inglês ou numa outra língua qualquer.
A sermos mesmo rigorosos, algo que efetivamente não somos, é bem verdade que lá por fora, há quem se refira ao Porto como Oporto. É também certo, que em italiano Portugal é Portugallo, mas ainda assim, parece-nos que as palavras Lisbon, Lissabon, Lisbonne e Lisbona, dão ao nosso título um ar mais sofisticado, fica tipo com “un certain je ne sais quoi” de “International Style”.
Dado o boom turístico dos últimos anos, o Portugal atual parece um lobby de hotel. Surpreendentemente, veio-se a verificar que os astros se alinharam, e que cada português tinha em si escondido um recepcionista de hotel, que ansiava por sair do armário e se assumir como tal.
Com efeito, pouco há que deleite mais os atuais portugueses, do que falar em estrangeiro, sobretudo em inglês. Por exemplo, se uns turistas perdidos nos pedem indicações na rua e temos então oportunidade de dizer umas quantas palavras em estrangeiro, até se nos arrepiam os pêlos: you go right, turn left, straight ahead…
Repare-se que os portugueses não são de egoísmos e gostam de compartilhar os seus prazeres lexicais com os seus compatriotas. Quando damos indicações a turistas sobre como irem para um determinado sítio, nunca nos esquecemos de acrescentar no fim “and then, when you are there, you ask someone”.
E assim é, os obedientes turistas, uma vez chegados ao seu destino, abordam então um outro português para lhe pedirem indicações, ao que este responde extasiado pela oportunidade de poder dizer umas quantas palavras em estrangeiro: “it’s right here”.
É só olharmos em redor, ou seja, tipo à nossa volta, e é um ver se te avias. Seja nos aeroportos, táxis, cafés, restaurantes, lojas, monumentos ou nos demais lugares, não há quem não se derreta de deleite e prazer ao dizer a um turista estrangeiro acabado de chegar “Welcome to Lisbon, Lissabon, Lisbonne ou Lisbona”.
O mesmo se aplica, caso o dito turista arribe ao Alentejo, Algarve, Minho, Coimbra, Porto ou a um outro qualquer local de Portugal, tipo “Welcome to Sacavém”, “Welcome to Massamá”, “Welcome to Agualva-Cacém” ou “Welcome to Gondomar”.
Quem diria há uns anos a esta parte, que os portugueses se tornariam tão abertos ao mundo e ficariam tão embevecidos e arrebatados por dizerem palavras em estrangeiro?
Se é certo que desde sempre houve gente oriunda de outros países por Portugal, também é certo que tal como agora, nunca. O que nos apraz registar, é que a nação reagiu imensamente bem à “invasão”, demonstrando desse modo, que o tempo em que estávamos orgulhosamente sós, já passou à história.
Uma das maiores evidências dessa reação extremamente positiva, foi que praticamente todos os portugueses que dispunham de uma casa para arrendamento, trataram de a vazar, de modo a que a pudessem imediatamente disponibilizar a turistas estrangeiros.
Para levar a efeito essa vasta ação de boas-vindas, que rapidamente se disseminou por praticamente todo o território nacional, foi até criada uma nova palavra ou expressão: alojamento local.
Mais do que isso, foi também inventada uma sigla de grande categoria. Como a palavra alojamento se inicia pela letra “A” e a palavra local se inicia pela letra “L”, vai daí, alguém teve uma ideia brilhante e esgalhou uma sigla, AL. Foi muito bem pensado, diga-se “en passant”.
Dadas estas circunstâncias, aumentou exponencialmente o número dos nossos compatriotas a exercer a função de recepcionista de hotel, quem quer que tenha uma casita em AL, volta não volta, lá vai receber os turistas, entregar-lhes as chaves, dar-lhes as boas-vindas e de caminho aproveita e lá vai disto: welcome, benvenuto e willkommen to you all.
O que de tudo isto podemos concluir, é que o boom turístico, para além de todas as demais vantagens, teve uma outra grande virtude, ou seja, a de muita gente começar a usar palavras que jamais usaria, como por exemplo, check-in e check-out.
Antes havia muitas palavras que jamais eram ditas, que depois o passaram a ser, consequentemente, em termos lexicais a língua portuguesa ficou muito mais rica e todos nós, os portugueses, nos expressamos melhor do que nunca, OK?
Se há estrangeiros que estão só de passagem, também os há que vieram para ficar.
Segundo se sabe, ambos os tipos de estrangeiros são bons para a economia nacional. Os turistas gastam por cá rios de dinheiro em hotéis, restaurantes, bugigangas e tuk-tuk’s, os imigrantes contribuem com milhões para a segurança social.
Em Portugal a atividade turística contribuiu direta e indiretamente com 29,2 mil milhões de euros para o PIB em 2022, o que corresponde a 12,2%. As contribuições dos imigrantes para a Segurança Social atingiram 1.293,2 milhões de euros, representando 10,1% do total dos contribuintes. Em conclusão, sem os estrangeiros, sejam eles de que tipo forem, estávamos tramados.
Mas dito isto, há muito quem se amofine e não se exime de dizer que há estrangeiros a mais, que já chega. Normalmente, quem o diz são os mais arreigados às tradições e os que vertem uma lágrima pelos belos tempos de antigamente, em que estávamos orgulhosamente sós.
E como não chorar pelo outrora, quando agora se vai à mercearia e quem nos atende são nepaleses, paquistaneses ou bengalis? Dantes é que era bom, quando havia a mercearia do Seu Manel Avelino, que muito embora se equivocasse recorrentemente nas contas do avio em seu proveito e em desfavor do freguês, era de uma seriedade a toda prova.
Nesse tempo dava gosto uma pessoa ir aviar-se, não havia cá recepcionistas a sair do armário. O Avelino era um homem de trabalho e por consequência de poucas palavras. Um bom dia e um boa tarde com toda a educação e respeito e chegava.
E como não chorar pelo outrora, quando agora já só há hostéis e novos hotéis, que são autênticos quartéis de turistas estrangeiros? Dantes é que era bom, quando havia pensões manhosas, nas quais trabalhavam senhoras nacionais em quartos pagos à hora e não havia cá rececionistas a sair do armário. Com poucas palavras resolvia-se a situação. Quanto é? É tanto pelo serviço e mais tanto pró quarto e não valia a pena mais conversa, chegava.
E como não chorar pelo outrora, quando agora no nosso prédio mora gente de meia-dúzia de nacionalidades? Dantes é que era bom, quando as lusitanas vizinhas estavam sempre à coca, à espreita escondidas à janela por entre os cortinados. Sabiam da vida de toda a gente e não se eximiam de insinuar fosse o que fosse, como por exemplo, que talvez a esposa do Seu Avelino da mercearia, não fosse afinal tão séria como o dito. Não era preciso dizerem muito para o fazer, umas quantas meias-palavras, ditas assim como quem não quer a coisa, e chegava.
Atualmente há mais alunos estrangeiros nas escolas do que havia há uns poucos anos atrás. Segundo os últimos dados que encontrámos, a percentagem total em Portugal é de 13%. Faro é o distrito com mais alunos estrangeiros no ensino básico. Lisboa e Setúbal seguem-se na lista dos distritos com mais estudantes oriundos de outros países.
Há quem tenha mais. Com efeito, noutros países da Europa, os números são superiores. Alguns exemplos disso mesmo são a Alemanha, com aproximadamente 25,9%, o Liechtenstein com cerca 35,3%, o Luxemburgo, em que serão 44,2% e a Bélgica, onde andarão pelos 20%, muito embora os números neste último país, variem bastante de região para região.
Há quem em Portugal como noutros países, se preocupe enormemente com o excessivo número de estrangeiros, no entanto, haverá no mundo inteiro, uns 281 milhões de pessoas que vivem fora do país onde nasceram, ou seja, uma percentagem de 3,6% do total da população mundial, no fundo, quase nada.
E com estas palavras, cremos ter dito tudo. Entre as palavras nunca ditas, estão as abaixo. Todas elas significam Lisboa, mas também poderiam significar Alentejo, Algarve, Minho, Coimbra, Porto ou Portugal.
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