Quem nunca sentiu no peito orgulho pela pátria? Quem nunca desejou ser parte da grande tribo lusitana e à luz macia da lua cheia, cantar a sua glória? E quem, mesmo se a morte nos apagar, duvidará que a memória dos bravos feitos das gentes portuguesas perdurará? Quem?
Quem cresceu ali pelos anos 80, reconhece nas questões acima colocadas, evidentes semelhanças com a letra de uma canção, “Brava dança dos heróis”, o primeiro grande sucesso da banda musical Heróis do Mar.
A estética e o visual da fase inicial do grupo pretendiam enaltecer o carácter nacional, dando ênfase à importância lusitana na história mundial. À época, o estilo causou muita polémica e o grupo foi acusado de promover o nacionalismo exacerbado, e inclusivamente de ser fascista e neonazi.
Nesse tempo, como atualmente, há sempre muito quem só saiba levar a vida de um modo grave e sisudo, e aproveite qualquer ocasião para se agitar, se indignar, ser severo e fazer dramas de faca e alguidar.
Nem a estética, nem o visual dos Heróis do Mar eram para serem levados demasiado a sério, fazia tudo parte de uma estratégia Pop, cuja verdadeira intenção era apresentar um estilo ousado e arrojado. Não era tanto uma atitude política e nacionalista, mas mais uma provocação artística.
Muitos anos mais tarde, em 2021, um dos membros da banda, Pedro Ayres Magalhães, explicou em entrevista, no que consistiam todos esses movimentos patrióticos desse tempo, chamou-lhes uma “construção surrealista” para “chocar os barbudos do folk e da paz, pão e habitação”, e que as palavras polémicas que então escreviam, não eram para se levar à letra.
Com o passar do tempo, o estilo visual da banda mudou e os símbolos nacionais foram sendo progressivamente substituídos por muito cabedal e calças de ganga rasgadas. As letras das canções também mudaram de tom, sendo que, o seu tema de maior sucesso, “Amor”, já não tinha palavras grandiloquentes acerca da grande gesta lusitana e iniciava-se assim: dráá-tá-tá-tá…dráá-tá-tá-tá…dráá-tá-tá-tá…dráá-tá-tá-tá…
Muitas vezes neste blog, saímos de Portugal e escrevemos acerca do que sucede noutros locais da Europa e do mundo e, muito particularmente, sobre o que por terras longínquas se vai debatendo e fazendo, no que à área da educação diz respeito.
Sabemos que frequentemente pregamos no deserto, pois na nossa amada pátria, são poucos os que querem saber sobre o que se passa lá por fora. Mas dito isto, hão de ser ainda muito menos, os que se interessam acerca do que acontece fora de fronteiras, quando o assunto em questão se relaciona com educação. Em síntese, escrevemos para quase ninguém.
Mas mesmo que escrevamos para apenas uns quantos, tudo isso pouco nos importa, pois o nosso destino vai para lá de Portugal. Por isso continuaremos a escrever largando velas e navegando, fazendo-nos aos sete mares, e mesmo que por entre ventos do norte, ainda assim, desafiaremos a sorte e as tormentas que tivermos de enfrentar.
Os temas sobre educação acerca dos quais há fastidiosas discussões nas redes sociais e televisões, já foram anteriormente amplamente discutidos noutros países. Por consequência, há experiências e soluções testadas com sucesso noutros locais, com as quais podíamos aprender. Mas nós, os valentes lusitanos, do que fazem os outros, nada queremos saber.
Que estudos internacionais sobre problemas que nos afetam diretamente apontem caminhos, a nós, nada nos diz. Perceber como funcionam os sistemas educativos noutros sítios, é coisa que na verdade tanto nos faz.
Ignorarmos totalmente, o que no estrangeiro se pensa e faz em educação é uma coisa de sempre, contudo, temos recentemente vindo a verificar, que essa atitude se vai alargando a quase tudo.
Vem isto a propósito de nos atuais debates eleitorais, até ao presente momento, ninguém ter perdido um segundo que fosse, quanto mais um minuto, a falar sobre qual é a nossa relação com a Europa, já para não falar com o resto do mundo.
Estamos integrados na União Europeia, é em Bruxelas e em Estrasburgo que se tomam decisões fundamentais sobre a nossa existência em comum, mas nada disso é debatido, no fundo, é quase como se não existisse.
Por assim ser, uma das principais conclusões a que chegámos, é que nesta campanha eleitoral, políticos e jornalistas, já para não falar da restante população, fazem de conta que vivemos orgulhosamente sós, ou se não orgulhosamente, pelo menos sós, certamente que sim.
Esta excessiva concentração, que como nação temos em nós próprios, faz-nos repetidamente esquecer, que não existimos sozinhos. Tudo isto há muito foi estudado pelo Professor Eduardo Lourenço, que no seu livro “O Labirinto da Saudade: psicanálise mítica do destino português” de 1978, diagnosticou perfeitamente esse traço do carácter nacional.
O livro de Eduardo Lourenço, conhecido como o pensador da portugalidade, é um espelho onde vemos a nossa imagem refletida, distorcida por excesso ou defeito, devido ao jogo traumático em querermos sempre ser ou tudo ou nada, ou os melhores do mundo, ou uns tristes e desgraçados.
Ou bem que nos vemos como um grandioso império que vai do Minho a Timor, ou bem que nos vemos como um país pobre, atrasado e periférico. Ou bem que somos a nação que deu novos mundos ao mundo e na qual nasceu a globalização, ou bem que elegemos um governo através de uma campanha eleitoral paroquial, em que nada mais se debate, que não sejam as coisinhas cá da nossa terra.
Em resumo, ou tudo ou nada, ou bem que a influência da história e cultura portuguesa se faz sentir por todos os continentes, ou bem que estamos sós, perdidos no nosso labirinto.
A determinada altura de “O Labirinto da Saudade” diz-se assim: “…a hora de fugir para dentro de casa, de nos barricarmos dentro dela, de construir com constância o país habitável de todos, sem esperar de um eterno lá-fora ou lá-longe a solução que, como no apólogo célebre, está enterrada no nosso exíguo quintal. Não estamos sós no mundo, nunca o estivemos”.
Surpreendentemente, houve quem desse livro, que em certo sentido é uma obra de filosofia, arriscasse fazer um filme de ficção. Numa das cenas, os antigos presidentes da república Jorge Sampaio e Ramalho Eanes jogam xadrez, nisto aparece Eduardo Lourenço e pergunta “como é que está o jogo?”, ao que Ramalho Eanes responde “Este é um jogo que se joga sozinho”. Aqui fica o trailer:
Uma vez tendo findada a banda Heróis do Mar, um dos seus elementos, Pedro Ayres Magalhães, fundou uma outra banda igualmente de grande sucesso, os Madre de Deus. O nome foi inspirado pelo antigo Convento da Madre de Deus, que se situa em Lisboa, na zona de Xabregas, e fica muito perto do local onde o grupo se reuniu pela primeira vez.
A escolha desse nome para o grupo, teve certamente a ver com o facto do seu estilo visual e musical se inspirar nas histórias, lendas e tradições deste nosso país, sendo que, o Convento da Madre de Deus, é um símbolo maior da História de Portugal.
No entanto, a própria história do Convento da Madre de Deus, demonstra-nos também ela, que nunca estamos sozinhos, que o nosso destino está intimamente e desde sempre ligado à Europa.
Com efeito, a fundação do convento liga-se diretamente com a cidade de Colónia na Alemanha, e com o imperador Romano-Germânico, para além de Arquiduque da Áustria, Maximiliano I.
O convento foi mandado erguer em 1509 pela Rainha Dona Leonor, mulher do rei D. João III. Por ser muito devota de Santa Úrsula, D. Leonor pediu por carta ao imperador germânico Maximiliano I, seu primo, que lhe mandasse algumas relíquias das Santas Virgens para as depositar naquele Convento.
Esclareça-se que Santa Úrsula era uma jovem de excecional beleza, que em segredo se converteu ao cristianismo. Segundo a lenda, andava sempre acompanhada por onze mil virgens. Um dia saiu de Colónia e foi em peregrinação até Roma, onde foi recebida pelo Papa. Ao regressar a casa, Colónia estava sitiada por bárbaros hunos, que a mataram, juntamente com as suas onze mil virgens.
Abaixo o quadro Martírio de Santa Úrsula e das Onze Mil Virgens de 1522, que foi originalmente colocado no Convento da Madre de Deus onde esteve durante séculos, mas que atualmente faz parte da coleção do Museu de Arte Antiga.
Maximiliano I acedeu ao pedido de D. Leonor e mandou retirar do Mosteiro de Santa Úrsula, em Colónia, as relíquias de Santa Auta (Aukta von Köln), uma das onze mil virgens martirizadas, e enviou-as para Lisboa.
Abaixo o quadro Chegada das relíquias de Santa Auta à Igreja da Madre de Deus, que como o anterior, também esteve no convento durante séculos, mas que atualmente faz igualmente parte da coleção do Museu de Arte Antiga.
O que esta história do convento nos diz, é que um símbolo, a Madre de Deus, que parece ser tão nosso, tão tradicional e tão português, tem na sua origem uma estreita ligação com lendas germânicas, ou seja, com terras que parecem ser tão distantes e estranhas à nossa história, mas que bem vistas as coisas, não o são.
Terminamos com uma outra história. Nós não queremos fazer como nos debates eleitorais, ou seja, fazendo de conta que o único assunto que importa discutir, é o que por cá se passa, razão pela qual contámos uma história aos nossos alunos à qual chamámos “A bela e o boi”, aqui fica o guião de aprendizagem e a respetiva ficha de exploração:
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