E por falar no Martim Moniz, vamos pela Almirante Reis abaixo, damos a volta ao mundo e acabamos nos Brasis.
Em Lisboa, há muito quem fale com desdém da Avenida
Almirante Reis. Não é fina, nem aristocrática, nem parece ser um bom sítio para
ir passear com a família. Não há por lá lojas elegantes e dizem-na suja, cheia
de gente estranha e quiçá até insegura. Quem pensa assim não gosta de misturas.
Mas há também quem pense o oposto, e na Avenida
Almirante Reis veja virtudes naquilo que outros consideram defeitos. Acham-na a
avenida mais cosmopolita de Lisboa, gostam dela precisamente por ser diferente,
vibrante e ter muita gente vinda de todos os cantos do mundo. Quem pensa deste
modo, gosta de se misturar.
Oficialmente a Avenida Almirante Reis inicia-se no Areeiro, vem por aí abaixo e finda junto ao Largo do Intendente. No entanto, em termos psico-emocionais, digamos que o seu primeiro troço, ou seja, o que vai desde o Areeiro até à Alameda, não é bem a Almirante Reis. Assemelha-se mais a zonas de outra estirpe, tipo a vizinha Avenida de Roma, do que propriamente à restante avenida.
A Almirante Reis termina junto ao Intendente, começando aí a Rua da Palma, que segue até ao Martim Moniz. Todavia, o certo é que essa rua de afamado nome, mais não é que a natural continuação da Avenida Almirante Reis. Em síntese, em termos culturais, que não oficiais, a Almirante Reis inicia-se ali a seguir à Alameda e desagua no Martim Moniz.
Mesmo que o primeiro troço da Almirante Reis, ou seja,
aquele que vai do Areeiro à Alameda, seja diferente de todo o resto, há por lá
no entanto, algo que anuncia esse mesmo todo o resto, a saber, o bar Bora Bora.
Um sítio de inspiração exótica, polinésia mais em
concreto, e que nos remete para continentes distantes e gentes de distintos
costumes. No fundo, o bar Bora Bora é uma espécie de aperitivo para seguirmos
pela avenida afora e irmos fazendo várias misturas pelo caminho.
A primeira paragem que fazemos nesta nossa expedição
pela Almirante Reis é só um pouco mais à frente,
O nome advém-lhe de uma deusa hindu, que habita no seu
pico e cujo papel é nutrir a terra para que esta seja tão fértil quanto
possível. São muitas as nascentes que descem das alturas para irrigar campos e
vales, donde posteriormente surgirão os alimentos para as gentes que por aí
vivem.
A deusa Annapurna apesar de habitar perto dos céus,
não é altiva nem esquece os que não vivem lá no alto. Pelo contrario,
recorda-os e faz com que abundantes águas venham pela montanha abaixo, para que
os alimentos cresçam nos campos e todos possam nutrir-se.
Há uma lenda em que se diz que Annapurna apareceu pela
primeira vez na cidade sagrada de Kashi, que se traduz como “Lugar da
Liberdade”, nas margens do sagrado Rio Ganges.
Foi nesse local que ela construiu uma cozinha para alimentar as pessoas até estas estarem completamente saciadas. Nesse banquete não foram apenas servidos os mortais. Um dos maiores deuses hindus, Shiva, também se aproximou da deusa com uma tigela vazia e implorou por comida. A lenda de Annapurna é uma história de bondade.
Se quisermos continuar por esses lados do mundo, o
melhor é irmos até à Rua Antero de Quental, que fica mesmo ali junto à
Almirante Reis, e dirigirmo-nos ao que muitos dizem ser o melhor restaurante de
comida indiana em Lisboa, o Caxemira.
A região de Caxemira fica entre a Índia e o Paquistão
e é disputada por essas duas nações. Obra prima de um deus, Caxemira, com as
suas altas montanhas cobertas de florestas e coroadas pela neve dos Himalaias,
possui rios de águas límpidas que percorrem as extensas planícies. Muitos são
também os lagos que refletem o céu e a grandiosa paisagem circundante. Caxemira
aparece aos olhos dos seus habitantes e dos que a visitam como a versão
terrestre do paraíso.
Mas mesmo sendo um paraíso terrestre, Caxemira há
muito que não tem paz. Há décadas que existem tensões, conflitos armados e atos
terroristas. A Índia e o Paquistão não se conseguem entender relativamente a
esta região e os desentendimentos vão-se prolongando no tempo sem que se aviste
um fim para esta questão.
A região de Caxemira diz-nos que mesmo vivendo-se no paraíso, isso de pouco serve se porventura não houver paz.
Mesmo à beira da Almirante Reis, fica a zona do
Desterro, onde se situa a escola do 1° ciclo mais antiga de Lisboa, a Escola n.º
1. Fundada em 1875, no reinado de D. Luís I, é detentora de um espólio
arquitetónico e mobiliário que lhe valeu a designação “escola-museu”.
Frequentam-na alunos de muitas nacionalidades diferentes. Aparentemente isso não é um problema, muito pelo contrário, “É mais divertido que estranho”, diz quem por lá anda. Há dezasseis alunos do Nepal, seis do Paquistão, cinco do Bangladesh, quatro do Brasil, três da Roménia, dois da Rússia, um de Angola, um da Índia, um de Israel, um da Alemanha, um da Guiné-Bissau, um do Peru, um da Guiné Conacri e um do Vietname. Aqui fica uma reportagem televisiva sobre como nessa escola se vive o dia a dia:
A lenda de Annapurna fala-nos de bondade e lembra-nos
que todos precisamos de comer para viver. A região de Caxemira diz-nos que
mesmo viver-se no paraíso de pouco serve se porventura não houver paz. A Escola
n° 1 mostra-nos que é possível acolher gentes de muitos sítios diferentes, que
vieram para o nosso país em busca de melhor condições para se alimentarem e
viverem, e que isso se consegue fazer sem que haja conflitos e desavenças.
Todos se misturam sem dilemas.
Há por aí quem puxe dos galões e se diga muito
patriótico. Mas o que nós sabemos, é que a maior obra da nação portuguesa, foi
a invenção do Brasil. Nem o Convento de Mafra, nem Os Lusíadas, nem nada que os
portugueses alguma vez tenham realizado, é um feito tão grandioso como o
Brasil.
Para além disso, o Brasil é diferente de tudo o resto. Quem já viajou por outros países da América Latina, sabe perfeitamente que em nenhum outro lado as gentes se misturaram tanto como por Terra de Vera Cruz. É certo que também lá há problemas, no entanto, a miscigenação do povo brasileiro é sem igual. Significa isto, que a grande habilidade de Portugal foi sempre saber-se misturar. Seja do outro lado do Atlântico, seja pela Avenida Almirante Reis abaixo.
Terminamos com a música “Bye Bye Brasil”. A letra é de
Chico Buarque e também ela mistura tudo, palavras portuguesas com outras de
origem indígena como toró, orixá, ou Paratins. Aparecem também expressões
inglesas como bye bye, night'n day e ok. Surgem ainda outras que misturam
diferentes línguas como por exemplo fliperama.
Mas a mistura não se limita às palavras, há também desfiles de terras e gentes de vários lugares, um japonês, os Bee Gees, Macau, Belém do Pará, Manaus, Maceió, o Ceará, roça e o sertão.
Comentários
Enviar um comentário