O Agrupamento de Escolas Eduardo Gageiro que fica em Sacavém e o Agrupamento de Escolas Augusto Cabrita no Barreiro partilham algo pouco comum em Portugal, o seus patronos são fotógrafos.
Eduardo Gageiro nasceu em Sacavém em 1935 e é um dos maiores fotojornalistas portugueses. Augusto Cabrita foi autor de inúmeros trabalhos fotográficas, tendo nascido no Barreiro em 1923 e falecido em Lisboa 1993. Tanto quanto sabemos, não há outras escolas neste país cujo nome provenha de um fotógrafo, o que é pena, uma vez que temos tido bastantes e bons.
Neste momento,
provavelmente por uma daquelas felizes coincidências em que os astros se
alinham, decorrem quatro exposições que celebram quatro dos maiores fotógrafos
nacionais, é uma justa homenagem.
É tão mais
justa, pois como se vê pelos nomes dados às escolas e agrupamentos, em Portugal
homenageia-se muito os grandes escritores, navegadores, reis, condes, artistas,
militares e políticos, mas pouco os grandes fotógrafos.
Fazendo muitas fotografias tão parte do nosso património nacional, como o fazem a Torre de Belém e a dos Clérigos, é importante que possam ser vistas ao vivo, sendo isso atualmente possível.
Os quatros fotógrafos cuja obra está em exposição são
Eduardo Gageiro, Alfredo Cunha, Maria Lamas e Augusto Cabrita.
Comecemos por
Eduardo Gageiro. Os seus olhos viveram, viram e viajaram muito e nós, através
das fotografias que ele tirou, é como se vivêssemos, víssemos e viajássemos
também um pouco do muito que ele viveu, viu e viajou.
O dia 25 de
Abril de 1974 teria ficado registado de um modo diferente na nossa memória
coletiva, caso Eduardo Gageiro não o tivesse fotografado. As imagens mais
icónicas dessa data, aquelas que todos conhecemos, surgiram da sua lente e do
seu olhar.
No dia da Revolução, Eduardo Gageiro chegou de madrugada ao Terreiro do Paço e imediatamente travou conhecimento com Salgueiro Maia. Acompanhou-o para todo lado, conseguindo assim estar presente em todos os principais momentos desse dia. Sem Eduardo Gageiro, o nosso património visual, assim como a nossa memória, seriam inevitavelmente mais pobres.
"Com
paisagens tão bonitas que temos, porque é que só fotografa gente humilde e não
fotograva paisagens?", foi a questão que um agente da Pide lhe colocou num
interrogatório a que foi sujeito.
As fotografias
dos trabalhadores das vários regiões do país que enviava para as revistas e
jornais internacionais davam uma má imagem de Portugal. Por causa disso ficou
meses na prisão de Caxias. Foi preso "Por causa de fotografar as pessoas
do meu país", lamentar-se-ia anos mais tarde.
A exposição do fotógrafo Eduardo Gageiro incluí 170 imagens, dos anos 50 até 2023, e está patente até maio, na Cordoaria Nacional, em Lisboa.
Passemos agora
a Alfredo Cunha, que nasceu em 1953 em Celorico da Beira. Tal como Eduardo
Gageiro, destacou-se como fotógrafo na revolução de 25 Abril de 1974, captando
também ele algumas das imagens mais memoráveis desse acontecimento.
Destacar-se-ia
igualmente com as suas fotografias da descolonização, mais concretamente com as
imagens da chegada dos então chamados "retornados" a Lisboa em 1975.
A sua foto dos pertences encaixotados dos “retornados” junto ao Padrão dos Descobrimentos é a metáfora perfeita para o fim da aventura colonial, ilustra de um modo inequívoco o término do império. A imagem sintetiza simbolicamente esse momento da História de Portugal, como nenhum manual jamais o conseguirá fazer.
Mais
recentemente, Alfredo Cunha foi o fotógrafo português que melhor trabalho fez
sobre os tempos da pandemia do coronavírus. As suas imagens de rostos cansados
e com medo, ficarão para a história como pedaços de memória de um tempo em que
ninguém sabia muito bem o que estava a acontecer.
A exposição "Alfredo Cunha · Photographo” pode ser vista no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira até ao dia 12 de maio de 2024, depois será apresentada no Musée national d'archéologie, d'histoire et d'art do Luxemburgo, de 19 de julho de 2024 até 5 de janeiro de 2025.
Passemos agora
a uma fotógrafa, Maria Lamas (1893–1983). Há várias escolas em Portugal com o
seu nome, nomeadamente no Porto e em Odivelas, contudo, o que se pretende
homenagear não é propriamente a fotógrafa, mas sim a jornalista, escritora,
pedagoga, investigadora e lutadora pelos direitos humanos.
À sua
atividade como fotógrafa nunca foi dado qualquer destaque, sendo que a sua obra
fotográfica nunca foi exibida em Portugal. Como no início deste texto tínhamos
sugerido, por cá não se tem particular consideração pelo nosso património
fotográfico. Lá por fora há mais, sendo que algumas fotos de Maria Lamas foram
apresentadas em Paris em 2009 numa exposição intitulada “Au féminin – Women
Photographing Women 1849–2009” e também no Dubai, em 2016, na
exposição “A global perspective in photography”.
Antes tarde do que nunca, pois a Fundação Calouste Gulbenkian vem agora corrigir esse esquecimento nacional, apresentando uma seleção de 67 das suas fotografias. A exposição intitula-se “As Mulheres de Maria Lamas” e estará em exibição até ao final de maio.
Por fim, o
quarto e último fotógrafo de que hoje vos falamos, Augusto Cabrita. Para além
de ter viajado e realizado inúmeras reportagens, Augusto Cabrita foi o autor
das fotografias da maior parte das capas dos discos de Amália Rodrigues. Muito
da imagem de Amália como um símbolo de Portugal foi uma construção do olhar de
Augusto Cabrita.
Na foto abaixo
de Amália percebe-se perfeitamente a intensidade do olhar e de como tudo no
fado é feito de um jogo de tons, tal e qual como os negros cabelos da fadista
contrastam com o branco acinzentado do céu.
Na foto percebe-se sobretudo que a sombra e a luz não são só fenómenos exteriores, ou seja, ópticos, são igualmente coisas, dores, sensações e emoções que se passam no interior de cada um de nós. Quando há um fotógrafo de imenso talento, como era o caso de Augusto Cabrita, conseguimos ver o modo como tudo isso se revela num olhar.
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem a despedida
O teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu…
A exposição
comemorativa dos 100 anos do nascimento de Augusto Cabrita encontra-se patente
no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no Barreiro, até ao dia 16 de Março de
2024.
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